Da revistaepoca.globo.com
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O drama de quem perdeu a família, o emprego e até a saúde para atender a um desejo insaciável e doentio. Como identificar e tratar esse distúrbio do prazer. Dependência de sexo, comportamento sexual compulsivo e transtorno
hipersexual. Há dúvidas sobre como classificar o distúrbio e esse debate sobre
o que aflige milhares de homens e mulheres, acontece há mais de um século. A
primeira referência vem do psiquiatra alemão Richard von Krafft-Ebing, em seu
livro Psicopatias sexuais, de 1886.
Na obra, ele tenta categorizar o que chama de “desvios sexuais”. Discute
a homossexualidade, o sadismo, o fetichismo e o que antigamente se chamava de
ninfomania, o excesso feminino de sexo. Muitos dos comportamentos que
Krafft-Ebing descreveu deixaram de ser considerados patológicos ao longo dos
anos, das mudanças sociais e do avanço das pesquisas. O caso mais notório é a
homossexualidade.
A mensagem
Para você
O desejo sexual, quando atrapalha outras áreas da vida, pode não ser saudável.
O desejo sexual, quando atrapalha outras áreas da vida, pode não ser saudável.
Para a sociedade
É difícil estabelecer um padrão de normalidade para o sexo sem moralismos. Os limites são individuais.
É difícil estabelecer um padrão de normalidade para o sexo sem moralismos. Os limites são individuais.
Mas o “desejo sexual excessivo” entrou para o rol do Código
Internacional de Doenças, publicado pela Organização Mundial da Saúde. A quarta
edição do Manual estatístico de doenças mentais (DSM, na sigla em
inglês), a referência dos diagnósticos psiquiátricos, não tem uma categoria
própria para o problema. Cita o comportamento sexual excessivo entre os
“transtornos sexuais não especificados”. A próxima edição do DSM, prevista para
2013, deverá incluir uma menção a “transtorno hipersexual”.
É pouco provável, porém, que a nova classificação encerre o debate. Por dois
motivos. Primeiro, porque sempre foi e será difícil estabelecer os parâmetros
de normalidade do comportamento sexual humano. Não existe um limite ideal para
o número de orgasmos ou para o tempo gasto com fantasias ou relações sexuais.
Segundo, porque a quantidade de sexo, como sugere o termo “hipersexualidade”,
não é o fator decisivo para o diagnóstico.
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“A dependência sexual não tem a ver com a intensidade da atividade
sexual. Nem com sua frequência”, disse a ÉPOCA o psicólogo americano Patrick
Carnes, fundador do International Institute for Trauma and Addiction
Professionals e um dos pioneiros do estudo da dependência sexual.
“A principal marca do vício são
as consequências que alguém sofre por causa de sua atividade sexual. Se a
pessoa perde o emprego, para de estudar ou se afasta da família por causa do
sexo, é sinal de que há algo errado. Quando alguém passa todo o tempo pensando
em sexo, planejando, fazendo e se arrependendo, em vez de trabalhar, curtir a
família, os amigos e outras atividades prazerosas, é um problema”, afirma
Carnes.
Sexo, crack e cocaína
É possível depender de sexo como de cocaína ou crack? Para alguns cientistas, apenas o vício gerado por substâncias externas pode ser chamado de dependência. Outros afirmam que as pessoas podem viciar-se em sexo e outros comportamentos. As alterações químicas do cérebro durante o ato sexual justificam essa interpretação mais ampla da dependência.
É possível depender de sexo como de cocaína ou crack? Para alguns cientistas, apenas o vício gerado por substâncias externas pode ser chamado de dependência. Outros afirmam que as pessoas podem viciar-se em sexo e outros comportamentos. As alterações químicas do cérebro durante o ato sexual justificam essa interpretação mais ampla da dependência.
O orgasmo ativa, no cérebro, o mesmo circuito do prazer que as drogas e,
como elas, libera a mesma substância neurotransmissora, a dopamina. O uso
repetido de drogas pode modificar a estrutura e a função desse circuito
cerebral, gerando as características da dependência: aumento de tolerância à
substância, crise de abstinência, compulsão e recaída.
