“Deus amou o mundo de tal maneira
que deu seu Filho unigênito para que todo aquele que nele crê não pereça, mas
tenha a vida eterna.” Quando alguém defende que a Bíblia condena homossexuais,
Anderson Pereira e Roberto Soares repetem o 6º versículo do capítulo 3 do
Evangelho de João. “Para Jesus, não importa se você se atrai por homem ou
mulher. Ele não faz nenhuma distinção. Quem tem fé tem sua vida garantida em
Cristo”, entende Anderson, de 34 anos. Em Belo Horizonte, ele e Roberto, de 28,
são pastores da Igreja Cristã Contemporânea, baseada em uma “teologia
inclusiva”. E sábado os dois vão se casar.
“Será um casamento como qualquer
outro. A única diferença é que não vai ter a noiva. Vai ter padrinhos,
docinhos”, explica Anderson. “E valsa”, remata Roberto. O casal não quer
divulgar o endereço nem o horário da cerimônia, que vai ocorrer em um salão de
festas. “Há pessoas que são contrárias, podem causar algum transtorno. Queremos
nos preservar. Sonhamos muito com isso, planejamos cada detalhe”, justifica
Anderson, que é fisioterapeuta. Roberto cursa o último período de serviço
social. Os dois, que moram juntos desde 2002, formalizaram o reconhecimento da
união estável neste mês e, após o casamento, pretendem pedir a conversão em
união civil.
O matrimônio será oficiado por
dois pastores da Contemporânea, como os fiéis costumam chamar a igreja criada
em 2006. Marcos Gladstone, fundador e presidente da congregação, vai dividir a
celebração com o esposo, Fábio Inácio. Os dois moram no Rio de Janeiro, onde a
Igreja nasceu com um templo no Bairro da Lapa. Outras cinco unidades foram
criadas naquele estado e a sede nacional se estabeleceu em Madureira. A única
unidade fora do Rio é a belo-horizontina, inaugurada em 2010.
Os templos fluminenses já
celebraram cerca de 70 casamentos, segundo Gladstone, de 36 anos, casado desde
2009 com Inácio, de 32. O matrimônio de Anderson e Roberto será o primeiro da
igreja em Minas, onde tem aproximadamente 100 fiéis, 90 deles homossexuais e
três transexuais, nas contas dos pastores, que rechaçam o rótulo de “Igreja
gay”. “Não pregamos a homossexualidade, mas nosso público-alvo são os
homossexuais, infelizmente. Digo infelizmente porque as igrejas deveriam estar
abertas a essas pessoas, deveriam ensinar que Deus as ama”, defende Anderson.
Acolhida
O casal morava em Nova Iguaçu, na
Região Metropolitana do Rio, quando foi convocado para inaugurar a
Contemporânea em BH. Os cultos dominicais se iniciaram em março de 2010, no
salão de um hotel na Avenida Amazonas, no Centro. “No começo, eram 15 ou 20
pessoas. Depois, chegamos a ter 250”, relata Anderson. O aumento da frequência
fez a Igreja alugar, um ano depois, um salão de festas no Bairro Santa Amélia,
na Região da Pampulha. Em outubro de 2011, a unidade se mudou para o espaço
atual, a sobreloja de um prédio na esquina das ruas Doutor Álvaro Camargos e
Hudson Gouthier, no Bairro Santa Mônica, também na Pampulha.
Os cultos se realizam às
quartas-feiras, às 19h30, e domingos, às 18h. Aos sábados a programação varia,
mas, em geral, há encontros de jovens. Às vezes, há reuniões de casais ou
exibição e discussão de filmes evangélicos. Algumas atividades são programadas
para os feriados. “De vez em quando, a gente alugar um sítio para fazer
batismo”, detalha Anderson.
Nas noites de sexta-feira, ocorre
o projeto “Jesus Reina na Raul Soares”. Acompanhados de auxiliares — os
obreiros —, os pastores fazem pregações naquela praça e em bares e boates das
cercanias, aproveitando a concentração de jovens homossexuais naquele ponto do
Barro Preto, bairro da região Centro-Sul da capital. “A gente procura esses
guetos mesmo, aonde as outras igrejas não vão”, diz Roberto. O pessoal da
Contemporânea também frequenta ruas e avenidas onde há pontos de prostituição,
para conversar com garotos de programa e travestis.
Edson José dos Santos estava na
porta de uma boate perto da Praça Raul Soares quando passou o grupo da
Contemporânea. Estava alcoolizado e não prestou muita atenção ao que diziam,
mas apanhou um folheto e foi à igreja no domingo seguinte, em abril de 2010.
“Até então, para mim, a Bíblia condenava a homossexualidade, mas eles (os
pastores) mostraram que não é assim”, diz Edson, hoje diácono. “Eu bebia,
fumava, usava maconha e outras drogas, mas deixei essa vida de promiscuidade”,
conta ele, de 27 anos, que trabalha com compra e venda de imóveis rurais e há
quase dois anos namora Carlos Eduardo Pereira, de 18, também membro da
Contemporânea. “Muitas pessoas precisam conhecer o amor incondicional de Deus”,
acredita Edson.
Ilegítimo
A interpretação da Bíblia
defendida pelos “contemporâneos” é negada por outras igrejas evangélicas. “O
relacionamento (homoafetivo) é ilegítimo. O texto bíblico é muito claro:
casamento, só entre homem e mulher. Por isso, Deus criou Adão e Eva. Como é que
pessoas do mesmo sexo podem procriar?”, questiona o pastor José René Toledo,
diretor da Convenção Batista Mineira, que reúne mais de 1 mil igrejas batistas
em Minas com cerca de 80 mil membros. Para embasar sua opinião, ele cita
trechos da Bíblia, como o versículo 20 do capítulo 13 do Levítico: “Quando
também um homem se deitar com outro homem, como com mulher, ambos fizeram
abominação”. “A Bíblia nunca se torna obsoleta, é sempre a palavra de Deus”,
resume o pastor.
SAIBA MAIS:
Uma fé em expansão
A Igreja Cristã Contemporânea
planeja se instalar em outros estados. As próximas unidades serão instaladas em
Recife (PE), Londrina (PR), São José dos Campos (SP) e em Rondônia, onde há
fiéis em preparação para pastores. Em Minas também tem treinamento.
“Há pessoas
do interior que viajam horas para frequentar o templo de BH”, diz o pastor
Marcos Gladstone, fundador e presidente nacional da igreja.
“Queremos criar
outro culto dominical e abrir unidades em Contagem, Montes Claros e Juiz de
Fora, onde a procura é grande”, acrescenta.
Em todo o país, a congregação deve
reunir “umas 1,5 mil pessoas”, contabiliza Gladstone, somando as que frequentam
a igreja e as que acompanham a distância pela internet.
Do Estado de Minas
Nenhum comentário:
Postar um comentário