TEXTOS:
O VOTO FEMININO [Artigo da série O voto feminino, publicado no jornal A Família, em 11 de dezembro de 1890] A reportagem da imprensa diária trouxe até nós a notícia de que somente sete opiniões foram favoráveis à concessão do direito de voto às mulheres na lei fundamental que estudam e discutem neste momento os 21 membros do parlamento, constituídos em comissão para dar parecer sobre essa importante peça. Para que não tivéssemos o direito de julgar perdida a nossa causa neste primeiro congresso nacional, era necessário não conhecer o espírito dos homens – seres perturbados sempre por todos os egoísmos que os torna inaptos para as grandes generosidades. Por si sós os homens nunca fariam grandes coisas. Em qualquer dos maiores rasgos humanos, encontrar-se-á o espírito da mulher iluminando as almas. E a lei da nossa emancipação política e social sé será um fato, no dia em que todas nós repudiarmos esta condição aviltante em que somos mantidas, graças ao orgulho, ao egoísmo e à falta de discernimento dos nossos opressores. Prolongam indefinidamente esta agonia secular que sofremos, negando-nos tudo – a liberdade, que é o gozo da existência, a independência que é a consciência do valor próprio, a inteligência e a razão que são os atributos da alma iluminada pelos clarões sublimes das virtudes humanas. E no entanto somos as depositárias dos mais sagrados tesouros em que os homens fazem residir a sua felicidade – a honra no amor, a crença no bem e a fé na esperança! Que vale mais do que isto um pouco de arbítrio que se nos conceda para o livre exercício da nossa vontade nos domínios das questões mais sérias que afetem os interesses da sociedade de que somos parte importantíssima? Os dois terços da comissão adversos ao nosso direito, dirão sem dúvida num arrazoado difuso ou fútil isso que para nós já teve a melhor das traduções – banalidade ou egoísmo. O direito de voto às mulheres é de uma eqüidade irresistível. Não estamos fora das leis. A sociedade nos impõe deveres como aos homens. Como eles temos responsabilidades morais e legais. Se fazem boa política ou má, bom ou mau governo, somos igualmente sofredoras das suas imediatas conseqüências. Como pois negar-nos o direito de escolha entre o bom e o mau?! Entretanto, já pelo procedimento dos dois terços da comissão, podemos julgar da solução que terá no Congresso esse problema social importantíssimo – uma completa negativa, um formidável desprezo por tudo quanto afeta o direito civil da mulher. Eu não sei se os nossos congressistas estão ao corrente da profunda transformação social que se vai operando na Europa e principalmente na América do Norte em relação à emancipação da mulher, que, nessas regiões, já, intelectualmente, conseguiu equilibrar-se com o homem; sei apenas que o atraso dos homens no Brasil, na questão transcendente que discuto, é tão grande, que seria difícil vencer o preconceito infantil que eles atestam a cada momento, julgando-nos seres inferiores e conseguintemente incompatíveis com todos os direitos civis. Triste convicção! O VOTO FEMININO [Comédia representada no Teatro Recreio Dramático, em 26 de maio de 1890] CENA 7a Os mesmos e Anastácio ANASTÁCIO (entrando, furioso) - Que pouca vergonha! INÊS - Ora, até que enfim, já se pode ser mulher nesta terra! ANASTÁCIO - Como diz? INÊS - Digo-lhe que o direito de voto às mulheres vai ser decretado pelo ministro. ANASTÁCIO - Está doida, minha senhora. ESMERALDA - Está em consulta, meu pai. RAFAEL - Está, não; subiu para o ministro. ANASTÁCIO - Figas! figas, é o que é. Pode lá dar-se semelhante patifaria. INÊS - Patifaria, não. É a coisa mais justa deste mundo. ANASTÁCIO - Se tal acontecer pode-se dizer que o Brasil é uma terra de malucos. INÊS - Sr. Anastácio, não me faça falar... ANASTÁCIO - Sra. D. Inês, lembre-se de que eu sou um ex-conselheiro de Estado do ex-Império e já fui ministro! INÊS - Lembro-me, sim; e por sinal que não era o senhor quem escrevia os despachos; mas sim eu e minha filha, que nem sequer tínhamos o direito de assiná-los. ANASTÁCIO - Figas! figas! A senhora não sabe que é mulher? INÊS - E o senhor não sabe que uma mulher não é inferior ao homem? ANASTÁCIO - É, é, e será sempre. Para mim nem há dúvida. ESMERALDA - Isto é conforme, papá. RAFAEL - Sim, é conforme. ANASTÁCIO - Qual conforme! É e é! INÊS - Não é, não é e não é. Que desaforo! A mulher inferior ao homem! Então foi para ser inferior a um carroceiro que o Sr. mandou educar sua filha? ANASTÁCIO - Foi para ser uma belíssima mãe de família. Ora figas! RAFAEL (entusiasmando-se) - Apoiado. INÊS (olhando para Rafael) - Foi para ensinar ao marido, assim como eu ensinei ao senhor. Ora aí está para o que foi! ANASTÁCIO - Pois que fosse; mas não para ser votante... Ora figas! Figas! RAFAEL (baixo a Inês) - D. Inês, olhe que isso é muito pesado! ESMERALDA - Mas isso não é justo, meu pai. ANASTÁCIO - Ah! Também pensas como tua mãe! Aqui está o que são as mulheres de hoje! O que todas vocês querem é ficar livres... para não prestarem mais obediência a ninguém. Mas tal não há de acontecer. Figas! ESMERALDA - Mas meu pai... ANASTÁCIO (colérico) - Qual teu pai, qual nada! ESMERALDA - Acalme-se! ANASTÁCIO - Isto não tem cabimento. INÊS - Ah! Querem a eterna humilhação! ANASTÁCIO (passeando, agitado) - Figas! Figas! INÊS - Havemos de ser iguais; se a mulher está habilitada para ser mãe, essa missão sublime e grandiosa, porque o não há de estar para exercer o direito de voto? ANASTÁCIO - Que querem que façam os homens? Que cedam o lugar às mulheres? Que vão para a cozinha? Que vão dar ponto nas meias?... Que vão... amamentar crianças? ESMERALDA - Ninguém diz isso. Ninguém quer tirar o lugar aos homens, sem por isso continuarmos nós na humilhante condição em que temos jazido até hoje. ANASTÁCIO - É o mesmo estribilho. Esta gente está idiota. INÊS - O Sr. é que parece que perdeu a razão. ANASTÁCIO (dirigindo-se a Rafael) - Meu genro, estamos perdidos, a revolução das saias entrou-nos porta dentro: é preciso reagir. A mulher votante! Com direito aos cargos públicos! Que desgraça! Que calamidade! INÊS - Calamidade é a de termos homens como o Sr. que procuram aniquilar os nossos direitos em proveito da sua vaidade. ANASTÁCIO (para Rafael) - O que diz a isso? RAFAEL (atrapalhado, olhando para Esmeralda) - Eu... eu não digo nada. ANASTÁCIO - Se o Sr. tem aprovado a atitude delas. ESMERALDA - Porque é justo meu pai. ANASTÁCIO - Até a senhora! Está desejosa por votar e ser votada, ir ao parlamento, sobraçar uma pasta, andar de coupé e ordenanças! São assim todas as mulheres. Ah! mas eu hei de ensiná-las! Agora é comigo. Sr. meu genro, venha daí. É preciso ser homem, ouviu? ser homem! (empurrando-o na frente) Ande, mexa-se. Até já, D. Inês. (saem os dois). CIDADÃ OU CIDADOA [Publicado em A Família, 7 dez. 1889. p. 5.] Manda a república agora novo trato em moda pôr já se não diz mais – senhora, Ninguém mais já tem – senhor. Excelência nem por graça; foi-se a moda cortesã. Dama altiva agora passa a chamar-se cidadã. Cidadã ou cidadoa, pouco ao caso vai também. Cá por mim, que tudo entoa, vai a moda muito bem. Como entanto há quem procura diferenças no tratar; para aquela que isso apura bom conselho tenho a dar. Dama nobre, d’alta proa, d’espavento, tigre, enfim, chamaremos cidadoa, que melhor parece assim. Bela dama, dona antiga, sempre amável, boa e chã, essa tratável amiga, chamaremos – cidadã. Cortejando, uma pessoa deve dizer com afã: - Saúde e paz, cidadoa; - Paz fraterna, cidadã. |
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