Ainda não há estudos que mostrem que o sexo seja capaz de promover esse
tipo de alteração neurológica. Mas há motivos para acreditar que fatores
biológicos tenham participação no excesso de sexo. Alguns tipos de demência
podem causar um aumento do desejo sexual. Certos remédios usados no tratamento
de mal de Parkinson também podem elevar a libido. Eles alteram o efeito da
dopamina, o mesmo neurotransmissor do prazer sexual. “Isso reforça a ideia de
que existe algo diferente no funcionamento do cérebro de quem é compulsivo por
sexo”, diz o psiquiatra Marco de Tubino Scanavino, responsável pelo Ambulatório
de Impulso Sexual Excessivo do Hospital das Clínicas (HC), em São Paulo.
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A química do cérebro é, porém, apenas parte da explicação, assim como
nem todas as pessoas que experimentam drogas ficam dependentes, apenas uma
pequena parcela da população sexualmente ativa desenvolve uma compulsão por
sexo. O psicólogo Patrick Carnes estima que 3% a 6% das pessoas se enquadrem
nessa categoria. Isso significaria, no Brasil, mais de 9 milhões de pessoas. A
grande maioria homens – o sexo masculino representa entre 80% e 90% dos
dependentes, segundo estudos.
Gostar de fazer sexo – e fazer com muita frequência – não significa uma relação
de dependência com esse tipo de prazer. Em geral, os famosos têm muito mais
oportunidades que alguém comum de fazer sexo porque são mais admirados e
assediados. E podem, se quiserem, aproveitar-se disso, relacionando-se com
vários parceiros. Eles podem até se apropriar do diagnóstico para justificar
escapadas conjugais e tentar reverter uma crise de imagem. Esse comportamento
não torna essas pessoas dependentes, no sentido clínico.
Como identificar a dependência?
“Ter uma expressão maior da sexualidade, em si, não é um problema”, diz o psicólogo Oswaldo Rodrigues Junior, diretor da Sociedade Brasileira de Sexualidade Humana. “O problema fica flagrante quando essa sexualidade não está funcionando a favor da pessoa e prejudica outras áreas da vida. Nem sempre quem sofre de dependência sexual consegue identificá-la com facilidade. “Em geral, o comportamento compulsivo começa no final da adolescência, início da vida adulta, e vai se agravando ao longo dos anos. Por isso, é difícil reconhecê-lo logo de cara”, diz o psiquiatra Marco Scanavino.
“Ter uma expressão maior da sexualidade, em si, não é um problema”, diz o psicólogo Oswaldo Rodrigues Junior, diretor da Sociedade Brasileira de Sexualidade Humana. “O problema fica flagrante quando essa sexualidade não está funcionando a favor da pessoa e prejudica outras áreas da vida. Nem sempre quem sofre de dependência sexual consegue identificá-la com facilidade. “Em geral, o comportamento compulsivo começa no final da adolescência, início da vida adulta, e vai se agravando ao longo dos anos. Por isso, é difícil reconhecê-lo logo de cara”, diz o psiquiatra Marco Scanavino.
O filme Shame (Vergonha), que estreará no Brasil em 2 de março, mostra esse
processo de degradação relacionado à dependência sexual. No início da
trama, Brandon Sullivan (interpretado por Michael Fassbender) é um jovem
nova-iorquino de 30 e poucos anos, bem-sucedido, boa-pinta, que paquera as moças
no metrô e conquista as gatinhas da balada. À medida que o enredo avança,
Sullivan revela-se incapaz de criar relações com outras pessoas e de conter
seus impulsos sexuais. Esse descontrole, como anuncia o tom sombrio do filme,
leva-o a consequências trágicas. O diretor Steve McQueen foge dos julgamentos
morais simplificados. O ponto principal do filme não é o comportamento sexual
de Sullivan, que recorre à prostituição, à pornografia on-line, à masturbação e
às relações casuais. Mas sim a insatisfação que permanece mesmo depois de tanto
sexo. É comum alguém com compulsão sexual sentir um vazio, mal-estar ou
desânimo assim que o orgasmo termina.
Esses sentimentos negativos após o ato refletem, em geral, duas
situações problemáticas, segundo os psiquiatras. A primeira é o uso inadequado
do sexo. As relações sexuais são um meio de reprodução, uma fonte de prazer e
uma forma de estreitar a relação com o parceiro. E não uma forma de buscar
aprovação do parceiro, diminuir a ansiedade antes de uma prova ou descarregar
depois de uma bronca do chefe. Eventualmente, o sexo pode até cumprir essas
funções.
