quarta-feira, 29 de abril de 2015

Praia, massagem e ecstasy: por que mercado das drogas prospera na Indonésia

Bali é um dos principais destinos para turistas estrangeiros na Indonésia /Foto: Reuters
R. caminha por Kuta, o reduto de turistas no sul de Bali, e é abordado por dois jovens, que oferecem massagem e aluguel de motocicletas. Em seguida, têm mais a ofertar: "Maconha? Ecstasy?".

O turista está aqui há apenas um dia, mas fala como se conhecesse bem a ilha: "É bem fácil conseguir drogas. Mas é preciso tomar cuidado", diz, numa conversa informal. Bali é conhecida por sua beleza paradisíaca, atmosfera relaxante e grandes festas – e pela fama do fácil acesso a sexo e drogas. Uma mistura que faz com que muitos que chegam aqui se recusarem a ir embora.

Não é difícil, então, ver o apelo que Bali tem para traficantes, que miram um mercado que as próprias autoridades classificam como grande e a perspectiva de dinheiro fácil e rápido. A ilha conta parte do problema na Indonésia, que integra uma das rotas mais conhecidas de tráfico no Sudeste Asiático e é um grande centro de produção e consumo.

O país está numa "emergência" devido às drogas, diz o presidente Joko Widodo, que neste ano retomou as execuções de traficantes, por fuzilamento, apesar de pressão internacional para que reverta as penas.

De janeiro até o presente momento já foram executados por tráfico de drogas 12 pessoas na Indonésia entre eles os brasileiros Marco Archer Cardoso Moreira do Rio de Janeiro, que teria até dominado o fornecimento de maconha em Bali e o paranaense Rodrigo Muxfeldt Gularte, de 42 anos, preso no aeroporto de Jacarta em 2004 com 6 kg de cocaína escondidos em pranchas de surfe.

'Grande mercado'

Foto: Reuters
É 1h00 de um domingo de março numa das mais populares casas noturnas de Kuta, quando três funcionários são chamados para atender a uma emergência no banheiro masculino.

Eles tentam ajudar um jovem estrangeiro que não consegue sair de uma das cabines privadas – e que parece ter sido trancado por ele mesmo ali dentro. Quando, finalmente, destrava a porta, parece desorientado. Corre para a pia, enxagua o rosto e é logo amparado por amigos.

Pouco depois, uma turista estrangeira é carregada por dois amigos, aparentemente sem saber o que acontece a sua volta.

Cenas como essa se repetem diversas vezes e é difícil dizer se estão relacionadas ao uso de drogas. Mas todos parecem concordar que o consumo delas é frequente nas festas aqui.

Gusti Ketut Budiartha é o chefe do escritório em Bali da agência antinarcóticos indonésia, a BNN. Desde 2011, ele lidera uma equipe de 100 policiais que patrulham a ilha para coibir o comércio de drogas.

Bali tem cerca de 4,2 milhões de moradores, e a estimativa é de que 3,5 milhões de turistas estrangeiros estiveram na ilha em 2014.

Números que fazem de Bali "um grande mercado" para traficantes, diz Budiartha. "Há uma relação entre drogas e turismo... Alguns turistas, nem todos, usam drogas. Gente de todo o mundo vem a Bali. Todo mundo olha para Bali e alguns precisam fazer dinheiro. Há um mercado para drogas", disse ele à BBC Brasil.


"(Bali) é um destino turístico famoso e, geralmente, pessoas em férias querem ter prazer. E, para alguns, isso inclui drogas".

Mas os estrangeiros são apenas parte do problema, diz ele: o desenvolvimento de Bali, com a expansão da infraestrutura de turismo para áreas antes isoladas, teria impulsionado o uso de drogas também pela população local, a partir do contato mais intenso com visitantes de fora.

