quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

ENTREVISTA - O ESFORÇO DE PELÉ PARA CUMPRIR A ROTINA DE REI

Luiz Antônio Prósperi e Robson Morelli - O Estado de S. Paulo

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A simplicidade com que relata os três meses de reclusão lembra a facilidade com que derrubava seus marcadores. Aos 72 anos, Pelé estava abatido, mas confiante. Sorria e se emocionava com suas próprias palavras. Falou de tudo, da sua longa recuperação, que ainda não acabou, da seleção brasileira de Mano Menezes e agora de Felipão, de Neymar que parece um jogador comum no time nacional e da Copa de 2014. Revelou também que o filho Joshua, de 16 anos, vai morar com ele no Brasil para jogar no Sub-16 do Santos. E foi falando... Pelé parece sem limites. Na sala de troféus, ele vai mostrando peça por peça de sua coleção, como a réplica da taça Jules Rimet e o lendário chapéu mexicano colocado em sua cabeça após a conquista da Copa do Mundo de 1970. É uma volta ao passado, ao passado em que Pelé reinava absoluto pelos gramados. 


ESTADÃO - Quando você deixou o hospital de cadeira de rodas e chorou, ano passado, muita gente ficou preocupada com seu estado de saúde. A gente nunca tinha visto o Pelé daquela forma...

PELÉ - Eu cheguei arrasado naquela saída do hospital porque me emocionei. Antes, vi muitas pessoas de cadeiras de rodas e alguns mutilados até. Todos me deram força e aquilo mexeu comigo. Fiquei um mês e meio sem fazer praticamente nada no hospital. Fiquei deitado o tempo todo. Estou nessa faz três meses. Faço o trabalho de fisioterapia com a minha filha, a Flávia, que é fisioterapeuta em São Paulo. E graças a Deus eu já pulei etapas nesse processo de recuperação. Era para passar pelo andador que eu chamo de ‘quatro patas’, depois para as muletas e das muletas para a bengala. Fui direto para a bengala. Deus me deu uma boa recuperação. Me sinto bem. De vez em quanto, tomo uma Novalgina porque não posso ter impacto na perna.


ESTADÃO - É que você sumiu e todos ficaram preocupado com sua saúde.

PELÉ - Estou bem. Fiz algumas aparições também, teve a conversa com o Federer e o Blatter, com repercussão internacional. Estive no Santos, de bengala, mas estive. Teve ainda um comercial que fiz com o Neymar para o sócio-torcedor do Santos. Nós também íamos inaugurar no Maracanã um busto do Pelé, mas atrasou e quando ficar pronto vou sem bengala.



ESTADÃO - E o que você fez nesse tempo todo preso à cama?

PELÉ - Nesse tempo de recuperação vi muito futebol e parei para compor minhas músicas. Eu sou compositor. O futebol era só um bico (risos). Li livros e revi alguns documentos, contratos de novos parceiros, da empresa para a qual repassei a minha marca, a Legends10. Vou diminuir um pouco as viagens, o ritmo, mas depois retomo normalmente. Nesse tempo parado, ainda atendi ao Roger Federer (tenista) no hospital e ao presidente da Fifa, Joseph Blatter. No caso do Federer foi um contrato mesmo, era uma publicidade que tínhamos de fazer juntos. Também fiz umas 10 músicas e uma delas para ser tema da Copa do Mundo. Estou falando com o Edson, da dupla Edson e Hudson, para tentar gravar... Mas ainda não está pronta... só tem a base da letra.


ESTADÃO - Você viu muito futebol então...

PELÉ - Assisti a quase todos os jogos pela televisão. Fiquei preocupado com a seleção brasileira. Tivemos três anos com o Mano Menezes e não aproveitamos nada desses três anos. Para quem sabe que futebol é conjunto, não aproveitamos nada. Digo que não é só culpa do Mano. Mas nesses três anos, não tivemos nenhum projetinho de time. Felipão e Parreira já fizeram uma mudança quase radical na equipe. As experiências devem ser feitas com jogadores novos. Os experientes, como Ronaldinho, já sabemos como jogam e que vão jogar um tempo ou outro. Escolher Felipão e Parreira para o cargo foi bom. O Parreira é de confiança e o Felipe tem essa postura de ser sério. Isso é bom. Agora, vamos fazer um time.