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Mas não pode ser a única estratégia do indivíduo para lidar com essas
questões corriqueiras. “O sexo, em si, não é bom ou ruim”, afirma o psiquiatra
Aderbal Vieira Junior, coordenador do Ambulatório de Tratamento do Sexo
Patológico da Universidade Federal de São Paulo. “O que faz diferença é o
sentido que atribuímos a ele. E é esse sentido que os pacientes precisam
resgatar.”
Ser compulsivo em outros comportamentos – como compras ou comida – também
aumenta as chances, assim como ter outras condições psiquiátricas, como
transtorno de ansiedade ou de deficit de atenção. Além do uso inadequado
do sexo, a segunda causa para sentimentos negativos após o ato sexual é o
descasamento entre o comportamento da pessoa e seus próprios valores.
A falha em atender às expectativas internas é uma fonte de estresse e
mal-estar. Arrependimento, culpa e vergonha são palavras comuns entre os
compulsivos para descrever o que sentem depois de fantasiar, se masturbar ou
trair. Mesmo olhar pornografia ou se excitar no banheiro despertam essa reação
negativa. Apesar de menos danosos para os relacionamentos do que uma traição,
esses comportamentos são problemáticos para quem tem dependência, porque mantêm
o padrão compulsivo.
Ter sentimentos ruins relacionados ao sexo é um importante critério para o
diagnóstico da dependência sexual. “É preciso cuidado para não emprestar o
discurso médico ao discurso moral”, diz o psiquiatra Aderbal Junior. “O padrão
aparentemente disfuncional em relação ao sexo pode não ser dependência, mas
escolha.” Para ele, o trabalho do profissional de saúde é ajudar as pessoas a
adequar seus comportamentos a seus projetos de vida – não às regras morais da
sociedade. Segundo esse raciocínio, só é dependente sexual quem se reconhece
como tal – e procura ajuda.
Pornografia On-Line
Em grande parte das vezes, não é o próprio dependente quem procura socorro. Segundo um estudo do psiquiatra americano Stephen Levine que será publicado neste mês na revista Neuropsychiatry, os homens – a maioria entre os compulsivos sexuais – acabam indo buscar ajuda intimados pelas parceiras. Um dos sinais que merecem atenção é o uso de pornografia, especialmente on-line. Alguns especialistas chegaram a dizer que o mundo digital é o “crack da compulsão sexual”. Mas a internet, sozinha, não é capaz de causar uma dependência de sexo.
Em grande parte das vezes, não é o próprio dependente quem procura socorro. Segundo um estudo do psiquiatra americano Stephen Levine que será publicado neste mês na revista Neuropsychiatry, os homens – a maioria entre os compulsivos sexuais – acabam indo buscar ajuda intimados pelas parceiras. Um dos sinais que merecem atenção é o uso de pornografia, especialmente on-line. Alguns especialistas chegaram a dizer que o mundo digital é o “crack da compulsão sexual”. Mas a internet, sozinha, não é capaz de causar uma dependência de sexo.
“A pornografia na internet e a
masturbação, por si sós, não são um problema”, diz Carnes. A facilidade de
acesso a conteúdo adulto pode, é claro, ser tentadora para quem já tem
dificuldade de controlar seus impulsos. No grupo anônimo, os integrantes são
incentivados a analisar o próprio comportamento e a estabelecer estratégias
para lidar com a compulsão num programa de 12 passos, nos moldes do criado
pelos Alcoólicos Anônimos na década de 1930, nos Estados Unidos.
Uma das principais dificuldades para o tratamento adequado do vício em sexo é a
falta de um interlocutor para falar do problema. Há poucos centros de
atendimento especializado, como o Ambulatório de Impulso Sexual Excessivo do
Hospital das Clínicas e o Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes da
Unifesp, ambos em São Paulo, e poucos profissionais de saúde que saibam lidar
com o tema.
Quando se fala em compulsão sexual, as pessoas
levam para a brincadeira ou para o lado moral. Muitos ainda dizem que não
existe, mas só quem viveu sabe como é ruim.
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