Percival Puggina
twitter: @percivalpuggina
Acumularam-se na mídia internacional, ao longo desta semana, análises segundo as quais, na execução de Bin Laden, os Estados Unidos atuaram de modo totalmente irregular. "Escândalo! Os ianques foram lá e mataram o sujeito dentro de casa!" Pois é. Fizeram isso mesmo.
As coisas deveriam ser levadas de outro modo? Vejamos, então, em que consistiria a tal conduta regular, pela qual tudo andaria nos trinques. Segundo esses estrategistas de day after, o governo ianque, alertado de que Bin Laden morava em um casarão fortificado, próximo a instalações militares da cidade de Abbottabad, deveria:
1º) solicitar ao governo paquistanês, através da embaixada em Islamabad, que confirmasse presença do líder da Al Qaeda, em território daquele país soberano, no endereço indicado e, se possível, que o prendesse para investigações;
2º) o governo do Paquistão teria que postular isso perante seu Poder Judiciário (afinal, se há juízes em Berlim deve havê-los também no Paquistão, não é mesmo?);
3º) cumpridas essas preliminares, levada a cabo a investigação inicial, confirmada a presença do terrorista, a justiça paquistanesa determinaria à autoridade policial que retornasse ao bunker de Bin Laden e o prendesse;
4º) os EUA, então, peticionariam a extradição do preso com a finalidade de julgá-lo em território norte-americano, segundo suas leis;
5º) no caso de não haver acordo de extradição entre os dois países, seria necessário firmar um termo de reciprocidade pelo qual o governo do senhor Obama se comprometeria a agir simetricamente em circunstâncias análogas e inversas;
6º) por fim, obtida a extradição, proceder-se-ia ao julgamento de Bin Laden nos Estados Unidos.
Não mencionei aqui a indispensável presença de advogados de defesa interpondo habeas corpus e embargos em quase todas as etapas sucessivas à prisão do líder da Al Qaeda, porque um processo que não contemple amplas garantias à defesa do réu não pode ser considerado um processo regular. Ao fim e ao cabo, tudo andaria "segundo os conformes" e Bin Laden seria julgado. A menos que aparecesse no Paquistão um Tarso Genro de sherwani para duvidar da correção da justiça ianque e negasse a extradição.
A tal conduta regular, prezado leitor, seria algo assim, ou mais ou menos assim, dependendo da ordem jurídica do Paquistão. Como se vê, esses conselheiros presidenciais de internet e mouse desejavam tanto que Bin Laden pagasse por seus crimes quanto você está interessado na captura de tubarões brancos no arquipélago de Vanuatu.
Estou de brincadeira? Não. De brincadeira está quem imagina que as coisas deveriam ser conduzidas, mesmo, desse modo. Houve quem citasse como modelo para a ação os julgamentos de nazistas em Nürenberg, logo após o término da Segunda Guerra Mundial, e o recente processo contra Saddam Hussein. Deduziam daí que teria havido, em relação a Bin Laden, um retrocesso na conduta norte-americana. Aqueles casos, porém, se referem a julgamentos ocorridos após as respectivas guerras, em tempo de paz. A guerra contra o terror, diferentemente, é uma guerra em curso. Tanto está em curso que a Al Qaeda já revidou. E sempre é bom lembrar aos que se consideram longe do problema: o ataque às Torres Gêmeas não feriu apenas os EUA; o ataque aos trens de Madrid não feriu apenas a Espanha. Nos aviões, nos prédios, nos trens havia gente do mundo inteiro.
Eis por que caberia aos Estados Unidos, nas circunstâncias, agir como agiu. Aliás, nenhum comando militar, em país algum, ciente de que o QG de seu inimigo está acessível em tal ou qual lugar, deixará as armas de lado para agir por via diplomática e jurídica. Nem general bêbado faz uma coisa dessas. A lista de abusos e tropelias norte-americanas é imensa, mas não creio que os fatos do dia 2 de maio façam parte dela.
* Percival Puggina é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões.
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