segunda-feira, 18 de abril de 2011

HÁ 219 ANOS NASCIA O SOLDADO(A) MEDEIROS


MARIA QUITÉRIA
Heroína das guerras pela independência do Brasil: 1792(?) - 1853(?)

PARTE 3



AH, EU MORRO DE VERGONHA!

Nunca pensei em pisar num palácio. Quitéria, eu disse a mim mesma, foste criada para andar de pés nus e cabelos ao vento. Quitéria, és uma tabaroa. 

E no entanto, o que fizeram de mim? Ou melhor, o que a vida fez de mim? Nunca pensei que, ao pegar em armas, ao entrar naquela guerra do Recôncavo, eu acabaria aqui, hoje, nesta recepção palaciana. 

O Imperador vai entrar.

É ele, é ele. 
D. Pedro I
Altaneiro no porte, com aquelas dragonas douradas, o dólmen justo salientando o peito, a barba negra. 

A gente conhece logo um Imperador pela barba e, também, pelo jeito direto e franco de olhar. Um olhar sem medo, um, olhar dentro dos olhos —olhar de quem tudo ousa, de quem sabe que tudo pode.

Cavalheiro distinto,  garboso e galante, o Imperador. Irritou-se com as exigências de seus compatriotas, reunidos num concelho chamado Cortes, e, a cavalo, soltou o grito. Foi fácil, aqui no Rio de Janeiro e em São Paulo, porque havia um José Bonifácio, havia outros antigos  conspiradores em prol da Independência. 

Pois D. João VI não havia previsto, não havia aconselhado: “Pedro, algum dia o Brasil se separará de Portugal. Se assim for, põe a coroa sobre tua cabeça, antes que algum aventureiro lance mão dela”.  

Entra o Imperador no salão espelhante, cheio de cadeiras e canapés forrados de veludo verde e vermelho. Um luxo. Faianças, cristais, candelabros, pesados reposteiros. Deve ser bom viver aqui nestes luxos, mas prefiro os meus matos, os campos rasos da minha terra. Estou atordoada, com uma zoeira nos ouvidos, mal entendo o que diz em discurso o nosso comandante. 

Ouço palavras soltas: “heroína”, “mulher valente”, “amor à Pátria nascente”.

Agüenta, Quitéria”, eu digo aos botões da minha túnica. “Tu não és soldado, mulher?” Abro os olhos, o Imperador está diante de mim, curva-se e sorri. 

Tenho vontade de passar a mão naquela barba negra que parece seda. Mas a minha palma é calosa, com certeza o Imperador retrocederá, assustado — e me prendem.

Fecho de novo os olhos. O Imperador me condecora, um sujeito de roupa espalhafatosa lê um papel em que me concedem um soldo para o resto dos meus dias.
A Pátria agradece, mas, francamente, eu não pensava em recompensas. 

Os dedos do Imperador D. Pedro tocam-me a gola, roçam-me o busto.

Ah, eu morro de vergonha. Quem diria que eu, Quitéria, donzela criada quase solta pelos campos, com os animais, seria alvo de tantos olhares neste palácio do Campo de São Cristóvão? As damas de saia arrastando no chão só faltam me comer com os olhos. 

Tenho o rosto em fogo, as orelhas ardem. 

Será que vou dar chilique em público?”

CEGUEIRA E POBREZA

A partir do retorno de Maria Quitéria à boca do sertão baiano, escasseiam referências. 

Ou as Parcas esqueceram de trançar os fios, ou restam muitos dados a pesquisar, sobretudo nos álbuns familiares e nos registros de paróquias. 

A biografia da heroína, na tarde e crepúsculo de sua vida, pode resumir-se em poucas linhas: casamento com o noivo antigo - ou namorado - que deixara ao partir para a guerra; morte do marido; cegueira progressiva e pobreza extrema; e, por fim, provavelmente em 1853, sua morte, nas imediações de Salvador, para onde a filha a levara. Morreu esquecida, aos 61 anos. 

Não teve o mausoléu comumente reservado aos heróis.  Ignora-se onde está o túmulo.

Uma pergunta desdobrada em duas é inevitável: por que essa camponesa quase iletrada, já que avessa foi aos estudos, tornou-se guerreira? Moveu-a, apenas, o civismo, ou a sua alma irrequieta teria sido tocada por outros frêmitos?

Quitéria criou-se, é bem verdade, num cenário quase edênico, pastoril, em que predominavam as “manhãs claras”, conforme anota um biógrafo, e noites enluaradas, nas quais ela há de ter adquirido desenvoltura de corpo e espírito. 

Tabaroa, sim, como a considerou Bernardino José de Souza, mas a tabaroa alegre, simpática, comunicativa e esperta. Nascida e crescida em contato direto com a terra — telúrica, saudável, arrebatada, a ponto de, mas estroinices naturais da infância, ser comparada a um rapazinho, tal a sua franqueza de modos e gestos.

Mas o cenário generoso não dura. Advém o falecimento da mãe, o pai casa-se mais duas vezes, a segunda madrasta obriga-a a administrar a casa. 

O pai Gonçalo começa a revelar temperamento sexualmente desregrado, porque, além do segundo e terceiro casamentos, muito rápidos, e de nova prole, espalha filhos bastardos pela pequena senzala. Gonçalo dá-se ares de barão feudal em plena temporada de cio. 

Há uma guerra declarada ou dissimulada entre Maria Quitéria e a segunda madrasta.


CONTINUA...
















POR JOHNNY RETAMERO


Um comentário:

Anônimo disse...

Maria Quitéria,não pode ser esquecida,pois foi uma mulher para o seu tempo muito guerreira e sofrida,uma história de vida que deve sempre ser lembrada.

Idalva Santana,1° 'D'
Weigelia galvão.