Do
Jornal do Commercio
A
Campanha da Fraternidade da Igreja Católica, trabalhada na quaresma, quer
estimular mais do que um comportamento solidário com os enfermos. O enfoque na
saúde pretende mobilizar os cristãos também em favor do SUS. De preferência, de
um Sistema Único de Saúde com mais investimento governamental, controle dos
gastos e capaz de oferecer assistência digna, como defende o arcebispo de
Olinda e Recife, dom Antônio Fernando Saburido. Na entrevista ao JC, o monge
beneditino fala dessas reflexões, da necessidade de os agentes de pastorais
assumirem mais espaço nos fóruns de discussão e fiscalização da saúde pública.
“É preciso falar para poder transformar”, enfatiza. Ele critica também a
violência e a criminalidade que cercam os jovens, foco da próxima Campanha da
Fraternidade, e analisa o adoecimento da sociedade, diante das desigualdades
sociais, consumo e novos valores.
JC – Qual a maior doença dos
pernambucanos?
DOM FERNANDO SABURIDO – São tantas as doenças...
Atualmente acho que a depressão está sendo uma coisa séria e preocupante, por
conta desse corre-corre, dessa agitação. Também tem causado sofrimento às
famílias o envolvimento dos jovens com as drogas, está tirando a paz das
pessoas. É muito difícil.
JC – Como esses problemas podem ser
resolvidos?
DOM FERNANDO – A ausência de Deus leva a isso.
As pessoas estão muito despreocupadas com o aspecto religioso, têm pouco
compromisso com a fé, estão perdendo o sentido da vida.
JC – Tem a ver com o capitalismo, o
consumismo?
DOM FERNANDO – Também. Há uma preocupação com o
poder e o ter, a ambição humana é muito grande.
JC – Ao mesmo tempo a gente vê uma
explosão de novas religiões. Por que está faltando Deus na vida das pessoas?
DOM FERNANDO – Infelizmente se abrem igrejas
como se abre casa comercial. Há uma preocupação excessiva com dinheiro, com
dízimos, em mostrar curas sem comprovação científica. Não são religiões
comprometidas, históricas, tradicionais.
JC – Como é possível resgatar esse
contato com Deus com uma fé raciocinada?
DOM FERNANDO – Centrar-se mais nas coisas
simples e importantes da vida. Fazer uma opção correta. As pessoas se deixam
influenciar pelos meios de comunicação no mau sentido. Um exemplo são as
novelas. A Igreja vem trabalhando pela insolubilidade do casamento, mas nas
novelas as pessoas casam e descasam rapidamente. Há também aquelas figuras
perversas, que passam a novela inteira fazendo o mal e só no último capítulo
são condenadas.
JC - Voltando à saúde, Pernambuco está
em crescimento econômico, mas convive com doenças do Primeiro Mundo
(hipertensão, diabete, câncer), violência no trânsito, tuberculose e outras
relacionadas à pobreza. Como vê essa contradição?
DOM FERNANDO – Isso é uma realidade e eu
acrescentaria o caso da dengue, no qual estamos colaborando no combate do
mosquito transmissor. São problemas do Terceiro Mundo. O Brasil é um País
emergente do ponto de vista econômico e ainda convive com essa realidade. Isso
é inadmissível. Precisa investir mais na saúde. A gente percebe que o governo
apresenta cifras, mas na realidade isso não acontece, porque a desonestidade é
muito grande, há desvios. É preciso mudar tudo isso para o País se confirmar
como emergente.
JC – Em que precisa melhorar o sistema
de saúde, além do investimento e do controle de gastos?
