Luiz Antônio Prósperi e Robson Morelli - O Estado
de S. Paulo
fotos.estadao.com.br |
A simplicidade com que
relata os três meses de reclusão lembra a facilidade com que derrubava seus
marcadores. Aos 72 anos, Pelé estava abatido, mas confiante. Sorria e se
emocionava com suas próprias palavras. Falou de tudo, da sua longa recuperação,
que ainda não acabou, da seleção brasileira de Mano Menezes e agora de Felipão,
de Neymar que parece um jogador comum no time nacional e da Copa de 2014.
Revelou também que o filho Joshua, de 16 anos, vai morar com ele no Brasil para
jogar no Sub-16 do Santos. E foi falando... Pelé parece sem limites.
Na sala de troféus, ele vai mostrando peça por peça de sua
coleção, como a réplica da taça Jules Rimet e o lendário chapéu mexicano
colocado em sua cabeça após a conquista da Copa do Mundo de 1970. É uma volta
ao passado, ao passado em que Pelé reinava absoluto pelos gramados.
ESTADÃO - Quando você deixou o hospital de cadeira
de rodas e chorou, ano passado, muita gente ficou preocupada com seu estado de
saúde. A gente nunca tinha visto o Pelé daquela forma...
PELÉ - Eu cheguei
arrasado naquela saída do hospital porque me emocionei. Antes, vi muitas
pessoas de cadeiras de rodas e alguns mutilados até. Todos me deram força e
aquilo mexeu comigo. Fiquei um mês e meio sem fazer praticamente nada no
hospital. Fiquei deitado o tempo todo. Estou nessa faz três meses. Faço o
trabalho de fisioterapia com a minha filha, a Flávia, que é fisioterapeuta em
São Paulo. E graças a Deus eu já pulei etapas nesse processo de recuperação.
Era para passar pelo andador que eu chamo de ‘quatro patas’, depois para as
muletas e das muletas para a bengala. Fui direto para a bengala. Deus me deu
uma boa recuperação. Me sinto bem. De vez em quanto, tomo uma Novalgina porque
não posso ter impacto na perna.
ESTADÃO - É que você sumiu e todos ficaram
preocupado com sua saúde.
PELÉ - Estou bem. Fiz
algumas aparições também, teve a conversa com o Federer e o Blatter, com
repercussão internacional. Estive no Santos, de bengala, mas estive. Teve ainda
um comercial que fiz com o Neymar para o sócio-torcedor do Santos. Nós também
íamos inaugurar no Maracanã um busto do Pelé, mas atrasou e quando ficar pronto
vou sem bengala.
ESTADÃO - E o que você fez nesse tempo todo preso à
cama?
PELÉ - Nesse tempo de
recuperação vi muito futebol e parei para compor minhas músicas. Eu sou
compositor. O futebol era só um bico (risos). Li livros e revi alguns
documentos, contratos de novos parceiros, da empresa para a qual repassei a
minha marca, a Legends10. Vou diminuir um pouco as viagens, o ritmo, mas depois
retomo normalmente. Nesse tempo parado, ainda atendi ao Roger Federer (tenista)
no hospital e ao presidente da Fifa, Joseph Blatter. No caso do Federer foi um
contrato mesmo, era uma publicidade que tínhamos de fazer juntos. Também fiz
umas 10 músicas e uma delas para ser tema da Copa do Mundo. Estou falando com o
Edson, da dupla Edson e Hudson, para tentar gravar... Mas ainda não está
pronta... só tem a base da letra.
ESTADÃO - Você viu muito futebol então...
PELÉ - Assisti a quase
todos os jogos pela televisão. Fiquei preocupado com a seleção brasileira.
Tivemos três anos com o Mano Menezes e não aproveitamos nada desses três anos.
Para quem sabe que futebol é conjunto, não aproveitamos nada. Digo que não é só
culpa do Mano. Mas nesses três anos, não tivemos nenhum projetinho de time.
Felipão e Parreira já fizeram uma mudança quase radical na equipe. As
experiências devem ser feitas com jogadores novos. Os experientes, como
Ronaldinho, já sabemos como jogam e que vão jogar um tempo ou outro. Escolher
Felipão e Parreira para o cargo foi bom. O Parreira é de confiança e o Felipe
tem essa postura de ser sério. Isso é bom. Agora, vamos fazer um time.
