http://g1.globo.com/fantastico
www.sindicond.nae.com.br |
Somente
Rio, Distrito Federal e Amapá seguem padrão de segurança internacional. Brasil
tem 200 mil incêndios por ano, cerca de 500 por dia. Em uma reportagem
especial, o Fantástico faz um retrato das condições de trabalho dos bombeiros
em todo o país. Será que eles estão preparados para atender a população?
Contar com
a sorte pra apagar incêndios é comum na Brasil. Segundo um estudo do Ministério
da Ciência e Tecnologia, em parceria com o Instituto de Pesquisas Tecnológicas
de São Paulo (IPT), apenas 14% dos 5570 municípios do país têm bombeiros. “Nós
temos aproximadamente 4,8 mil cidades sem bombeiros. A situação é muito, muito
crítica”, afirma o pesquisador do IPT José Carlos Tomina.
Durante um
mês, o Fantástico acompanhou essa situação. Algumas cidades até têm bombeiro,
mas são poucos e os equipamentos, quando existem, estão caindo aos pedaços. A
viatura do Corpo de Bombeiros é velha e enferrujada. Se começar a escurecer, o
veículo não pode rodar pela cidade, porque nenhuma lâmpada acende.
Segundo o
estudo do governo federal, acontecem, em média, 200 mil incêndios por ano no
Brasil. São mais de 500 por dia. Em Tocantins, das 139 cidades do estado,
apenas cinco têm bombeiros. E se acontecer um incêndio em um prédio, vai faltar
um equipamento importante: a corporação não tem escadas do tipo Magirus, que
ajudam no resgate de vítimas e no combate a incêndios em lugares altos. Nem na
capital, Palmas, de 228 mil habitantes, existe essa escada.
“É uma
deficiência sim. No passado, não se pensou em resolver esse problema. O
equipamento está sendo adquirido nesse momento”, afirma o chefe do Estado Maior
do Corpo de Bombeiros de Tocantins, coronel Dodsley Tenório Vargas.
Na cidade
de Floriano (PI), que tem 57 mil habitantes, pode faltar o principal na hora de
apagar o fogo. O tanque de água do caminhão fica vazando o tempo todo. Por
isso, mesmo sem ocorrência, todo dia tem que ser recarregado. São cinco mil
litros de água por dia.
O caminhão
é uma sucata. O freio não funciona direito e não há cinto de segurança. “Essa
unidade também não tem sistema de rádio, não funciona o limpador de parabrisa.
A porta sem vidro. Não tem condições de atender emergência. Ele vai, mas colocando
em risco o tráfego”, destaca o presidente da Associação dos Bombeiros Militares
do Piauí, Francisco Silva.
A equipe do
Fantástico acompanhou um dia de trabalho dos bombeiros de Floriano. Nenhum
deles está habilitado para dirigir o caminhão.
“O comandante
geral sabe que os bombeiros dirigem sem permissão?”, perguntou o repórter.
“Tanto essa
prática como outras condutas já foram informadas de maneira formal, mas o que
nós temos percebido é a total ausência de manifestação prática da autoridade”,
diz o capitão Anderson Pereira, da Associação dos Bombeiros Militares do Piauí.
A
precariedade do Corpo de Bombeiros do Piauí foi constatada pelo Ministério
Público do Trabalho. “Não fossem estabelecimentos de utilidade essencial para a
segurança da sociedade, esses estabelecimentos inclusive deveriam ter sido
interditados, eles não têm condições de prestar um mínimo atendimento à
sociedade”, diz o procurador do Piauí José Wellington Soares.
Em Picos,
também no interior do Piauí, 73 mil habitantes, outro exemplo de péssimas
condições de trabalho: um caminhão bem antigo foi todo adaptado para armazenar
água. Foi feita uma espécie de piscina na carroceria. O que era para ser só um
quebra-galho virou permanente. “O que se observa é que continua operando, como
se fosse uma viatura de combate contra incêndio”, aponta Pereira.
Em 2007, o
governo do estado e o Ministério da Justiça fecharam um convênio para construir
uma nova sede da corporação, em Picos. A equipe do Fantástico foi ver a obra
indicada pelos próprios bombeiros, que estaria parada desde 2010. O prédio está
abandonado, as paredes estão rachadas e o piso começou a trincar.
O
Ministério da Justiça que mandou quase R$ 300 mil para ajudar na construção da
nova sede, agora apura porque tudo está parado e se o dinheiro foi mesmo
aplicado na obra. O Fantástico procurou o comandante-geral dos bombeiros. “Não
foram feitos, digamos, a parte de projeto hidráulico, elétrico, de prevenção de
combate a incêndio. Não foi mais refeito o convênio e o governo do estado é
quem vai assumir aquela obra”, explica o comandante-geral do Corpo de Bombeiros
do Piauí, Manoel Bezerra dos Santos.
Das 224
cidades do Piauí, apenas quatro contam com quartel do Corpo de Bombeiros:
Floriano, Picos, Parnaíba e a capital, Teresina. As equipes de Floriano e
Picos, por exemplo, são responsáveis pelo socorro a municípios que ficam a mais
de 500 quilômetros de distância. “Em quase todas as ocorrências, os danos
materiais são completos”, destaca o capitão Anderson Pereira.