ESTADÃO - E ficou com sua família também...

PELÉ - Por coincidência, o meu filho Joshua, que fez 16 anos e estava jogando em Orlando, nos Estados Unidos, onde mora com a mãe, a Assíria, pediu para voltar. O Joshua vem e vai estudar aqui. Vai também jogar no Sub-16 do Santos. Pena que a Celeste ficou. Eles são gêmeos, todos sabem. Mas disse a ela que vamos esperar o Joshua se acostumar de novo aqui no Brasil... e se der certo, a Celeste vem mais pra frente. A mãe falou que eu queria dilacerar a família (risos).


ESTADÃO - E como você está acompanhando as obras da Copa no Brasil?

PELÉ - A presidente Dilma me chamou para apagar a fogueira dos estádios, mas quem foi ganhar uma graninha foi o Ronaldo. A presidente me pediu para repensar e continuar no projeto da Copa do Mundo. Para a Copa das Confederações, Copa do Mundo e Olimpíada, serão praticamente oito anos de trabalho. Eu falei que vou repensar a minha função. Quero ver que tipo de trabalho farei. Ficar recepcionando delegações seria puxado demais para mim. Falei com o Platini e ele disse que era puxado. Depois da recuperação, vou me sentar com a presidente Dilma e rever que tipo de trabalho farei. Diplomacia, tudo bem... Mas ter a obrigação de receber delegações em aeroportos, não dá para fazer.


ESTADÃO - E o que você está achando das obras?

PELÉ - Embora saibamos que os estádios ficarão prontos, mesmo com algumas deficiências, e nós vimos o que aconteceu em Porto Alegre (no estádio do Grêmio, onde as grades caíram e algumas pessoas se machucaram), o que preocupa é a segurança e a infraestrutura dos aeroportos, de falta de voos e de comunicação, que não é boa. Mesmo em São Paulo, no estádio do Corinthians, vai ter problemas de acesso. Pelo que a gente está vendo, não vai dar tempo para terminar tudo o que foi pensado. Agora, no que diz respeito à disputa dos jogos, isso vai bem. O Brasil vai ter uma boa equipe também. Tem até essa preocupação porque em 1950 era o time favorito e acabou perdendo. A preocupação é que isso não se repita.


ESTADÃO - Você confia nessa seleção?

PELÉ - Não acho que o Brasil tenha jogado mal contra a Inglaterra. O time não tem uma estrutura, um conjunto. Estamos jogando em cima dos nomes, das estrelas. O Neymar, por exemplo, toda vez que chega na seleção vira um jogador comum. Nós temos uma boa experiência que foi em 1970. O João Saldanha chegou para ser o técnico interino, quebra galho. Como estava difícil montar um time, ele pegou o Santos e o Botafogo e fez a base, depois ele pegou o Tostão, o Rivellino... Isso foi o grande sucesso do time. E se nós não temos os jogadores de qualidade daquela época, temos de ter uma equipe organizada. O Corinthians foi campeão sem ter uma grande estrela. Está certo que em 1970 tínhamos quatro ou cinco excelentes jogadores. Mas falaram que todos nós não poderíamos jogar juntos. O Saldanha fez essa loucura e acertou a equipe.


ESTADÃO - Você disse que o Neymar é um jogador comum na seleção?

PELÉ - Não é isso o que esperamos do Neymar, principalmente nós do Santos. Temos uma confiança danada nele. Mas ele é um jogador comum na seleção. Tudo é visando o Neymar. Ele é um jogador sem experiência internacional. É um excelente jogador, mas sem experiência lá fora. Em todos os jogos fora do País ele não vai bem. Todos acham que ele tem de resolver os problemas da seleção. Neymar não está preparado para receber esse peso. Não vai dar para ele. Neymar não está preparado para isso. Ele não joga no exterior, o futebol europeu é diferente do futebol latino. Nós do Santos falamos que ele é o melhor do mundo, claro. Mas ele já se preocupa mais em aparecer na mídia do que em jogar para o time. O Neymar tem muita responsabilidade. E sua preocupação é mudar o estilo, mudar o corte de cabelo. O Edinho, meu filho, que está na comissão do Santos, faz os treinos do time. Ele não dá falta nos treinos e o Neymar fica bravo. Ele está viciado nas faltas.


