sábado, 23 de abril de 2011

A Paixão de Damiana, 50 anos como figurante em Nova Jerusalém


Foto: Mariana Dantas/NE10 

Mariana Dantas Do NE10


A Semana Santa é o período do ano mais importante para ela. Nos dias de espetáculo, chega ao teatro às 15h para se vestir no camarim, três horas antes da abertura dos portões. O personagem, que interpreta há mais de 50 anos, é o mesmo vivenciado em seu mundo real. “Vestida de povo”, Damiana Maria da Silva aguarda a chegada dos espectadores. Com o teatro lotado, é hora de entrar em cena. A emoção é o maior dos sentimentos. Nada mais importa neste momento. 

Para Damiana, os seus problemas são pequenos diante dos que foram enfrentados pelo principal personagem da peça em que atua. Ela não sabe ler nem escrever porque saiu da escola ainda criança para trabalhar na roça. Até hoje pega na enxada para plantar o que come. A produção é pouca e não sobra nada para vender. A sua única renda é um salário mínimo que recebe como agricultora aposentada. O salário é para ajudar a família e comprar os remédios para diabetes. Dos vinte filhos que pariu, já chorou a morte de onze deles. Também perdeu o marido há dez anos. 

“O que aconteceu comigo foi porque Deus quis. O meu sofrimento não é nada junto daquele que deu a vida pelos outros, num é?”, afirma Damiana, com um sincero sorriso no rosto. Aos 68 anos, ela é a figurante mais antiga da Paixão de Cristo de Nova Jerusalém, maior espetáculo ao ar livre do mundo e que acontece em Fazenda Nova, distrito do município de Brejo da Madre de Deus, no agreste pernambucano. 

Damiana não lembra se atuou na primeira via sacra, promovida em 1951. Mas é provável que tenha participado. “Lembro que tinha menos de 20 anos e que a peça acontecia nas ruas de Fazenda Nova. Quem me convidou foi Dona Sebastiana”, conta a agricultora. Sebastiana era esposa de Epaminondas Mendonça, fundador do espetáculo. Na época, quem interpretava Jesus Cristo era o filho do casal, Luiz Mendonça. Ele atuou entre os anos de 1951 e 1968. Desde então, a agricultora é convidada para fazer parte do povo da Galiléia. 

Neste ano, Damiana faz o papel de uma comerciante que trabalha no Templo de Jerusalém. “Gostei de trabalhar no comércio porque não preciso correr com os outros (figurantes) seguindo Jesus”, explica. Cerca de 300 figurantes e 50 atores trabalham no espetáculo. O cachê da figuração varia de acordo com o papel. Os soldados, que atuam mais tempo e em vários cenários, ganham R$ 451 pela temporada (15 dias de trabalho). Quem faz parte do povo fatura R$ 362. “Já sei o que vou fazer com o meu dinheiro. Vou comprar remédios e comida”, conta a agricultora.

Para o público que prestigia o espetáculo, é difícil perceber o trabalho dos figurantes. Eles embelezam e dão mais veracidade à cena, porém a atenção está voltada para os protagonistas, o que é natural. Dona Damiana não faz questão de ser percebida. Para ela, o que vale é o prazer em participar da Paixão de Cristo. “Até hoje me emociono com o sofrimento de Jesus. Choro que nem menino. A cada ano que passa, acho a história ainda mais bonita”, diz. 

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