'Qualquer coisa'

Policiais são vistos nas regiões mais movimentadas, mas parecem incapazes de patrulhar todas as vielas que cortam a ilha, onde vendedores oferecem também cogumelos mágicos ou medicamentos e estimulantes como Viagra, Cialis ou efedrina.

Imagem: AFP
Sentado na entrada de uma lanchonete, um jovem diz ter "qualquer coisa que você quiser".

Maconha é, historicamente, a droga mais usada na Indonésia. Mas, nos últimos anos, houve um aumento expressivo no consumo de ecstasy e metanfetamina – conhecida localmente como "shabu" -, diz um relatório da Organização das Nações Unidas, que apontou um crescimento no número de "fábricas" de drogas sintéticas no país.

Também são populares cocaína e heroína.

"(Turistas) vêm para cá com diferentes objetivos. Alguns estrangeiros vêm para cá só para usar drogas", diz I Made Adi Mantara, diretor do centro de reabilitação Yakeba, em Bali.

"Tem um mercado, muitos usuários. Tem dinheiro. É lucrativo... As pessoas oferecem drogas para você na rua. Não é difícil. Qualquer coisa que você quiser, eles vão te oferecer".

A Indonésia tem 250 milhões de habitantes. O presidente Widodo diz haver cerca de 4,5 milhões de usuários de drogas no país, e que entre 40 e 50 indonésios morrem todos os dias por causa de narcóticos - mas muitos questionam a veracidade destes números.

"Todo mundo presta atenção a Bali por causa dos estrangeiros. Mas em Jacarta e em outras cidades o problema é maior que em Bali", disse Mantara Na verdade, a aparente venda fácil de drogas não é diferente da realidade de outros países da região, também populares destinos para estrangeiros.

Na Tailândia, por exemplo, o uso de alucinógenos é conhecido nas famosas festas da Lua Cheia. Ou no Camboja, onde a "pizza feliz", salpicada de maconha, parece ser item obrigatório no cardápio de turistas.

Execuções têm efeito?

Imagem: AFP
Ferni Yuniarti Pozaddier tem 35 anos e é ex-usuária de drogas. É HIV positivo e disse já ter provado "de quase tudo". Já vendeu drogas e conta que, antes da repressão maior, comprá-las "era muito barato". "Agora, é muito, muito caro".
Essa é uma observação ouvida com frequência em Bali. Numa das abordagens na rua, um vendedor oferece uma pílula de ecstasy ao equivalente a US$ 50.

É difícil saber o que está sendo vendido e por quem – tópico frequente de discussão aqui e em fóruns na internet, onde usuários alertam para "armadilhas" e o perigo de comprar drogas nas ruas.

Policiais trabalham à paisana para detectar vendedores e compradores de drogas.

Há, também, relatos de agentes associados a traficantes que, ao flagrar estrangeiros com drogas, cobrariam propinas que chegariam a milhares de dólares num país habituado a casos de corrupção.
Budiartha, da polícia antinarcóticos de Bali, disse ter havido casos de policiais demitidos por estarem envolvidos com grupos de drogas, mas não citou casos atuais.

A maior fiscalização das autoridades indonésias tem sido elogiada internacionalmente, mas fronteiras porosas e corrupção endêmica seguem como grandes desafios na luta contra o tráfico de drogas, alertou o Departamento do Estado americano em relatório divulgado no ano passado.

Parte do tráfico no país seria, inclusive, comandado por líderes de dentro de prisões indonésias, onde a corrupção é conhecida e acusações de favorecimento são generalizadas.

E nem a retomada das execuções parece afastar traficantes. "Na minha opinião, as execuções não têm efeito", diz Budiartha.

Em janeiro, a agência antidrogas indonésia confiscou mais de 860 kg de metanfetaminas, no que autoridades consideraram a maior apreensão de drogas da história do país, segundo a imprensa local.
Sinal de que o mercado, à primeira vista, segue atrativo.

Da BBC Brasil 

Nenhum comentário: