domingo, 19 de fevereiro de 2012

LEMBRANÇA ACIONA VÁRIAS PARTES DO CÉREBRO

Do Correio Braziliense

imagem: projetogrupodois.pbworks.com
A palavra memória evoca recordações importantes. Nem só de fatos marcantes, porém, é composto o sistema de estocagem de informação do cérebro. Ao ter de decorar temporariamente um número de telefone ou a placa de um carro, a memória também entra em ação.


Apesar de a tarefa parecer bastante simples, cientistas do Instituto Max Planck, na Alemanha, descobriram que, na verdade, esse é um complexo sistema, que depende do funcionamento sincronizado de diferentes áreas cerebrais.

Segundo Stefanie Liebe, pesquisadora do Instituto Planck para Cibernética Biológica e principal autora da pesquisa alemã, as investigações sobre a memória de curto prazo – nome dado ao armazenamento de informações que logo serão esquecidas – ainda são muito restritas para um assunto tão instigante.



“Já parou para pensar que conseguimos nos lembrar de coisas que aconteceram há 10, 20 anos, mas, de um dia para o outro, podemos não recordar o nome de uma pessoa que nos foi apresentada ou, o que ocorre mais frequentemente, onde foi que colocamos os óculos?”, questiona.

Gregor Rainer, cientista que conduziu o estudo em laboratório, explica que é importante para o cérebro apagar parte das informações processadas ao longo do dia e que só precisam ser usadas por determinado tempo. “A primeira fase da estocagem de informação é o contato sensorial. Passamos o dia inteiro vendo e ouvindo coisas. Imagine se tudo isso ficasse guardado. Já outras informações, como o nome da loja onde você viu um belo vestido e quer voltar depois para comprar, são algo que precisa ser armazenado, mas só por um pequeno período de tempo”, diz.

O pesquisador afirma que já se sabe que algumas regiões na parte frontal do cérebro estão envolvidas na formação e estocagem da memória de curto prazo, enquanto o processamento da informação visual ocorre primeiramente na parte de trás do órgão. “Mas para que consigamos nos lembrar dessas informações por um curto tempo, as duas regiões precisam trabalhar de forma coordenada”, afirma. “Como isso ocorre é que permanecia, até agora, um mistério.”


Atividade elétrica
Segundo Stefanie Liebe, para entender como áreas localizadas em regiões opostas trabalham em conjunto, a equipe investigou a atividade elétrica tanto do campo visual quando do pré-frontal no cérebro de macacos. Aos animais, a equipe mostrou, em uma tela, imagens em curtos intervalos de tempo. Os macacos – que haviam sido previamente treinados para a tarefa – tinham de dizer se a segunda imagem vista era igual ou diferente da primeira, enquanto tinham sua atividade cerebral monitorada.

“Em cada uma das duas regiões do cérebro, a atividade mostrou forte oscilação em uma frequência que chamamos teta. Essas oscilações não ocorriam independentemente uma da outra, mas de maneira completamente sincronizada”, conta Liebe. “É como se em cada uma das duas áreas você tivesse duas portas giratórias. No processo de formação da memória de curto prazo, também chamada memória de trabalho, elas ficam em sincronia, permitindo que as informações passem de forma muito mais eficiente”, exemplifica Gregor Hörzer, pesquisador da Universidade Técnica de Graz, que também participou do estudo. Ele conta que quanto mais sincronizada estava a atividade, melhor o desempenho dos macacos. “Foi assim que conseguimos estabelecer uma relação direta entre o que ocorria no cérebro dos animais enquanto eles eram submetidos à tarefa”, diz.

Segundo Stefanie, o estudo revela como oscilações cerebrais sincronizadas são importantes para a comunicação e a interação de diferentes áreas cerebrais. “Quase todas as funções cognitivas multifacetadas, como o reconhecimento visual, surgem de uma completa interação de redes neurais especializadas”, afirma. Apesar da descoberta, a cientista afirma que ainda falta saber mais sobre como ocorrem as relações entre esses circuitos, que estão distribuídos por diferentes regiões.


Capacidade melhorada
Neurologistas americanos demonstraram que é possível aumentar a memória por meio da estimulação de uma determinada zona do cérebro, de acordo com um estudo publicado na revista científica New England Journal of Medicine. Os cientistas, da Universidade da Califórnia, em Los Angeles, se concentraram no córtex entorrinal, uma região-chave do cérebro relacionado à memória e principal passagem antes do hipocampo, a área responsável pelo processamento dos sinais e o desenvolvimento da memória.

“O córtex entorrinal é a porta de acesso à unidade central da memória”, disse à agência France-Press Itzhak Fried, professor de neurocirurgia da Escola de Medicina David Geffen da Universidade da Califórnia, principal autor da pesquisa. “Toda a experiência visual ou sensorial que guardamos na memória passa por essa porta para chegar ao hipocampo. Nossos neurônios devem enviar mensagens através dessa passagem para que a memória se forme, e a lembrança possa ser recuperada conscientemente”, explicou.

Para fazer o estudo, os neurologistas acompanharam sete pacientes com epilepsia que tinham eletrodos implantados em seus cérebros. O equipamento registrou a atividade dos neurônios quando as lembranças se formavam. Usando um videogame que simula a corrida de um táxi em uma cidade virtual, os cientistas testaram se a estimulação das profundezas do cérebro do córtex entorrinal ou do hipocampo alteravam a capacidade de armazenamento de informação.


Rapidez
Os participantes se passavam por taxistas que recebiam passageiros e viajavam por toda a cidade. “Quando estimulávamos as fibras nervosas no córtex entorrinal dos pacientes durante a aprendizagem, eles reconheciam mais tarde lugares e circulavam pelas ruas com maior rapidez. Inclusive, aprendiam a pegar atalhos, o que reflete uma melhor memória espacial”, afirmou o cientista. Fried reconheceu que “a perda de nossa capacidade de lembrar fatos recentes e formar novas lembranças é uma das doenças mais temidas da condição humana”, mas advertiu que os resultados do estudo, embora encorajadores, devem ser encarados com cautela.

“Nossos resultados preliminares fornecem evidências de um possível mecanismo para aumentar a memória, sobretudo nas pessoas idosas ou que sofrem de demência precoce”, disse. “Ao mesmo tempo, estudamos uma amostra pequena de pacientes, razão pela qual nossos resultados devem ser interpretados com cuidado”, alertou.

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