Percival Puggina
Twitter: @percivalpuggina
Digo e provo. Cada povo tem o Supremo que merece. Não é por outro motivo que convivemos com tantas decisões chocantes, contra as quais nada, absolutamente nada se pode fazer porque expressam a vontade da mais alta Corte. A Corte... Já escrevi sobre isso. Uma das características de toda corte é seu alheamento em relação à realidade. É um alheamento que começa no luxo dos salões, nas mordomias dispensadas aos cortesãos, nas necessárias garantias que lhes são concedidas com exclusividade em relação à caterva circundante.
E que, como não poderia deixar de ser, se reflete na visão de mundo e nos critérios de juízo. A corte contempla a realidade com luneta de marfim e ouro, enquanto balança os pés à borda de uma cratera lunar, lá no mundo onde vive. Marfim e ouro? Sim, marfim e ouro. Afinal, aquela Corte tem 11 membros, um orçamento de R$ 510 milhões (um sexto do orçamento da Câmara dos Deputados com seus 513 membros) e cerca de 2600 funcionários, entre servidores concursados, terceirizados e estagiários (cf. Luiz Maklouf Carvalho, Revista Piauí, ed. 57).
Por outro lado, dado que cada povo tem o governo que merece, sendo o governo quem escolhe os ministros do Supremo, a frase que se aplica àquele, faz-se vigente, também, para este. Lula cansou de nomear ministros para o STF. A presidente Dilma tem mais quatro anos para fazê-lo. Antes dos dois, FHC era adepto do mesmo relativismo e materialismo. Quod erat demonstrandum: duas décadas de governos com esse perfil deu-nos o STF que temos. Então, entrega a Amazônia para os índios; então, solta o Battisti; então, véu e grinalda para as uniões homossexuais; então, marche-se pela maconha. E preparemo-nos para o que vem por aí, pois desse mato continuarão saindo cobras e lagartos. Está tudo dominado!
Não conheço um único pai, uma única mãe que chame seu filho e lhe diga: "Filhão, já que hoje é sexta-feira, toma vinte e vai comprar uma erva". Ou então: "Guri, vai fumar esse baseado no teu quarto que eu não suporto esse cheiro". Não. Todo o esforço vai no sentido de alertar os filhos para os riscos do consumo de uma droga cujos menores danos ocorrem na saúde dos pulmões, na redução da atividade cerebral e da intelecção, na perda de interesse pelos estudos, e na percepção de tempo e espaço. E cujos maiores prejuízos advêm da motivação para o uso de substâncias ainda mais tóxicas e que geram dependência muito maior. Quem não está no mundo da lua sabe que raros são os usuários de outras drogas que não entraram nesse buraco sem fundo pela abertura proporcionada pela cannabis.
Consultado sobre a marcha da maconha, que faz STF? Decide que o que estava em julgamento era a liberdade de expressão... E a maconha ganha as ruas. Desnecessário continuarem marchando. Podem os chapados parar de caminhar.
Nada consagrará mais o consumo e o brindará com maior tolerância do que essa decisão do STF! A partir dela, ficou muito mais difícil aos pais convencerem os filhos de que aquela substância cuja marcha foi liberada lhes será nociva ou, até mesmo, fatal. Note-se que a posição ocupada pela maconha na longa e mortal galeria das drogas, é absolutamente estratégica e se baseia, exatamente, na difusão da ideia de que ela "faz menos mal do que o tabaco". O tabaco faz mal, sim, e por isso está banido do mundo publicitário, mas ninguém saiu dele para a cocaína ou para a heroína.
Os membros do STF têm sido perfeitamente capazes, para atender seus pendores, de espremer princípios constitucionais e extrair deles orientações que contrariam a letra expressa e a vontade explícita dos constituintes. Mas sequer cogitaram de fazer o mesmo em relação à marcha que propagandeia a maconha. Saibam, contudo, os leitores: não faltariam aos membros da Corte preceitos constitucionais relativos à proteção da infância e das famílias para uma decisão que travasse a propaganda da maconha. Bastaria que houvesse em relação ao bem estar social um apreço superior ao que eles demonstram por suas próprias filiações filosóficas. Podem começar a marchar, agora, pelo óxi, pelo crack e pela cocaína. A Corte vai deixar. Ela está nem aí.
* Percival Puggina (66) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões.
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