ESTADÃO - Ocorre que ele também está mal no Santos...

PELÉ - O Santos está perdendo com ele em campo. E chato eu falar isso, mas cobrei o Muricy. É uma coisa boba, mas a gente que é do futebol percebe. Todas as faltas, escanteios, pênaltis é com o Neymar. Cada falta que ele bate, fica fora do jogo 1 minuto. Ele tem de ficar na cabeça da área para pegar a bola, dar um drible, usar a habilidade. Ele cruza, corre lá depois e perde tempo. Quem não está atento, não vê isso. Mas ele fica fora de jogo um monte de vezes. São detalhes que influenciam. Antes da cirurgia eu falei com o Muricy. Mas a responsabilidade do Muricy é grande. E é difícil bater de frente com o Neymar. O Neymar tem de largar mais a bola, jogar para o time.


ESTADÃO - Ele já tem idade para ir embora, jogar na Europa?

PELÉ - O problema não é a idade para ir embora. O problema é ter a condição de chegar lá fora e jogar. Principalmente para onde ele for. O jogo é mais duro na Inglaterra, Itália, Alemanha. Os juízes estão acostumados a deixar o jogo seguir. O Barcelona seria o ideal para ele. O Santos precisa dele e por isso acho que ele não deve sair, mas se sair deve ir para o Barcelona. Mas sair para quê? Teve um tal de Pelé que nunca saiu do Brasil, a não ser depois de se despedir. Teve um tal de Garrincha que só foi para a Europa veterano. O Tostão nunca saiu do País. O Zico só saiu veterano também. Outras gerações é que saíram com sucesso. Como o Kaká, o Falcão, o Oscar... e o próprio Careca, que arrebentou com o Maradona.... Depois teve ainda Ronaldo, Romário, Ronaldinho. Digo que o Romário, com a estatura dele, foi gênio. O Neymar tem sorte porque chega em um momento sem ter comparação com outros.


ESTADÃO - Mas o Neymar é craque no Brasil...

PELÉ - Não estamos falando da comparação de jogadores, mas no ano passado e no outro, os melhores jogadores do futebol brasileiro foram estrangeiros. Um ano foi o Conca e o outro o Montillo. Não é complicado isso: dois anos ter jogadores estrangeiros como os melhores do Brasil? Então, estamos nivelando por baixo. Isso é perigoso. O Neymar e o Zico são os mais habilidosos que apareceram nos últimos anos.


ESTADÃO - O torcedor deve pensar que o Brasil é favorito para a Copa?

PELÉ - O Brasil é favorito para a Copa sem dúvida. Sempre é. Mas não pode entrar nessa euforia. Achar que já ganhou, entende.


ESTADÃO - Você pretende ajudar a seleção de alguma forma?

PELÉ - Não pretendo ser da comissão técnica, um auxiliar ou um coordenador. Mas tudo que eu puder fazer para ajudar, eu farei, com todo prazer. Ajudo, mas sem assumir a responsabilidade da conquista, do título. Mesa-redonda, bate-papo, tudo isso eu faço com prazer. Nessas últimas vezes em que estive com o elenco, foi sem sentido porque não tinha uma base. Tinha jogador que só ia num jogo e nunca mais voltava. Para fazer uma palestra, tem de ter um time. Não adianta você fazer uma palestra para um grupo e chegar na Copa com outro.


ESTADÃO - E quando você retoma a sua vida normal?

PELÉ - Eu queria retomar semana que vem. Mas a verdade é que devo voltar em três meses. Para bater um futevôlei ainda não dá. Mas esse prazo que me dão é tudo papo-furado, Na outra vez falaram que ficaria três meses fora e eu voltei depois de um mês. Tinha de ter o andador e a muleta, e já passei para a bengala. Daqui a pouco passo para o campo (risos). Já estou trabalhando na bicicleta aqui em casa, com a Flávia. Montei uma sala de fisioterapia aqui... Faço agora fisioterapia quatro vezes por semana. A Flavia vem de São Paulo. No terceiro mês de recuperação, serão três vezes por semana. Bicicleta para mim já é canja. Eu sofro na mão de minha filha, essa é a verdade. 

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