ESTADÃO - E ficou com sua família também...
PELÉ - Por coincidência,
o meu filho Joshua, que fez 16 anos e estava jogando em Orlando, nos Estados
Unidos, onde mora com a mãe, a Assíria, pediu para voltar. O Joshua vem e vai
estudar aqui. Vai também jogar no Sub-16 do Santos. Pena que a Celeste ficou.
Eles são gêmeos, todos sabem. Mas disse a ela que vamos esperar o Joshua se
acostumar de novo aqui no Brasil... e se der certo, a Celeste vem mais pra
frente. A mãe falou que eu queria dilacerar a família (risos).
ESTADÃO - E como você está acompanhando as obras da
Copa no Brasil?
PELÉ - A presidente Dilma
me chamou para apagar a fogueira dos estádios, mas quem foi ganhar uma graninha
foi o Ronaldo. A presidente me pediu para repensar e continuar no projeto da
Copa do Mundo. Para a Copa das Confederações, Copa do Mundo e Olimpíada, serão
praticamente oito anos de trabalho. Eu falei que vou repensar a minha função.
Quero ver que tipo de trabalho farei. Ficar recepcionando delegações seria
puxado demais para mim. Falei com o Platini e ele disse que era puxado. Depois
da recuperação, vou me sentar com a presidente Dilma e rever que tipo de
trabalho farei. Diplomacia, tudo bem... Mas ter a obrigação de receber
delegações em aeroportos, não dá para fazer.
ESTADÃO - E o que você está achando das obras?
PELÉ - Embora saibamos
que os estádios ficarão prontos, mesmo com algumas deficiências, e nós vimos o
que aconteceu em Porto Alegre (no estádio do Grêmio, onde as grades caíram e
algumas pessoas se machucaram), o que preocupa é a segurança e a infraestrutura
dos aeroportos, de falta de voos e de comunicação, que não é boa. Mesmo em São
Paulo, no estádio do Corinthians, vai ter problemas de acesso. Pelo que a gente
está vendo, não vai dar tempo para terminar tudo o que foi pensado. Agora, no
que diz respeito à disputa dos jogos, isso vai bem. O Brasil vai ter uma boa
equipe também. Tem até essa preocupação porque em 1950 era o time favorito e
acabou perdendo. A preocupação é que isso não se repita.
ESTADÃO - Você confia nessa seleção?
PELÉ - Não acho que o
Brasil tenha jogado mal contra a Inglaterra. O time não tem uma estrutura, um
conjunto. Estamos jogando em cima dos nomes, das estrelas. O Neymar, por
exemplo, toda vez que chega na seleção vira um jogador comum. Nós temos uma boa
experiência que foi em 1970. O João Saldanha chegou para ser o técnico
interino, quebra galho. Como estava difícil montar um time, ele pegou o Santos
e o Botafogo e fez a base, depois ele pegou o Tostão, o Rivellino... Isso foi o
grande sucesso do time. E se nós não temos os jogadores de qualidade daquela
época, temos de ter uma equipe organizada. O Corinthians foi campeão sem ter
uma grande estrela. Está certo que em 1970 tínhamos quatro ou cinco excelentes
jogadores. Mas falaram que todos nós não poderíamos jogar juntos. O Saldanha fez
essa loucura e acertou a equipe.
ESTADÃO - Você disse que o Neymar é um jogador
comum na seleção?
PELÉ - Não é isso o que
esperamos do Neymar, principalmente nós do Santos. Temos uma confiança danada
nele. Mas ele é um jogador comum na seleção. Tudo é visando o Neymar. Ele é um
jogador sem experiência internacional. É um excelente jogador, mas sem
experiência lá fora. Em todos os jogos fora do País ele não vai bem. Todos
acham que ele tem de resolver os problemas da seleção. Neymar não está
preparado para receber esse peso. Não vai dar para ele. Neymar não está
preparado para isso. Ele não joga no exterior, o futebol europeu é diferente do
futebol latino. Nós do Santos falamos que ele é o melhor do mundo, claro. Mas
ele já se preocupa mais em aparecer na mídia do que em jogar para o time. O
Neymar tem muita responsabilidade. E sua preocupação é mudar o estilo, mudar o
corte de cabelo. O Edinho, meu filho, que está na comissão do Santos, faz os
treinos do time. Ele não dá falta nos treinos e o Neymar fica bravo. Ele está
viciado nas faltas.
