NASCE UM NOVO MITO - Os funerais do ex-governador Eduardo Campos,
ontem, com mais de 160 mil pessoas acompanhando a pé pelas ruas do Recife, só
podem ser comparados, em se tratando de comoção, a dois momentos da história
recente do Brasil: o suicídio de Getúlio Vargas, em 24 de agosto de 1954, e a
morte de Tancredo Neves, em 21 de abril de 1985, depois de mais de um mês de
agonia.
O que se viu em Pernambuco foi
uma consagração a um político de massas, como Vargas e Tancredo. Tudo é
resultado de um somatório: seu sucesso como gestor público, sua juventude, seu
carisma e simpatia, o perfil de pai dedicado aos cinco filhos, neto de um ícone
como Miguel Arraes.
Que este blogueiro recorde,
nestes 33 anos de jornalismo, fora da política comoção semelhante só foi vista
na morte de Ayrton Senna, ídolo de um esporte não muito popular. Senna era
arrojado, colecionava vitórias e títulos e morreu jovem, no auge da carreira.
Quando o corpo chegou da Itália, São Paulo parou para se despedir do ídolo.
A tragédia de Eduardo, que chocou
o Brasil, com repercussão internacional, comoveu homens, mulheres e crianças.
Desde o início da manhã de ontem, pernambucanos de vários lugares se
concentraram em frente ao Palácio das Princesas à espera do último adeus.
Alguns chegaram a dormir sentados
encostados na cerca montada pelo Governo para organizar a passagem pelos
caixões, ritual que começou pela madrugada e se estendeu até às 16 horas.
Os candidatos Dilma Rousseff,
Aécio Neves e Pastor Everaldo vieram se despedir de Eduardo Campos. O
ex-presidente Lula, de quem ele foi ministro, era um dos mais emocionados e, em
vários momentos, as câmeras o flagraram chorando. Em uma delas, com Miguel, o
caçula de Campos.
Pessoas enroladas a bandeiras do
Brasil, de Pernambuco, do Náutico – time de coração do ex-governador –
acompanharam com palmas o transporte da urna com os restos mortais do
ex-presidenciável da viatura do Corpo de Bombeiro até o local do velório.
Familiares, amigos, políticos,
correligionários também prestaram reverência. Marina Silva, vice de Eduardo na
chapa do PSB à Presidência, ficou alguns instantes ao lado do caixão (coberto
pelas bandeiras do Brasil, de Pernambuco e do PSB).
No velório e no cemitério, muita
gente, inclusive os filhos de Eduardo, usaram chapéus de palha, marca do
governo Arraes em Pernambuco. Pouco antes do sepultamento as pessoas entoaram o
grito de 'Eduardo, guerreiro, do povo brasileiro' e palavras de ordem do
Partido Socialista Brasileiro (PSB).
Artistas regionais, com os quais
Eduardo conviveu, como Alceu Valença, Maciel Melo e Petrúcio Amorim cantaram
chorando na despedida.O poeta Antônio Marinho, um dos símbolos das campanhas
históricas de Eduardo, declamou um poema feito especialmente para a ocasião.
Durante todo o percurso do caixão
levado num carro do Corpo de Bombeiros ao cemitério de Santo Amaro, as pessoas
jogaram flores, aplaudiram, gritaram 'Eduardo, guerreiro do povo brasileiro' e
cantaram o hino nacional.
Em frente ao túmulo, se
acomodaram em cadeiras para assistir à cerimônia Renata, os filhos, a mãe de Eduardo
Campos, a ministra do Tribunal de Contas da União Ana Arraes, o irmão Antônio
Campos, Marina Silva e outros familiares.
Mas o caixão foi rapidamente
sepultado, após o toque fúnebre de uma trombeta. Renata e os filhos se
despediram com beijos no caixão e aos gritos de 'Eduardo, guerreiro do povo
brasileiro'. Quando o caixão foi colocado no túmulo, fogos de artifício
começaram a estourar e a homenagem durou 20 minutos.
Só estadistas geram paixão
popular. O que é a paixão se não uma emoção gratuita. Não há causas que a
expliquem. Mas, quando acontece, ela age como uma artista: da paixão surgem
cenas de beleza. E foi isso que viu, ontem, no Recife, desde a chegada dos restos
mortais na Base Aérea ao sepultamento.
Ao acompanhar a multidão, também
andado a pé, pensei: Eduardo sonhou e fez o povo sonhar. Era esperançoso e
trouxe esperança. Todo conhecimento começa com o sonho. O sonho nada mais é que
a aventura pelo mar desconhecido, em busca da terra sonhada.
Mas sonhar é coisa que não se
ensina, brota das profundezas do corpo, como a alegria brota das profundezas da
terra. Como mestre dos sonhos e da esperança, Eduardo era daqueles que pensavam
assim: “Contem-me os seus sonhos para que sonhemos juntos.”
CHANCES ZERO – Bobagem as especulações de que o candidato a
governador pela Frente Popular, Paulo Câmara, seria trocado, conforme alguns
blogs e portais chegaram a noticiar. Quem entra numa dessa não sabe discernir
alhos de bugalhos: uma eventual rifada em Câmara, após uma tragédia de tamanha
dimensão, seria uma traição abominável ao pai da criatura, sepultado ontem.
VAI TOPAR?
Está recheada de uma grande expectativa a reunião que
Renata Campos convocou para hoje, às 10 horas, na Blue Angel. Ninguém sabe
ainda o seu pensamento em relação ao desejo de muitos aliados, de que aceite a
convocação para vice de Marina.
FILHOS, A MISSÃO – O governador João Lyra Neto rechaça qualquer
possibilidade de Renata vir a ser a vice, porque sua missão, segundo ele, é
cuidar dos cinco filhos que ficaram órfãos de pai. A contribuição que a viúva
dará, na visão do governador, está muito além, empunhando o legado de Eduardo
sem a necessidade de entrar em qualquer disputa.
RENATA SENADORA – De Salgueiro, onde acompanhou o sepultamento de
Eduardo pela televisão, com a mesma comoção dos sertanejos que se deslocaram
até ao Recife, o vereador Sargento Almir (PMDB) diz que teve um sonho: Fernando
Bezerra, candidato a senador, seria deslocado para a chapa presidencial como
vice de Marina. E a vaga ao Senado seria disputada por Renata Campos.
A VICE NATURAL – Já o prefeito de Caruaru, José Queiroz (PDT),
disse que irá à reunião de hoje com Renata para emitir uma opinião, que não
será partidária, já que o seu partido no plano nacional está com Dilma: a
indicação da viúva para vice de Marina. “Neste episódio dramático e chocante,
Renata deu demonstração de que é uma guerreira. O Brasil precisa dela neste
momento”, afirmou.
CURTAS
FORTALEZA – Em nenhum momento, desde a confirmação da tragédia,
quando disse que não estava em seu script até ontem, quando sepultou o marido
ao lado dos filhos, a viúva Renata Campos deixou ser vencida pelo abate. Foi,
como o Brasil inteiro testemunhou, uma guerreira.
RITUAL – O PSB reúne amanhã seus governadores em Brasília depois de
missa na Catedral pelo sufrágio da alma de Eduardo. Na quarta, o diretório
nacional bate o martelo pela candidatura de Marina e escolhe o vice. O mais
cotado é o gaúcho Beto Albuquerque.
PERGUNTAR NÃO OFENDE: A vida recomeça hoje?
'A justiça guarda ao que é de caminho certo, mas a impiedade
transtornará o pecador'. (Provérbios 13-6)
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