Princesa Isabel |
“A
televisão, em 30 de abril, divulgou o conteúdo de uma carta da princesa Isabel
datada de 11 de agosto de 1889 endereçada ao visconde de Santa Victória. Nela
se revelam os seus esforços e de seu pai, o imperador D. Pedro II, para prover
condições dignas de sobrevivência e inserção da população ex-escrava na
sociedade brasileira.
O texto da princesa defende a indenização aos
ex-escravos, a constituição de um fundo para a compra e doação de terras que
lhes permitissem sobreviver e se inserir socialmente pela exploração agrária e
pecuniária sustentada.
Mais que isso, o documento
histórico foi utilizado como oportunidade adicional de crítica velada aos
movimentos negros nacionais que ousaram questionar o alcance libertário da lei
assinada em 13 de maio. Os questionamentos desses movimentos resultaram em
clara sinalização de que a Abolição permanecia projeto inacabado a despeito das
intenções da princesa, o que a sua carta revelada apenas referenda.
Longe
de servir para iluminar as contradições do presente, o documento histórico é
utilizado para conter a própria marcha da história. Ao focar na redenção da
imagem da princesa e na sutil condenação dos sujeitos políticos que
representam, no presente, a continuidade histórica da luta por libertação tem
por sentido deslegitimar as suas reivindicações, as suas falas.
A
importância do documento para a tevê e para os estudiosos escolhidos para comentá-lo
está nos gestos e intenções generosas da princesa e não no projeto que seu
conteúdo aponta. A conseqüência da matéria é sugerir aos espectadores e, em
especial, aos movimentos negros, a reposição do reconhecimento histórico da
figura benevolente da princesa, agora acrescido por suas propostas
indenizatórias aos ex-escravos. Porém, sobre as indenizações que são o conteúdo
essencial da carta, a matéria se resume a constatar que elas jamais foram
feitas.
No
entanto, o melhor reconhecimento a se fazer à princesa seria pautar a discussão
sobre o seu sonho malogrado de provimento aos ex-escravos de condições para
sobreviverem e prosperar dignamente na sociedade brasileira — carência de que
padecem ainda hoje os seus descendentes —, dando inclusive absoluta atualidade
à carta. Porém, são precisamente editoriais raivosos de jornais contra as
políticas para a redução das desigualdades raciais que conspiram contra os
ideais defendidos pela princesa e enaltecidos na matéria. Compreende-se, então,
o foco dado ao documento.
Entre as personalidades convidadas para comentar o
documento, houve quem destacasse o fato de que a classe política da época
impediu a realização dos desejos emancipatórios da princesa em relação aos
ex-escravos. Parece que aquelas forças políticas que impediram o progresso das
idéias generosas da princesa continuam inspirando as classes políticas do
presente.
Estamos diante do mesmo impasse. Os esforços para impedir essa
segunda Abolição se materializam, entre outros fatos, na resistência do Congresso
em aprovar o Estatuto da Igualdade Racial, que já se encontra desfigurado de
sua formulação original.
O texto previa a formação de um fundo que daria
sustentabilidade a um amplo programa de democratização do acesso dos
afrodescendentes às oportunidades sociais, sem o qual o estatuto perde
eficácia. No entanto, nem mesmo assim ele pôde ser aprovado.
A
necessidade de formação de um fundo para sustentar o projeto político da
princesa e os esforços empreendidos pelo imperador para viabiliza-lo aparecem assim
descritos na carta:
“Fui
informada por papai que me collocou a par da intenção e do envio dos fundos de
seo Banco em forma de doação como indenização aos ex-escravos libertos em 13 de
Maio do anno passado, e o sigilo que o Snr. pidio ao prezidente do gabinete
para não provocar maior reacção violenta dos escravocratas.
Deus nos proteja si
os escravocratas e os militares saibam deste nosso negócio pois seria o fim do
actual governo e mesmo do Império e da caza de Bragança no Brazil.
(…) Com os
fundos doados pelo Snr. teremos oportunidade de collocar estes ex-escravos,
agora livres, em terras suas proprias trabalhando na agricultura e na pecuária
e dellas tirando seos proprios proventos.
Fiquei mais sentida ao saber por
papai que esta doação significou mais de 2/3 da venda dos seos bens, o que
demonstra o amor devotado do Snr. pelo Brazil. Deus proteja o Snr. e todo a sua
família para sempre!”
Três
meses após a data dessa carta, a princesa e o Imperador foram depostos e
desconhece-se os destinos dos tais fundos. É o Brasil, desde sempre. ”
Obs: O português da Carta foi mantida como o original.
Fonte:
http://amorimsena.zip.net/
Postado por Johnny Retamero
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