Em "O garoto", Chaplin mistura ficção com a realidade da infância pobre que viveu. Foto: Arquivo/United Artists |
De origem humilde, o ator,
diretor e roteirista respondeu com a comédia ao drama da infância
Em uma das cenas mais clássicas
do filme O grande ditador, o tirano Hynkel brinca com um globo terrestre
inflável, jogando-o para cima. Na vida real, é possível traçar semelhanças
entre o personagem e o ator. Charles Chaplin também brincou com o mundo,
provocando lideranças mundiais em plena 2ª Guerra Mundial. Ousado, revolucionou
a sétima arte e marcou o século 20 como um dos principais gênios do cinema.
A estreia nas telonas, há exatos
100 anos, com o título Making a living, foi apenas o começo de uma trajetória
única. Após ser descoberto pelo cineasta Mack Sennett quando fazia parte de uma
companhia de teatro, Chaplin chegava a produzir mais de 30 filmes por ano. A
essência dele era uma só: o humor. A crítica à sociedade era um de seus pontos
fortes, que inclusive o levaram ao exílio. Ator, diretor e roteirista, Chaplin
não se adequava ao gosto do público para conseguir audiência. Ele usava as
próprias ideias e induzia os telespectadores a refletir sobre as críticas
veladas (ou nem tão veladas) dos filmes.
O personagem Hynkel brinca com o
globo terrestre, na crítica aos regimes autoritários de "O grande
ditador". Foto: Arquivo/United Artists
Abordando temas que até hoje são
atuais, deixou uma herança que o biógrafo e autor de Chaplin: uma biografia
definitiva, David Robinson, em entrevista exclusiva, resumiu bem: “O maior
legado é ele mesmo, a figura que ele criou e que, 100 anos depois, continua nos
divertindo.
Além de, claro, os seus filmes, que ainda hoje podem ser exibidos
para todos os públicos”. Para Everton Sanches, autor do livro Charles Chaplin:
confrontos e intersecções com seu tempo, a atualidade dos temas abordados é
mantida por causa do conteúdo: “São partes da vida humana que permanecem
inconclusas. As perguntas de Chaplin ainda estão sem respostas”, destaca.
Tombos e chutes
O principal personagem da
carreira, o vagabundo, conhecido no Brasil como Carlitos, nasceu de um
improviso: Chaplin entrou no estúdio e recolheu objetos aleatórios. Com a calça
folgada, o paletó surrado e apertado, o chapéu coco e os sapatos maiores do que
os pés, ele criou um mito harmonioso. “Querendo parecer mais velho (tinha
apenas 25 anos à época), inventou o bigode. Disse que, assim que vestiu as
roupas, impôs o personagem para si”, conta Robinson. O jeito atrapalhado se
tornou característico: tombos e os famosos “chutes no traseiro” davam
personalidade a um personagem cômico, mas cheio de ternura.
O cineasta critica os maus tratos
aos trabalhadores da Revolução Industrial em "Tempos modernos". Foto:
Arquivo/United Artists
Multiartista
Chaplin, no começo, era apenas
ator, mas não suportou ser comandado durante muito tempo. Montou a própria
produtora e passou a escrever, produzir, dirigir e protagonizar os filmes que
fazia.
Um dos seus grandes dilemas foi se adaptar ao cinema falado. “Os filmes
mudos dele renderam a maior audiência já registrada. Ele conquistou isso com a
linguagem universal — a mímica. Claro que, se ele adotasse um idioma, o público
diminuiria. Ninguém sabia como seria a voz do vagabundo e, conhecido como era,
iria destruir ilusões sobre o personagem”, afirma Robinson.
O clássico O grande
ditador, de 1941, foi a rendição de Chaplin ao cinema falado — uma nova fase.
Dando vida ao tirano Hynkel, ele não apenas falou, mas com uma sutileza ácida,
ironizou os regimes ditatoriais de Adolf Hitler e Benito Mussolini. Usando a
comédia, criticou líderes temidos no mundo inteiro.
Cotidiano inspirador
Experiências da própria vida
marcaram várias obras de Chaplin. Em uma das mais famosas, O garoto (1921),
adota um menino abandonado pela mãe. Eles se tornam a dupla perfeita e o
pequeno o ajuda a tramar planos para conseguir dinheiro.
A história lembra a de
Chaplin, já que ele morou em orfanatos públicos, após o pai morrer e a mãe ser
internada em um hospício. Filho da Revolução Industrial, Chaplin não poderia
passar batido pelo tema. Em Tempos modernos (1936), o último filme mudo da
carreira, Carlitos tem um colapso nervoso ao trabalhar de uma forma escrava.
Chaplin explicita o lado crítico e ressalta os maus tratos aos empregados e a
substituição do homem pela máquina.
Contra Hollywood
Apesar de ter feito parte da
indústria de Hollywood, Chaplin é, para alguns críticos de cinema, um
contraponto à produção atual do polo estadunidense. Tanto na forma de fazer
quanto no conteúdo. “Hoje, Hollywood menospreza a inteligência do público, tem
medo de apostar em novas fórmulas e de perder dinheiro”, avalia Celso Sabadin.
Para o especialista, já não há mais ousadia. O que não quer dizer que a arte do
gênio inglês não seja valorizada: “Outro dia, vi trechinhos de filmes dele na
televisão do metrô, e as pessoas continuavam rindo, 100 anos depois”, finaliza.
Correio Braziliense
Nenhum comentário:
Postar um comentário