Do
Correio Braziliense
A
presidente Dilma Rousseff está cada vez mais à vontade na cadeira presidencial
para imprimir um ritmo próprio no governo, escapando da asa de seu mentor
político, Luiz Inácio Lula da Silva, e da vigília ideológica de seu partido, o
PT. O pacote de concessões de estradas e ferrovias anunciado na semana que
passou é apenas um dos exemplos do distanciamento gerencial imposto pela presidente
em relação ao seu antecessor. "Sentou naquela cadeira, é prestar contas
para a sociedade, não para o PT ou para Lula", disse ao Correio um petista
que integra a ala dilmista.
Não
são poucos os pontos de divergências entre ambos. Cercada por ruidosos sindicalistas
que comandam a maior greve do funcionalismo público em muitos anos, Dilma
demonstra pouca paciência para uma conversa com os representantes dos
trabalhadores, algo que sempre dava prazer em Lula, ele próprio oriundo desse
meio. "Se dependesse da presidente, ela não daria reajuste para ninguém.
Na cabeça dela, servidor público tem que ser premiado pela meritocracia, não
por regras anacrônicas como tempo de serviço e aposentadoria integral",
declarou um interlocutor da presidente.
Dilma
tampouco vê problemas em estender as mãos para a iniciativa privada fazer
investimentos nas áreas em que o governo federal está engessado. Quando ela
lançou o plano de concessão para os aeroportos, no ano passado, petistas e
sindicalistas chiaram, mas afirmavam que ela estava "sob a influência
maléfica de Antonio Palocci", considerado o mais neoliberal e
patrimonialista dos petistas.
Transportes
Palocci
já é passado, e Dilma amplia as concessões para portos e rodovias, um ano e um
mês depois do escândalo que defenestrou a cúpula do Ministério dos Transportes,
reforçando que o ex-todo-poderoso chefe da Casa Civil apenas cumpria ordem de
uma planilha gerencial. "É natural que essas atitudes provoquem
enfrentamentos no partido e nos antigos parceiros de Lula", completou um
aliado da presidente.
O
ciúme existe. A começar pelo fato de tanto Lula quanto uma ala importante no PT
jamais abandonar a possibilidade de o ex-presidente candidatar-se em 2014 para
um novo mandato. Na semana que passou, a ex-primeira-dama Marisa Letícia
descartou essa hipótese, afirmando que a vida pós-Planalto vai muito bem,
obrigada. "Há alguns meses, ele falou brincando que, se a Dilma não
quisesse, ele sairia, mas foi uma brincadeira. Dilma é quem deve disputar a
reeleição", afirmou Dona Marisa, em entrevista ao jornal ABCD Maior, de
São Bernardo do Campo (SP).
É
preciso, antes, avisar a incautos filiados à legenda. "Eu não sei se a
Dilma será candidata ou não. Se ela estiver mal nas pesquisas de intenção de
voto em 2014, Lula passa a ser a nossa esperança para continuarmos no governo
federal", afirmou ao Correio um parlamentar com certo grau de influência
no PT e que jamais escondeu preferir Lula a Dilma. "Ela é muito mais
estatizante que o Lula. Acabou de criar uma estatal para o trem-bala e outra
para administrar as ferrovias e rodovias e todos estão louvando-a como alguém
que pretende fazer parcerias com o setor privado", reclamou, enciumado.
Congresso
Habilidosa,
Dilma não rompeu politicamente com Lula. Segundo relato de ministros próximos a
ela, os dois ainda se falam praticamente dia sim, dia não. A presidente segue
consultando-o nos momentos delicados, especialmente nas relações com os aliados
no Congresso. Lula, contudo, por mais de uma vez, teve que defender o direito
da presidente de tomar as atitudes que lhe aprouver.
Na
primeira vez foi a crise com o Congresso que culminou com as substituições de
Romero Jucá (PMDB-RR) e Cândido Vaccarezza (PT-SP), respectivamente, das
lideranças do governo no Senado e na Câmara. Lula avisou que agiria diferente,
mas não se envolveu. Na última semana, teve que vir a público defender o
rompimento da presidente com as centrais sindicais. Afirmou que era importante
negociar, mas lembrou que algumas categorias tinham recebido reajustes
generosos ao longo dos oito anos de mandato em que esteve no Planalto.
Dilma
teve habilidade para não começar se impondo. Gerente dura, mas neófita na
política, ouviu críticas de que seu primeiro ministério, anunciado no final de
2010, era fraco, com muitos nomes repetidos da gestão Lula. Ancorava-se no
discurso do governo de continuidade para justificar as escolhas, algo que não
convenceu pessoas próximas a ela. "Os dois primeiros anos de governo terão
uma gestão Dilma-Lula. A partir daí, teremos um governo Dilma puro", explicou
um petista afinado com a presidente.
Vencida
essa etapa, ela começa a preparar-se para 2014. Do ponto de vista
administrativo, cercou-se de um núcleo duro composto por Bernardo Figueiredo,
indicado para presidir a nova estatal criada para planejar e comandar os
investimentos do setor de logística; Nelson Barbosa, secretário-executivo da
Fazenda; e Nelson Hubner, presidente da Agência Nacional de Energia Elétrica
(Aneel). Do lado político, escolheu um núcleo duro composto por cinco
ministros: Fernando Pimentel (Indústria e Comércio); Gleisi Hoffmann (Casa
Civil); Paulo Bernardo (Comunicações); Aloizio Mercadante (Educação); e
Alexandre Padilha (Saúde). Ocasionalmente, Gilberto Carvalho (Secretaria-Geral)
é agregado ao grupo.
Dilma
definiu as marcas de sua gestão. Combate à pobreza — herdada de Lula mas
aprofundada com o Brasil Carinhoso; defesa dos direitos do cidadão, refletido
na pressão pela redução dos juros e por um serviço de qualidade na telefonia; e
intransigência diante dos chamados malfeitos, que inclui desde relações
políticas a contatos com setores da iniciativa privada, como a CBF. Tudo para
ter o que mostrar daqui a dois anos. "Dilma é candidatíssima à reeleição,
não tem outra opção", garantiu um integrante do primeiro escalão.
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