segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Charles Chaplin completa 100 anos de estreia nos cinemas

Em "O garoto", Chaplin mistura ficção com a realidade da infância pobre que viveu.
Foto: Arquivo/United Artists
De origem humilde, o ator, diretor e roteirista respondeu com a comédia ao drama da infância

Em uma das cenas mais clássicas do filme O grande ditador, o tirano Hynkel brinca com um globo terrestre inflável, jogando-o para cima. Na vida real, é possível traçar semelhanças entre o personagem e o ator. Charles Chaplin também brincou com o mundo, provocando lideranças mundiais em plena 2ª Guerra Mundial. Ousado, revolucionou a sétima arte e marcou o século 20 como um dos principais gênios do cinema.

A estreia nas telonas, há exatos 100 anos, com o título Making a living, foi apenas o começo de uma trajetória única. Após ser descoberto pelo cineasta Mack Sennett quando fazia parte de uma companhia de teatro, Chaplin chegava a produzir mais de 30 filmes por ano. A essência dele era uma só: o humor. A crítica à sociedade era um de seus pontos fortes, que inclusive o levaram ao exílio. Ator, diretor e roteirista, Chaplin não se adequava ao gosto do público para conseguir audiência. Ele usava as próprias ideias e induzia os telespectadores a refletir sobre as críticas veladas (ou nem tão veladas) dos filmes.

O personagem Hynkel brinca com o globo terrestre, na crítica aos regimes autoritários de "O grande ditador". Foto: Arquivo/United Artists

Abordando temas que até hoje são atuais, deixou uma herança que o biógrafo e autor de Chaplin: uma biografia definitiva, David Robinson, em entrevista exclusiva, resumiu bem: “O maior legado é ele mesmo, a figura que ele criou e que, 100 anos depois, continua nos divertindo. 

Além de, claro, os seus filmes, que ainda hoje podem ser exibidos para todos os públicos”. Para Everton Sanches, autor do livro Charles Chaplin: confrontos e intersecções com seu tempo, a atualidade dos temas abordados é mantida por causa do conteúdo: “São partes da vida humana que permanecem inconclusas. As perguntas de Chaplin ainda estão sem respostas”, destaca.

Tombos e chutes

O principal personagem da carreira, o vagabundo, conhecido no Brasil como Carlitos, nasceu de um improviso: Chaplin entrou no estúdio e recolheu objetos aleatórios. Com a calça folgada, o paletó surrado e apertado, o chapéu coco e os sapatos maiores do que os pés, ele criou um mito harmonioso. “Querendo parecer mais velho (tinha apenas 25 anos à época), inventou o bigode. Disse que, assim que vestiu as roupas, impôs o personagem para si”, conta Robinson. O jeito atrapalhado se tornou característico: tombos e os famosos “chutes no traseiro” davam personalidade a um personagem cômico, mas cheio de ternura.

O cineasta critica os maus tratos aos trabalhadores da Revolução Industrial em "Tempos modernos". Foto: Arquivo/United Artists

Multiartista

Chaplin, no começo, era apenas ator, mas não suportou ser comandado durante muito tempo. Montou a própria produtora e passou a escrever, produzir, dirigir e protagonizar os filmes que fazia. 

Um dos seus grandes dilemas foi se adaptar ao cinema falado. “Os filmes mudos dele renderam a maior audiência já registrada. Ele conquistou isso com a linguagem universal — a mímica. Claro que, se ele adotasse um idioma, o público diminuiria. Ninguém sabia como seria a voz do vagabundo e, conhecido como era, iria destruir ilusões sobre o personagem”, afirma Robinson. 

O clássico O grande ditador, de 1941, foi a rendição de Chaplin ao cinema falado — uma nova fase. Dando vida ao tirano Hynkel, ele não apenas falou, mas com uma sutileza ácida, ironizou os regimes ditatoriais de Adolf Hitler e Benito Mussolini. Usando a comédia, criticou líderes temidos no mundo inteiro.

Cotidiano inspirador

Experiências da própria vida marcaram várias obras de Chaplin. Em uma das mais famosas, O garoto (1921), adota um menino abandonado pela mãe. Eles se tornam a dupla perfeita e o pequeno o ajuda a tramar planos para conseguir dinheiro. 

A história lembra a de Chaplin, já que ele morou em orfanatos públicos, após o pai morrer e a mãe ser internada em um hospício. Filho da Revolução Industrial, Chaplin não poderia passar batido pelo tema. Em Tempos modernos (1936), o último filme mudo da carreira, Carlitos tem um colapso nervoso ao trabalhar de uma forma escrava. Chaplin explicita o lado crítico e ressalta os maus tratos aos empregados e a substituição do homem pela máquina.

Contra Hollywood

Apesar de ter feito parte da indústria de Hollywood, Chaplin é, para alguns críticos de cinema, um contraponto à produção atual do polo estadunidense. Tanto na forma de fazer quanto no conteúdo. “Hoje, Hollywood menospreza a inteligência do público, tem medo de apostar em novas fórmulas e de perder dinheiro”, avalia Celso Sabadin. 

Para o especialista, já não há mais ousadia. O que não quer dizer que a arte do gênio inglês não seja valorizada: “Outro dia, vi trechinhos de filmes dele na televisão do metrô, e as pessoas continuavam rindo, 100 anos depois”, finaliza.

Correio Braziliense

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