"Só add com scrap".
"Leio, respondo, e apago". "Topo dos depoimentos".
"Sou 80% legal, 90% confiável e 100% sexy". Se você esteve na
internet durante os anos 2000, provavelmente deve se lembrar dos elementos
acima, símbolos da era do Orkut. A "primeira rede social" de muitos
brasileiros vai fechar as portas nesta terça-feira (30) depois de 10 anos de
recadinhos, discussões em comunidades e depoimentos melosos.
Mas não é o fim. A antiga rede
social do Google está criando um acervo de comunidades onde ficarão guardados
posts e discussões importantes para a história da internet do País. "O
arquivo preserva a memória do Orkut, registrando fenômenos do Brasil como a
ascensão da classe C e a inclusão digital", declarou o Google Brasil, em
nota.
O jornal O Estado de S. Paulo
teve acesso exclusivo ao acervo, que pretende ser uma reprodução do que é o
Orkut hoje, em seu último dia no ar. Ao todo, serão mais de 51 milhões de
comunidades, 120 milhões de tópicos e mais de 1 bilhão de interações
armazenadas no acervo.
Para estar lá, basta que uma
comunidade seja pública e esteja visível a qualquer um - o que não é o caso da
"Eu Odeio Acordar Cedo", maior comunidade do Orkut (com 6 milhões de
membros) que se tornou privada após ser vendida por R$ 5 mil. No acervo, será possível
entrar nas comunidades e ver o que foi discutido nelas, mas os donos das
postagens serão identificados apenas por seus nomes, sem fotos ou links para
perfis.
Tal como num museu, será possível
somente "apreciar" o conteúdo. Para o Google, "o arquivo é uma
cápsula do tempo do início das redes sociais". Além do acervo, a empresa
ainda criou uma ferramenta para que os usuários guardem seus perfis, com fotos,
recados e a descrição caprichada que muita gente usava para impressionar os
amigos. O backup pode ser feito até setembro de 2016.
FÓRUM - Criada em 2004 pelo turco
Orkut Buyuykotten, a rede social foi popular até 2011, quando foi superada pelo
Facebook no Brasil, e passou ainda a ter um "rival dentro de casa": o
Google+, introduzido pela empresa naquele ano para unir diversos serviços em um
ambiente social. Ainda assim, o Orkut tem seu público cativo até os dias de
hoje: em junho de 2014, 4 milhões de brasileiros usaram o site, segundo dados
da ComScore.
"Nunca parei de usar o
Orkut, para espanto das pessoas ao meu redor", conta Leonardo Bonassoli,
criador da comunidade "Futebol Alternativo", que discute temas como a
terceira divisão do campeonato paranaense ou a rivalidade entre as seleções da
Romênia e Hungria. "Nós discutíamos o lado B do futebol."
Já o interesse em comum por
notícias bizarras era o que unia os 80 mil membros da "Anão vestido de
palhaço mata 8", criada por Marcos Barbará. "O Orkut era fantástico
para conhecer pessoas, e as comunidades eram o auge disso. Qualquer bizarrice
encontrava eco lá", diz ele, que lançou um livro com o título da
comunidade reunindo histórias como "americano açoita namorada com
atum" ou "Jesus aparece em banheiro e é vendido por US$ 2 mil".
FIGURINHA - As comunidades não
eram só ambientes de discussões. Algumas delas eram apenas veículo para piadas.
É o caso da "Indiretas Já!" e da "Não vi Beatles, mas vi
Molejo", criadas pelo publicitário Bruno Predolin, dono de 715
comunidades. "A maioria das minhas comunidades eram como figurinhas, todas
levadas para o humor. Mas era parte do Orkut: se você queria conhecer alguém,
as comunidades serviam para mostrar quem a pessoa era", diz. Para ele, o
que vai deixar saudade é a comunidade Discografias, que reunia links para
download de música de forma ilegal, deletada em 2012. "Conheci muita coisa
de música brasileira ali" lembra. "O Orkut foi a iniciação digital de
muita gente", diz o rapaz, que chegou a receber R$ 500 por mês do canal
pago HBO para promover a emissora em seus grupos.
RG DIGITAL - O criador da
"Indiretas Já" não foi o único a capitalizar com o sucesso de suas
comunidades no Orkut. O humorista Maurício Cid, hoje conhecido pelo site de
humor Não Salvo, começou sua trajetória digital criando comunidades
engraçadinhas, como a "Quando pisei parecia água viva". "Tive
mais de mil comunidades, usava o Orkut como o Twitter, só com piadas. Um dia o
Orkut excluiu meu perfil por causa de uma denúncia. Foi quando eu resolvi que
tinha que ter um site próprio", explica ele, que hoje tem mais de 2,4
milhões de fãs no Facebook e é referência em humor na web no País.
"O Orkut era o RG digital do
brasileiro", avalia o humorista, que acredita que a plataforma do Google
tinha muitas vantagens com relação ao Facebook. "No Orkut, você ia atrás
do conteúdo. O conteúdo não vinha te encher o saco", comenta. Apesar de
ficar triste com o fim da rede social, Cid entende a decisão do Google.
"Se um produto dá prejuízo, não tem porque deixar no ar. É dinheiro em
jogo."
Agência Estado
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