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- Por Míriam Leitão
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O
ex-presidente José Sarney me enviou carta com dois anexos. Num deles, uma
correspondência de Juscelino a ele; no outro, uma defesa que fez do jornal
“Estado de S.Paulo”, em 1973. Negou ser autor dos atos secretos do Senado.
“Jogaram no meu colo os atos secretos.” Enviou estatística: 196 dos atos são de
Renan Calheiros, e só 16, dele, Sarney. Quis responder à crítica ao seu apoio à
ditadura. Missão difícil.
Para situar
o leitor, a carta é uma reação à coluna em que comento a triste legislatura que
começa agora e me refiro ao discurso de despedida do senador José Sarney em
dois pontos: sua afirmação de que é pioneiro em transparência, apesar do
escândalo dos atos secretos, e de que jamais feriu ninguém, nem com um espinho,
apesar de ter apoiado um regime que usou mais que espinhos para ferir
adversários.
Muitos que
apoiaram o golpe de 1964 mudaram de ideia diante do endurecimento do regime.
Mas não Sarney. Ele esteve ao lado dos militares até junho de 1984. Faltou-lhes
apenas nos últimos nove meses. É difícil negar fatos tão consistentes no tempo.
Sarney foi da Arena enquanto ela existiu e presidiu o partido que a sucedeu.
Quando se afastou, no ocaso do regime, não foi por discordar dos seus
princípios. Foram as circunstâncias da disputa presidencial da época.
Ele exibe
como prova de que era um defensor da liberdade de imprensa um pronunciamento
feito em 1973 de repulsa a um ataque que o “Estadão” recebeu do então
governador paulista. “Chegaram os tempos em que a liberdade de imprensa passou
a ser fundamental para a democracia, de tal modo que hoje ela não é mais uma
aspiração liberal; é um direito do homem como o é a saúde.” Belas palavras.
Pena que não tenha defendido o mesmo “Estado de S. Paulo” da sistemática
censura prévia que sofreu por anos. Ou mesmo, em tempos mais presentes, da
censura judicial que hoje o jornal sofre para não publicar informações que se
referem à pessoa da família do senador. Um discurso de 1973 não há de preencher
tão vasto silêncio.
Sarney é
figura ambivalente. Foi também o primeiro presidente civil pela fatalidade da
morte de Tancredo Neves. A Aliança que fez com Tancredo não apaga seu passado
de servilismo ao regime militar, mas ele demonstrou temperança em momento de
delicada transição. É homem que teve a chance, que raramente têm as pessoas
públicas, de mudar a própria biografia. Mas a desperdiçou, em parte, ao
permanecer tão colado ao poder, quanto ficou nos últimos anos, com tantos e tão
controversos atos.
Sobre os
atos secretos, Sarney diz: “Jogaram no meu colo os atos chamados secretos. Pois
bem eles foram apropriação estelionatária, pois publicada como descoberta de um
repórter, foi fruto da Fundação Getúlio Vargas, que, contratada por mim,
constatou que alguns atos de administrações anteriores não tinham entrado na
rede da Intranet do Senado.”
Segundo
Sarney, o inquérito feito na época da denúncia encontrou 952 atos secretos: de
Antônio Carlos Magalhães, 584; Garibaldi Alves, 204; Renan Calheiros, 196;
Ramez Tebet, 34; Tião Viana, 16; José Sarney, 16; Edison Lobão, 2.
Na carta
que enviou a Sarney, em 1972, o ex-presidente Juscelino Kubitschek elogia o
então governador do Maranhão que, em 12 de dezembro de 1968 (véspera do AI-5),
fez um discurso em homenagem ao ex-presidente cassado. E o chama de “jovem,
inteligente, corajoso e digno”, além de dizer que leu de um fôlego o livro
“Norte das águas”.
JK foi uma
grande e delicada figura pública, é o que a carta do ex-presidente Juscelino ao
então governador do Maranhão comprova.
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