Conheci Palmeira Filho aqui em Vitória, sendo-lhe anfitrião e cicerone - nesta cidade cheia de contrastes, às vezes irritante, mas sedutora - não sei precisar há quantas décadas. Palmeira era um homem simples, brasileiro como nós, submetido às agruras financeiras do cotidiano, apaixonado pela vida, portador dessa alegria com que driblamos os problemas nacionais.
Embora transitasse normalmente pelas calçadas, Palmeira tinha o dom de falar para as multidões. O microfone da rádio era a extensão da sua voz, lenitivo para sua dor, fuga para os seus aperreios existenciais. Maceteado na arte de conquistar o ouvinte em Freqüência Modulada ou Amplitude Modulada, modulava sua voz na conveniência da hora, desde um reclame a uma recado amoroso numa caixinha de pedidos.
Um dia, eu o encontrei já meio combalido, cansado dos problemas do dia a dia, empunhando um copo de bebida e um cotoco de cigarro entre os dedos. Transpirava e tinha as mãos frias. Como vislumbrei sérias complicações de saúde e desânimo existencial, aconselhei procurar uma igreja. Estava na hora de parar de afogar problemas, tentar resolver tudo sozinho ou confiando nos homens. Suas questões transcendiam o lado visível, precisava de auxílio maior, socorro de outra esfera, arrimo da fé. E porque ouvisse meu conselho, viveu ainda por mais de uma década.
Imagino Palmeira no mundo invisível, como descreveu em poema, Manuel Bandeira, Irene Preta sempre de bom humor.
- Palmeira!... Palmeira!...
E Palmeira, se virando: - Ôi, Sosígenes, agora eu estou nas graças de Deus. Penso que está na hora de você procurar uma igreja.
Ali, ele me olha, baixa a cabeça e sai andando. O seu gingado ainda é o mesmo, seu tom de voz.
Imagino a célebre inscrição tumular: “Eu fui como tu és, e tu serás como eu sou. Pensa nisto, e vai com Deus.”
E numa despedida tipo da terra, em lugar desconhecido: - Até mais, Palmeira, a gente se vê.
Sosígenes Bittencourt da Revista Fragmentos
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