Para fechar o cerco à Aids,
especialistas defendem a ampliação do uso do coquetel preventivo e se debruçam
sobre diversas pesquisas. Brasileiros testarão vacina anti-HIV em primatas até
julho
O americano Timothy Brown pode
ser visto como um homem de muito azar e de muita sorte. Conhecido como o
paciente de Berlim, ele protagonizou o primeiro relato de cura total do HIV.
Soropositivo, tomava o coquetel contra o vírus quando foi diagnosticado com uma
leucemia não relacionada à primeira doença. Brown foi submetido a dois
transplantes experimentais de células-tronco, em que o doador foi escolhido
pela compatibilidade genética e por apresentar uma mutação que faz com que as
células não exprimam o conector CCR5, usado pelo HIV para se infiltrar e se
propagar no organismo. Depois da cirurgia, realizada na capital alemã, o vírus
não voltou a se replicar em Brown. A história tornou-se o primeiro sinal de uma
possível cura. Desde então, centenas de estratégias são testadas em centros de
pesquisa, onde é cada vez mais forte a máxima de que a erradicação desse mal
passa primeiramente pela interrupção da transmissão.
A redução na incidência de
infecção pelo HIV tem sido uma prioridade para o controle da Aids em todo o
mundo com uma estratégia inicial de prevenção baseada na mudança de
comportamento, como a fidelidade a um único parceiro, o uso de preservativo e o
acesso a equipamento de injeção esterilizado. Os especialistas, porém, defendem
novas abordagens para frear o número de novos casos. “Chamamos a atenção para
métodos que possam ir além da camisinha. Ela continua extremamente importante,
mas deve haver alternativas”, frisa Dulce Ferraz, coordenadora do Núcleo de
Apoio a Gestão de Projetos da Fiocruz Brasília (NUGP) e pesquisadora do Núcleo
de Estudos para a Prevenção da Aids (Nepaids/USP).
Segundo a também analista de
gestão em saúde, mais de 80% das brasileiras infectadas por ano tiveram contato
com o vírus por meio de relação heterossexual. “Precisamos encontrar maneiras
de combinar esse método de barreira com outros. A camisinha é segura e sem
riscos de reações adversas, mas, eventualmente, pode ser mais viável na vida de
algumas pessoas usar outra forma de prevenção que negociar o uso do preservativo
com o parceiro”, analisa.
Entre as opções citadas pela
especialista, está a profilaxia pós-exposição (PEP). No caso, os medicamentos
antirretrovirais são usados de forma emergencial para evitar a infecção quando
há uma exposição acidental, voltada para pessoas que correm algum risco direto
por ter um parceiro sorodiscordante ou com sorologia desconhecida, por exemplo.
“Corro para o serviço de saúde e tenho a possibilidade de usar durante 28 dias
a combinação de antirretrovirais que pode evitar a instalação de uma infecção
pelo vírus circulante. É mais ou menos a lógica da pílula do dia seguinte”,
explica.
A estratégia está implantada no
Brasil e é usada, há décadas, no mundo para evitar a transmissão da mãe para o
bebê durante a gestação, o parto e a amamentação, além da exposição ao vírus
por profissionais de saúde. Um desdobramento desse método é a profilaxia
pré-exposição (PrPE). Pessoas em condição de exposição ou vulnerabilidade, como
homens que fazem sexo com outros homens, travestis, transexuais, usuários de
drogas e indivíduos em situação de rua, tomariam a combinação de
antirretrovirais previamente. “É a lógica do outro contraceptivo, a pílula
hormonal oral. Eu tomo porque eu sei que vivo situações de exposição em que nem
sempre consigo usar camisinha. Então, opto por ter essa proteção
medicamentosa.”
Ferraz cita estudos que também
mostram a eficácia da circuncisão para a
proteção dos homens, mas considera distante da realidade brasileira, já que
recomendada para situações epidemiológicas muito diferentes. “E não existe
evidência segura de que a circuncisão seja protetora nesse tipo de relação.”
Interferindo na replicação
No início, achava-se que os
princípios de proteção para o HIV seriam semelhantes aos de proteção contra
outras doenças virais, como a hepatite B e a poliomielite. Bastaria estimular a
formação de anticorpos que o problema estaria resolvido. Diversos estudos,
desde o começo da infecção, mostraram que os cientistas subestimavam o inimigo.
O HIV tem habilidades extraordinárias para escapar das defesas do corpo muito
além do imaginado. Dois grupos de pesquisa brasileiros estão debruçados sobre a
tarefa de impedir a replicação do vírus em humanos, desenvolvendo estratégias
promissoras.
Neste ano, foi anunciado o início
dos testes em macacos rhesus de uma das frentes brasileiras para a imunização
contra o HIV. A abordagem, desenvolvida pela equipe liderada por Edecio
Cunha-Neto, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
(USP) e pesquisador do Instituto de Investigação em Imunologia, difere-se de
tudo que foi feito no exterior. O projeto foi patenteado como HIVBr18 e reúne
outros dois pesquisadores, Jorge Kalil e Simone Fonseca. Tem como principal
diferencial o enfoque nas regiões do vírus que são comuns às variações sofridas
por ele.
Cunha-Neto explica que o HIV tem
uma alta taxa de mutação, fazendo com que cada soropositivo carregue
micro-organismos diferentes. Segundo o cientista, esse fator é um dos
principais entraves para o desenvolvimento de uma vacina universal contra o
micro-organismo. Por isso, o interesse por pesquisá-lo. O imunizante
desenvolvido por Cunha-Neto mira as células do paciente e busca desencadear
respostas imunes com o estímulo dos linfócitos T CD4 — células do sistema imune
que são alvo do HIV. Já foram feitos testes bem-sucedidos em camundongos e, no
primeiro semestre de 2014, quatro primatas do Instituto Butantan passarão pelas
primeiras verificações que levarão ao vetor que disparará a melhor resposta
imune.
Já Myrna Bonaldo, chefe do
Laboratório de Biologia Molecular de Flavivírus do Instituto Oswaldo Cruz
(IOC/Fiocruz), participa, com mais quatro brasileiros, do trabalho do
pesquisador norte-americano David Watkins, da Universidade de Miami. A equipe
internacional usa como foco as células T CD8, associadas ao processo de
controle da carga viral que se dá nos chamados “controladores de elite”. Esse
grupo é formado por indivíduos que naturalmente conseguem limitar a replicação
do HIV no organismo.
Com essa restrição, a infecção
não evolui para a Aids, mesmo com a presença do vírus. As células T CD8, no
processo imunológico, matam as T CD4 infectadas para prevenir que as últimas
repliquem o HIV. Myrna suspeita que esse é o mecanismo encontrado nos
controladores de elite, e o desafio está em entender como essas células
citotóxicas podem impedir o desenvolvimento da doença.
Esperança renovada
Os resultados divulgados em 2009
do maior teste de vacina contra o HIV apresentaram nível de eficácia de 31% em
uma combinação de duas vacinas. O experimento, chamado RV144, foi realizado com
mais de 16 mil participantes na Tailândia. Ainda com dados animadores, o
trabalho não atingiu a eficácia necessária para garantir seu uso fora de testes
clínicos.
Correio Braziliense
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