“É uma
falta de investimento do poder público. Infelizmente, os administradores não
querem ver a situação da comunidade”, afirma o promotor de justiça Nivaldo
Ribeiro.
Uma
pesquisa do Ministério da Justiça mostra que, no Piauí, há um bombeiro para
cada grupo de 9.430 habitantes. É a pior proporção do país. “O que se
estabelece internacionalmente é que se tenha um bombeiro para cada mil
habitantes”, aponta o pesquisador José Carlos Tomina.
No Brasil,
no que se refere a efetivo, apenas o Distrito Federal e os estados do Amapá e
do Rio de Janeiro seguem os padrões internacionais de segurança. “O ideal seria
que todos os municípios tivessem postos de bombeiros. A ideia é que, em sete
minutos, no máximo, os bombeiros consigam chegar em qualquer emergência”,
avalia Tomina.
Uma lei
estadual de 2003 criou essa taxa de incêndio para reforçar o orçamento dos
bombeiros. Hoje, ela é cobrada de donos de indústrias e de comércios que
apresentam alto risco de incêndios.
O
Ministério Público investiga supostas irregularidades com o dinheiro arrecadado
com a taxa de incêndio. Só no ano passado, o total passou dos R$ 56 milhões.
“Você tem que ter imediatamente o serviço a sua disposição, sob pena de um
enriquecimento até indevido do poder público, que recebe a taxa e não entrega o
serviço”, destaca o promotor de justiça Eduardo Nepomuceno.
Fantástico: O senhor acha justo o
comerciante que não tem bombeiro na cidade dele pagar a taxa de incêndio?
Capitão
Frederico Pascoal (Corpo de Bombeiros-MG): Ele está sendo atendido sim por uma
unidade do Corpo de Bombeiros. Existem cidades que não possuem unidade próxima
e estas estão sim no nosso trabalho de expansão.
Fantástico: Todo dinheiro da taxa
vem para o Corpo de Bombeiros?
Capitão
Pascoal: Sim, o dinheiro da taxa é totalmente revertido ao Corpo de Bombeiros.
O dinheiro é gasto 50%, no mínimo, com investimentos. Além, é lógico, do
custeio de toda essa máquina, como, por exemplo, combustíveis, material de
limpeza, a manutenção do Corpo de Bombeiros.
Percorrendo
o Brasil, o Fantástico encontrou outra situação grave. Devido à falta de bombeiros,
o trabalho de prevenção a incêndios fica seriamente comprometido. Em grande
parte do país, vistorias e alvarás demoram pra sair. “Se estivessem ocorrendo
avaliações com rigor, muitos edifícios estariam em melhores condições. Muitos
estariam interditados e nós não teríamos 200 mil incêndios por ano”, aponta
Tomina.
Segundo o
governador do Piauí, a situação vai mudar. “Nós convocamos os últimos 35
concursados recentemente. Já treinamos, qualificamos, capacitamos e agora
autorizamos um novo concurso público para os bombeiros do Piauí”, afirmou
Wilson Martins.
No cargo
desde 2011, o comandante-geral dos bombeiros do Piauí reconhece a precariedade.
“Você tem que entender que aqui é um caso extremo. Não tem como. Eu vou botar
quem para dirigir o carro?”, pergunta Manoel Bezerra dos Santos. Essa foi a
resposta sobre o fato de bombeiros dirigirem caminhões sem carteira de
habilitação.
Quanto à
falta de equipamentos e viaturas sucateadas, ele diz: “O que tem chegado aqui a
gente tem procurado atender. Certamente, alguma coisa ou outra possa ter
passado despercebida”.
Para ele,
quem tem que se esforçar são seus subordinados, que comandam os bombeiros no
interior. “Ele, comandante, solicita ao comandante aqui. Compete a ele vir aqui
na capital e ver. ‘Ó, comandante, eu preciso disso aqui para poder dar
agilidade nesse processo’. Ele tem lá dois carros pequenos para fazer vistoria.
Se ele não dá conta, sinto muito”, afirma Santos.
No
Maranhão, em média, há um quartel de bombeiros para cada 20 cidades.
“Por que não tem mais bases do Corpo
de Bombeiros no estado?”, pergunta o repórter.
“A grande
problemática é efetivo, tanto que o governo do estado está otimizando já. Temos
um concurso em andamento para a entrada de mais 150 homens neste ano e em 2014,
há uma previsão de mais 150 homens”, responde o comandante-geral do Corpo de
Bombeiros do Maranhão, coronel Wanderley Pereira.
Para
profissionais que sempre foram vistos como heróis, tanta precariedade causa
vergonha. “O nosso bombeiro tem vergonha de ser bombeiro. Hoje, o nosso
bombeiro está trabalhando com aquela ausência daquela força que nos move, que é
a paixão, que é o amor de salvar e resgatar as vidas alheias”, diz Anderson
Pereira.
E qual
seria a solução? “O maior problema é não ter regra, requisitos de desempenho e
fiscalização. Cada um faz o que quer”, aponta Araújo.
“Tem
centenas de boates Kiss funcionando no Brasil e é muito fácil de se repetir o
que aconteceu lá. Que a gente consiga tirar alguma lição dessa catástrofe,
dessa comoção nacional que aconteceu em Santa Maria”, afirma o pesquisador José
Carlos Tomina.
Nenhum comentário:
Postar um comentário