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Clara Nunes nos deixou há exatos
30 anos, mas sua música ainda se faz ecoar nos quatro cantos do Brasil. A
"Cantora Guerreira", como também era conhecida, representa um legado
musical que conseguiu revelar e ainda transcender o ritmo genuinamente
brasileiro. A mineira de Paraopeba exaltou o samba e, sem tabus, cultuou as
raízes africanas, tanto na música quanto na religião.
Sua morte aconteceu em 2 de abril
de 1983 - um mês após sofrer um choque anafilático durante uma cirurgia de
varizes - e deixou milhares de fãs desconsolados. Tal como foi a comoção
provocada pelo falecimento de Elis Regina um ano antes, a despedida de Clara
Nunes gerou uma mobilização nacional.
Antes do disco Clara Nunes, que a
projetou no cenário musical brasileiro, a cantora se restringia a interpretar
boleros e músicas românticas com tímidos arranjos. Foi apenas em 1971, ano de
lançamento do LP homônimo, que a canção “Ê baiana” caiu nas graças do público.
A partir de então, a intérprete mineira passou também a ter ares de baiana,
assim como Carmen Miranda.
Em meados dos anos 70, as
sambistas Alcione, Beth Carvalho e Clara Nunes ficaram conhecidas como o “ABC
do Samba”. Mas Clara se sobressaiu, ainda que em rivalidade com Beth. Na mesma
década, gravou Cartola ("Alvorada no Morro"), Paulinho da Viola
("Coração Leviano"), Dorival Caymmi ("É Doce Morrer no Mar”),
Toquinho (“Samba Da Volta”), Nelson Cavaquinho ("Juízo Final"), Chico
Buarque ("Morena de Angola") e canções de outros compositores que,
unidas a sua energia e performance de palco, renderam popularidade à
intérprete.
Outro fator considerável na
trajetória de Clara se deve à introdução de temáticas afrorreligiosas em seus
discos. “A Deusa dos Orixás”, “Ijexa”, “Filhos de Ghandi” e “Guerreiro de
Oxalá” são algumas das músicas que marcam a aceitação do tema ainda polêmico à
época.
Clara não demonstrava preocupação
perante a opinião pública no que diz respeito a sua religiosidade. Iniciada no
candomblé, ainda no Rio de Janeiro, a cantora veio ao Recife e foi banhada no
rio Capibaribe em ritual onde teria sido consagrada a Oxum, como filha das
águas.
Encontro de Clara Nunes com Pai Edu.
Foto: Acervo do Palácio
de Iemanjá
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A mãe-de-santo Rosa Maria conta
que foi no Alto da Sé, em Olinda, mais precisamente no terreiro do Pai Edu - ou
ainda Palácio de Yemanjá - onde Clara Nunes pediu ao Babalorixá para que
jogasse seus búzios. “Pai Edu jogou os búzios para ela, que na época enfrentava
problemas na carreira. Os búzios a mostraram como filha de Oxum e Xangô, por
isso Clara Nunes fez todo o ritual no rio Capibaribe, em uma lavagem de cabeça
chamada manaci”, explicou.
Juliana Barbosa, filha do
babalorixá falecido em 2011, conta ainda que Clara ficou hospedada no terreiro
durante uma semana de resguardo espiritual. Em 1973, no segundo LP Clara Nunes,
a canção “Homenagem a Olinda, Recife e Pai Edu” traz a interpretação de uma
ciranda.
Há controvérsias acerca de seu
orixá, já que na canção “Guerreira” a intérprete se identificava como filha de
Ogum e Iansã. Ainda assim, as declarações sobre os rituais, restrições
alimentícias, cores de roupa, “mudanças de santo” e outras afirmações sobre sua
religião associou a imagem da artista à uma ligação forte com a umbanda e o
candomblé.
O tabu ainda veio à tona após a
morte de Clara. Diversas especulações da imprensa e dos fãs atribuíram à
religião a causa de sua morte. Pai Edu afirmou em uma entrevista à revista
Amiga, na edição de 20 de abril 1983, que alertara a cantora sobre o “o risco
que ela estava correndo”, já que os filhos-de-santo costumam se resguardar de
cirurgias no período pascal e sobre a ausência de Clara no Palácio de Yemanjá.
Especulações à parte, a morte de Clara
Nunes deixou para a música brasileira um imenso legado, além de uma lacuna que
jamais será preenchida. Antes de tudo, a sambista se dedicou a raiz brasileira
chegando a gravar também choros, forrós e baiões, estes últimos reflexos de sua
admiração por Luiz Gonzaga. Nos 30 anos que sucederam seu falecimento, nenhuma
voz se igualou a sua: vibrante, enérgica e cheia de fé.
Do Folha PE
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