O compositor Ary Barroso. MIS/Divulgação |
Com exposições e lançamentos de discos, família do
compositor trabalha para dar uma projeção maior ao seu legado a partir deste
ano
“Quero deixar às
futuras gerações alguma coisa que o tempo não destrua. Muita gente, daqui a
muitos anos, quem sabe, vai ouvir falar no compositor popular Ary Barroso.
Se o
meu objetivo for colimado, então estarei perfeitamente tranquilo e compensado”.
Ary Barroso disse essas palavras em 1956, na introdução do álbum de dez
polegadas Encontro com Ary.
Morto há exatos 50 anos, em pleno domingo de
carnaval, o compositor que também se desdobrou como pianista, locutor esportivo
e animador de rádio teve realizado o desejo de ver sua obra perpetuada. Seus
clássicos continuam a ser regravados, especialmente por artistas que beberam na
fonte da bossa nova, e o box Ary Barroso – Brasil Brasileiro, incluindo os
primeiros registros de suas músicas, chegou ao mercado no fim do ano passado.
E não deve parar por aí. A família do compositor trabalha
para dar uma projeção maior ao seu legado a partir deste ano. O neto Márcio
Barroso pretende estabelecer parcerias com museus para exposição de fotos,
partituras, discos e troféus. O piano de Ary já tem destino certo: o novo Museu
da Imagem e do Som do Rio. “Não adianta nada eu guardar esse material comigo.
Quero que o povo saiba quem meu avô foi e por que ele continua sendo
importante”, conta Márcio.
Por intermédio da editora Aquarela do Brasil, ele detém os
direitos autorais de 200 músicas do avô. Márcio recorreu à Justiça para obter
os direitos de composições administradas pela Mangione e Irmãos Vitale. Também
requisitou os masters dos quatro álbuns de Ary, lançados nos anos 1950, para
relançar por conta própria. “É um processo difícil e a burocracia é muito
grande. Mas a intenção da família é ver os registros fonográficos do meu avô
saindo dos porões das gravadoras”, afirma. Os discos foram lançados pelos selos
Copacabana e Odeon, hoje extintos. O acervo de ambos pertence à Universal
Music.
História. Nascido em 1903 na cidade de Ubá, Minas Gerais,
Ary Evangelista de Resende Barroso aprendeu piano na infância. Na década de 20,
foi para o Rio cursar direito, trabalhando como pianista. Em 1928, Mário Reis
grava uma música sua, Vou à Penha. A partir dos anos 1930, cria clássicos como
No Tabuleiro da Baiana, Na Baixa do Sapateiro e Aquarela do Brasil, com o qual
obteve projeção internacional com a sua inclusão no longa-metragem animado Alô,
Amigos (1942), produzido por Walt Disney.
O pesquisador Omar Jubran, que produziu Brasil Brasileiro,
afirma que Ary se consagrou como um dos grandes compositores brasileiros por
ser um inovador. “Ary, junto com Noel Rosa e Lamartine Babo, encheram a música
brasileira de alegria quando ela era só fossa, descontando o período
carnavalesco. E ele soube dar graça ao que fazia, de uma maneira muito
particular.” Entre os trunfos ressaltados por Jubran, estão a linguagem
rebuscada, porém de fácil aceitação popular, e a qualidade das melodias.
Já Rodrigo Faour, autor de História Sexual da MPB (Ed.
Record), livro no qual disseca as transformações do amor e do sexo nas letras
do cancioneiro nacional a partir do início do século 20, assinala que Ary era
diferente de seus contemporâneos. “Na década de 30, o machismo era uma tônica
na canção popular. O Noel, por exemplo, diz em Mulher Indigesta que a moça
merecia um tijolo na testa. O Ary, no início da carreira, fez Dá Nela (É
perigosa/ Fala mais que pata choca/ Dá nela), mas logo adotou um tom mais
elegante que permitiu que ele ultrapassasse modismos.”
A obra de Ary foi absorvida pela então nascente bossa nova,
movimento que inicialmente viu com desconfiança. Pode-se dizer que João
Gilberto uniu duas pontas, abrindo o seminal Chega de Saudade com a
faixa-título, de Tom Jobim e Vinicius de Moraes, e encerrando o álbum com É
Luxo Só, parceria de Ary com Luiz Peixoto. Vinicius chegou a colocar letra em
quatro de suas melodias, gravadas por Angela Maria no compacto duplo Ary e
Vinicius em 1962, um ano depois de adoecer da cirrose hepática que o mataria.
Na mesma noite em que Ary morreu, os Beatles atingiam o
ápice ao se apresentarem no Ed Sullivan Show. O compositor, conhecido por ser
ranzinza e nacionalista, possivelmente teria em relação à beatlemania o mesmo
estranhamento inicial com a bossa nova. Mas eis que, 46 anos depois, ao
anunciar shows no Brasil, Paul McCartney fez um vídeo e cantou Aquarela do
Brasil. Mesmo tachada de ufanista nos tempos do Estado Novo, a música
estabeleceu uma identidade nacional com a qual Ary está intimamente atrelado. E
isso até um Sir reconhece.
Agencia Estado
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