Edgar de Souza já ocupou a cadeira de vereador por três mandatos consecutivos (Foto: J. Serafim) |
O prefeito de Lins (SP), Edgar de
Souza (PSDB), foi o único candidato homossexual assumido a se eleger nas
eleições de 2012 em todo o país ao cargo de chefe do Executivo, segundo
levantamento da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis
e Transexuais (ABGLT). Sociólogo formado, ligado à igreja católica e à teologia
da libertação, o prefeito começou cedo na política.
Em entrevista ao G1, Edgar
contou que, apesar dos ataques dos adversários na campanha do ano passado, sua
trajetória na vida pública foi o principal motivo para obter 53,23% dos votos
válidos e garantir a eleição.
"Hoje sou muito feliz.
Extremamente feliz. Por que se incomodar com a sexualidade alheia? Quem tem
convicção da sua não se incomoda com a do outro. No que a minha sexualidade te
atrapalha?
Essa invasão da vida íntima das pessoas é feita de forma pejorativa.
Dizem que sou anormal. Eu sou normal, não sou azul, não tenho três braços. Na
vida pública a gente preza pela transparência, não fazia sentido esconder quem
eu amo e quem eu respeito", afirma.
Atualmente com 34 anos, Edgar
começou a conquistar a confiança da população aos 21 anos, com o início do
primeiro mandato como vereador. A homossexualidade, no entanto, ainda não era
declarada. De lá para cá, ele seguiu como vereador por outros dois mandatos
consecutivos até sair candidato a prefeito no ano passado.
Edgar, de 34 anos, mantém relação
há nove anos
com Alex, de 31 anos
(Foto: Divulgação / Edgar de Souza)
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Em 2004, na reeleição para
vereador, surgiram os primeiros comentários sobre sua posição sexual. Mas não
tão forte quanto na eleição para a cadeira principal da prefeitura. A questão
da homossexualidade só foi abordada por ele em público na campanha durante o
último comício antes do pleito municipal. Ele falou no palanque: “Eu não tenho
que esconder com quem eu vivo, quem eu amo. Se eu esconder, não mereço ser
prefeito de vocês. Deus me ama como homossexual”.
Já sua vida íntima sempre foi
usada para receber ataques dos adversários. Segundo Edgar, os políticos
tentaram usar sua opção sexual para atrapalhar a candidatura. “Nunca usei a
homossexualidade para levar uma bandeira e tudo o que eles tentaram fazer caiu
por terra. Minha opção não define meu caráter e meus votos foram devido à minha
história política.”
Na campanha, ele afirmou que a
sexualidade não era relevante para o processo eleitoral. Mas para os
concorrentes, sim. “Estão rolando dois inquéritos na polícia sobre panfletos
distribuídos com fotos minha com meu companheiro. Foram enviados pelos Correios
de 5 mil a 10 mil cartazes. No material tinha uma foto minha com Alex. Ele com
a cabeça deitada no ombro e com vários corações.”
Outra ataque político conseguiu
ser interceptado às véspera do dia da votação. “É comum que panfletos sejam
distribuídos nas ruas. Equipes trabalharam na madrugada para evitar que o
panfleto fosse espalhado. Tratava de um panfleto com minha foto como uma drag
queen, com uma peruca horrorosa.”
Hoje, depois de mais de 100 dias
à frente do comando da cidade, Edgar afirma que só pensa em um futuro melhor
para a população de Lins. Como chefe do Executivo, ele fala que vai dar sua
cara na administração, mas brinca que não vai pintar as ruas de cor-de-rosa.
“Não vou pintar as ruas de rosa. Não tem a menor possibilidade de laço ou de
rosa. E o rosa não é a cor do movimento gay: é colorido. Quero fazer uma
administração moderna e fazer a cidade dar um salto de qualidade. Lins tem um
potencial logístico extraordinário. Você não faz nada de bom se você não pensar
grande. Não posso mudar o Brasil, mas esse pedacinho do país vai ser mudado.”