ESTADÃO - Ocorre que ele também está mal no
Santos...
PELÉ - O Santos está
perdendo com ele em campo. E chato eu falar isso, mas cobrei o Muricy. É uma
coisa boba, mas a gente que é do futebol percebe. Todas as faltas, escanteios,
pênaltis é com o Neymar. Cada falta que ele bate, fica fora do jogo 1 minuto.
Ele tem de ficar na cabeça da área para pegar a bola, dar um drible, usar a
habilidade. Ele cruza, corre lá depois e perde tempo. Quem não está atento, não
vê isso. Mas ele fica fora de jogo um monte de vezes. São detalhes que
influenciam. Antes da cirurgia eu falei com o Muricy. Mas a responsabilidade do
Muricy é grande. E é difícil bater de frente com o Neymar. O Neymar tem de
largar mais a bola, jogar para o time.
ESTADÃO - Ele já tem idade para ir embora, jogar na
Europa?
PELÉ - O problema não é a
idade para ir embora. O problema é ter a condição de chegar lá fora e jogar.
Principalmente para onde ele for. O jogo é mais duro na Inglaterra, Itália,
Alemanha. Os juízes estão acostumados a deixar o jogo seguir. O Barcelona seria
o ideal para ele. O Santos precisa dele e por isso acho que ele não deve sair,
mas se sair deve ir para o Barcelona. Mas sair para quê? Teve um tal de Pelé
que nunca saiu do Brasil, a não ser depois de se despedir. Teve um tal de
Garrincha que só foi para a Europa veterano. O Tostão nunca saiu do País. O
Zico só saiu veterano também. Outras gerações é que saíram com sucesso. Como o
Kaká, o Falcão, o Oscar... e o próprio Careca, que arrebentou com o
Maradona.... Depois teve ainda Ronaldo, Romário, Ronaldinho. Digo que o
Romário, com a estatura dele, foi gênio. O Neymar tem sorte porque chega em um
momento sem ter comparação com outros.
ESTADÃO - Mas o Neymar é craque no Brasil...
PELÉ - Não estamos
falando da comparação de jogadores, mas no ano passado e no outro, os melhores
jogadores do futebol brasileiro foram estrangeiros. Um ano foi o Conca e o
outro o Montillo. Não é complicado isso: dois anos ter jogadores estrangeiros
como os melhores do Brasil? Então, estamos nivelando por baixo. Isso é
perigoso. O Neymar e o Zico são os mais habilidosos que apareceram nos últimos
anos.
ESTADÃO - O torcedor deve pensar que o Brasil é
favorito para a Copa?
PELÉ - O Brasil é
favorito para a Copa sem dúvida. Sempre é. Mas não pode entrar nessa euforia.
Achar que já ganhou, entende.
ESTADÃO - Você pretende ajudar a seleção de alguma
forma?
PELÉ - Não pretendo ser
da comissão técnica, um auxiliar ou um coordenador. Mas tudo que eu puder fazer
para ajudar, eu farei, com todo prazer. Ajudo, mas sem assumir a
responsabilidade da conquista, do título. Mesa-redonda, bate-papo, tudo isso eu
faço com prazer. Nessas últimas vezes em que estive com o elenco, foi sem
sentido porque não tinha uma base. Tinha jogador que só ia num jogo e nunca
mais voltava. Para fazer uma palestra, tem de ter um time. Não adianta você
fazer uma palestra para um grupo e chegar na Copa com outro.
ESTADÃO - E quando você retoma a sua vida normal?
PELÉ - Eu queria retomar
semana que vem. Mas a verdade é que devo voltar em três meses. Para bater um
futevôlei ainda não dá. Mas esse prazo que me dão é tudo papo-furado, Na outra
vez falaram que ficaria três meses fora e eu voltei depois de um mês. Tinha de
ter o andador e a muleta, e já passei para a bengala. Daqui a pouco passo para
o campo (risos). Já estou trabalhando na bicicleta aqui em casa, com a Flávia.
Montei uma sala de fisioterapia aqui... Faço agora fisioterapia quatro vezes
por semana. A Flavia vem de São Paulo. No terceiro mês de recuperação, serão
três vezes por semana. Bicicleta para mim já é canja. Eu sofro na mão de minha
filha, essa é a verdade.
Nenhum comentário:
Postar um comentário