DOM FERNANDO - O SUS é apresentado como projeto
modelar, atrai a atenção de outros países. A proposta realmente é muito
interessante, mas a prática não corresponde. Percebemos que as pessoas mais
humildes têm dificuldade para marcar uma consulta médica. Vão de madrugada para
as filas e depois não conseguem fichas. Para internamento, a dificuldade é
enorme. Imagine quando precisa de UTI, o negócio é sério, porque são poucos
leitos para a demanda. Eu tive a oportunidade de participar em João Pessoa do
lançamento da Campanha da Fraternidade, pela CNBB (Conferência Nacional dos
Bispos do Brasil), Regional Nordeste II. Na ocasião o ministro da Saúde,
Alexandre Padilha, mandou um representante, que mostrou os avanços. E eu falei
isso que acabei de dizer agora, a gente tem que mostrar o que está acontecendo.
Me chegam muitas histórias de sofrimento. É preciso falar para fazer
transformar. Os governos precisam apoiar a prática de esporte, que é
recomendável, um lazer sadio. Lamentavelmente, nem sempre o pobre tem esse
direito. Deus, na nossa vida, dá equilíbrio espiritual. Temos que cuidar do
corpo também.
JC – Como o senhor mesmo diz, é
preciso falar para fazer transformar. Há pastorais da Igreja Católica que lidam
nessa área, a da saúde, a da criança, a do idoso, e a da sobriedade (trabalha
com dependentes químicos). O senhor entende que, além de acolher e tratar os
doentes, elas precisam participar mais ativamente dos fóruns de fiscalização do
SUS, como os conselhos de saúde?
DOM FERNANDO – A gente não pode perder a
oportunidade de participar desses conselhos nos municípios e no Estado. É daí
que partem as ideias para o governo federal fazer programas, projetos. É muito
importante a nossa participação como igreja. Nós, igreja, somos muito
procurados pelos pobres. Podemos, então, dar uma contribuição ao Estado.
JC – Como a Campanha da Fraternidade
pode estimular os cristãos e a sociedade para o direito à saúde?
DOM FERNANDO – O objetivo principal é motivar o
debate, o diálogo, mobilizar as escolas, universidades, o mundo do trabalho, a
sociedade. Para facilitar isso, há um texto-base da CNBB, muito bom, que é
feito pelos técnicos, com boas ideias que podem ser lançadas. É muito rico esse
debate.
JC – Como anda o projeto da
Arquidiocese de Olinda e Recife de assistência aos dependentes químicos?
DOM FERNANDO – Estamos muito angustiados com
isso. Queremos que as obras das duas Fazendas Esperança sejam iniciadas ainda
este ano, uma feminina, em Igarassu, e outras masculina, em Jaboatão dos
Guararapes. O prefeito de Jaboatão me garantiu o espaço, mas precisamos de
recursos para construir. Tem que ser fazenda grande, em geral de 10 a 12
hectares, com capacidade para atender 100 pessoas.
JC – Além de fiscalizar, a Igreja
também presta serviço de saúde no SUS, através da Santa Casa de Misericórdia,
que tem hospital e administra Unidade Pronto Atendimento (UPA), no Recife. Qual
a sua recomendação para a Santa Casa no atendimento ao paciente?
DOM FERNANDO – A missão da Santa Casa é servir
aos pobres. Ela é mantida por doações de imóveis feitas no passado. Nossa
intenção é convergir todo o seu patrimônio em benefício dos mais pobres. É uma
entidade sem fins lucrativos e vai continuar assim. Esse é o meu propósito.
Estamos tentando melhorar o hospital para aumentar o atendimento à população.
JC – Qual o tema da próxima Campanha
da Fraternidade?
DOM FERNANDO - A juventude. Temos visto muitos
jovens morrendo em razão da violência e outros nos presídios. Visitei
recentemente o Presídio de Igarassu (de segurança máxima) e me surpreendi com a
grande quantidade de jovens num espaço feito para 400 e que abriga mais de dois
mil presos. Os pavilhões estavam cheios e havia gente no corredor. Tudo isso é
muito preocupante, daí a Campanha da Fraternidade querer chamar a atenção da
sociedade.
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