Adolescência
O prefeito contou que sofria
demais quando tinha relação com algum homem ainda na adolescência. A primeira
relação sexual foi com um rapaz aos 14 anos. “Na hora tem o desejo, mas depois
vinha a carga religiosa, a carga moral. Era um sofrimento danado. Chegava em
casa chorando. Tomava banho e esfregava o braço até quase sair a pele. Ficava
sentindo o cheiro da pessoa e me virava o estômago. Em programas de televisão
que discutiam a homossexualidade, as pessoas falavam que se libertavam aos 19
anos. E daí eu falava que precisava me curar. E por coincidência ou algo que a
própria mente projetou, aos 19 anos eu me assumo também pra mim. Sair do
armário não tem que ser para os outros. Tem que ser para você. Esse é o grande
passo porque você rompe a barreira da depressão, do sofrimento”, avisa.
Edgar de Souza afirma que também
fez sexo com mulheres. A primeira vez, aos 16 anos. Atualmente, o prefeito de
Lins tem uma relação estável há 9 anos com outro homem, Alex, de 31 anos. Os
dois trocaram alianças depois da eleição no ano passado e moram juntos em uma
casa com dois meninos, de três e dois anos, além da mãe das crianças. Elas
foram adotadas depois de um problema com o pai, que é dependente químico.
Religião
Na vida pública, Edgar sofreu
preconceito dentro da igreja, mas ele diz que está com a consciência tranquila.
“A minha formação cristã fez eu reconhecer que Deus me ama como homossexual.
Dentro da igreja sempre tive a consciência muito tranquila. Tive um problema de
embate pessoal com a doutrina quando houve a publicação de um documento do
Vaticano do Papa Bento XVI, que falava que os homossexuais não poderiam atender
ao sacerdócio. Mas a vivência nas comunidades é muito maior do que isso.”
A opção sexual dividiu seus
apoiadores religiosos na campanha eleitoral. “Durante a campanha tive apoio de
vários pastores e de muitas igrejas evangélicas. Não podemos generalizar.
Obviamente também tiveram vários pastores que foram contra por conta da minha
homossexualidade. Também tiveram católicos mais conservadores que acham que a
homossexualidade é um problema.”
Marco Feliciano
O deputado e pastor Marco
Feliciano (PSC), que preside a Comissão de Direitos Humanos da Câmara (CDH) e é
alvo de protestos por todo o país, também deixou o prefeito de Lins indignado
com algumas declarações.
“Me senti muito ofendido quando o Marco Feliciano
colocou no Twitter que o destino da criança criada por casais homoafetivo é ser
vítima de pedofilia. É uma idiotice que não tem tamanho. A maior parte de casos
de pedofilia acontece em relações heterossexuais, porque a maior parte das
pessoas é hetero. Larga a mão de ser idiota falar uma coisa dessa. Ele coloca
todo mundo sob suspeição. Sabe aquela coisa, se na rua tem um traficante todo
mundo se torna traficante.”
Apoio nas ruas
Nas urnas, Edgar de Souza
conquistou 53,23% dos votos válidos. E nas ruas da cidade, os moradores não se
incomodam com a homossexualidade do prefeito. O que eles querem é avaliar o
trabalho como administrador de Lins. "Acho que não tem nada a ver. Cada um
faz aquilo que gosta. Ele é um cara que veio da roça e uma pessoa muito boa.
Esperamos que ele faça o bem para a cidade", disse o funcionário público
aposentado, Sebastião Germano da Silva.
Outra moradora também é a favor
de discutir apenas o desenvolvimento da cidade. Para a garçonete Tânia
Aparecida Rodrigues, a opção sexual de Edgar não deve ser envolvida com a
condição de prefeito. "Jamais vai atrapalhar ele na prefeitura. Não
interfere nas coisas da cidade. Queremos que ele faça Lins crescer. A opção
sexual é um assunto particular. A cidade inteira sabe que ele é gay."
Do G1 Bauru e Marília
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