Do Folha Online
imagem: vooz.com.br |
As gêmeas Letícia e Luana, nascidas em Cuiabá, Mato Grosso, têm mais uma
coisa em comum do que os outros irmãos univitelinos do resto do mundo: elas
receberam um transplante de células-tronco tiradas de um mesmo cordão
umbilical.
O compartilhamento de células de um cordão só é inédito no Brasil e,
segundo os médicos responsáveis pelo tratamento, feito no hospital Albert
Einstein, não há registro de caso igual no mundo.
As meninas, que estão prestes a completar um ano, têm uma doença
raríssima chamada linfohistiocitose hemofagocítica hereditária. O mal, que atinge ao menos 1 em 50 mil nascidos vivos (muitos casos não
recebem diagnóstico), é fruto de uma alteração genética hereditária que altera
uma célula chamada histiócito.
Essa célula tem como função "limpar" a medula óssea, que
fabrica as células do sangue. Mas, em quem sofre da doença, o histiócito tem
uma atividade enlouquecida e engole células do sangue, como os glóbulos
vermelhos.
Isso leva à falta dessas células, causando anemia, alterações no sistema
imune e até danos neurológicos, como explica o hematologista Nelson
Hamerschlak, coordenador da unidade de transplante de medula óssea do hospital
Albert Einstein. Sem tratamento, que pode ser feito com remédios ou
transplante, a doença mata.
DIAGNÓSTICO
A linfohistiocitose hemofagocítica costuma se manifestar após o portador
entrar em contato com vírus ou bactérias. No caso das gêmeas, os sintomas
começaram após a vacinação contra poliomielite, aos dois meses de vida.
"A vacina só desencadeou a doença, poderia ter sido qualquer
coisa", afirma a hematologista Juliana Folloni, também do Albert Einstein,
que está acompanhando o caso das meninas.
A mãe, Gracieli Dutra da Silva, 26, conta que só Letícia ficou doente. O
estado grave de saúde da menina levou os médicos a transferi-la para São Paulo.
As duas foram, então, para o Instituto da Criança do Hospital das Clínicas,
onde receberam o diagnóstico, conta a mãe.
Apesar de Luana não ter tido sintomas, ela também tem a doença, porque
tem o mesmo código genético da irmã. "Elas ficaram internadas lá de maio a
agosto. Já saíram com o doador de escolhido."
Em casos mais leves da doença, que se manifestam mais tarde, é possível
um controle com remédios. No caso delas, a solução era mesmo o transplante. O doador
foi encontrado nos EUA. Como as meninas são gêmeas univitelinas, o doador foi
compatível para as duas.
Um transplante como esse usa células-tronco retiradas do cordão umbilical
de um bebê, colhidas logo após o parto e congeladas. O objetivo é que as
células repovoem a medula óssea do receptor para fabricar células sanguíneas
sadias.
Para isso, é preciso que o cordão umbilical do doador tenha células
suficientes de acordo com o peso de quem vai recebê-las. "Como elas tinham
mais ou menos 6 kg cada uma, foi possível usar o mesmo cordão."
Em geral, usa-se sangue de um cordão para uma pessoa ou de dois cordões,
quando o número de células não é suficiente. A novidade do caso é usar um para
duas pessoas.
A divisão das células foi feita no Brasil, com o cuidado de dar a cada
uma a mesma quantidade. Antes do transplante, as meninas foram submetidas à
quimioterapia para matar as células da medula óssea. Só depois disso é que as
células-tronco foram infundidas.
O transplante foi feito em 16 novembro e seu sucesso foi constatado um
mês depois. As meninas voltam nesta semana para Cuiabá para comemorar, em casa,
seu primeiro aniversário.
Nenhum comentário:
Postar um comentário