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Hoje,
08 de março é o Dia Internacional da Mulher e, para a ministra da Secretaria
Nacional de Políticas para as Mulheres, Iriny Lopes, há avanços para se
comemorar, mas, também, muita preocupação com a consolidação dos direitos
alcançados. Uma ameaça real às conquistas dos últimos tempos, na sua opinião,
são os questionamentos da constitucionalidade da Lei Maria da Penha que, hoje,
se reproduzem em várias comarcas e tribunais.
A
lei que garante punição para a violência cometida dentro de casa, motivada pela
questão de gênero, chegou a ser classificada como “diabólica” por um juiz. Além
disso, o artigo que garante que a vítima não será coagida a retirar a denúncia
vem sendo questionado nos tribunais superiores. Para Iriny Lopes, há
“intolerância e preconceito”.
A
ministra assumiu como primeira tarefa de sua gestão estabelecer um diálogo com
os magistrados para sensibilizá-los da importância da aplicação da lei tal como
foi aprovada. Segundo ela, os juízes precisam aproximar-se mais das questões da
população. “A alma da Lei Maria da Penha é que a mulher não seja coagida”,
disse a ministra, em entrevista à Agência Brasil. Iriny também defendeu a
formação de um banco de dados confiável para medir a dimensão da violência
contra as mulheres.
Agência Brasil – A Lei
Maria da Penha foi aprovada e sancionada no governo de Luiz Inácio Lula da
Silva, mas, até hoje, há problemas com sua aplicação efetiva. Até a
constitucionalidade da lei que protege as mulheres em relação à violência
cometida dentro de casa vem sendo discutida no meio judiciário. Um juiz da
cidade mineira de Sete Lagoas chegou a chamar a lei de “diabólica”. Como
convencer as pessoas da necessidade de aplicação dessa lei?
Iriny
Lopes – Primeiramente, seria prudente, seria bom para o Brasil que o Poder
Judiciário se aproximasse um pouco mais do que são os anseios da população. A
Lei Maria da Penha foi considerada pelas Nações Unidas como uma das três
melhores legislações do mundo de proteção à mulher e instrumento eficaz e
rigoroso contra a violência doméstica. Uma pesquisa recente mostra que 63% dos
brasileiros conhecem e apoiam a Lei Maria da Penha. É um índice altíssimo. Nós
poderíamos arriscar a dizer que é a lei brasileira mais popular de toda a
história. O que ocorre no interior do Judiciário reflete o que vai também na
sociedade. Em alguns casos, eu não generalizo, trata-se de intolerância e
preconceito.
ABr - Mas não cabe ao
juiz, desembargador ou ministro prezar pela aplicação da lei?
Iriny
– Ao examinar um processo, aquela leitura é feita de forma contaminada pelo
preconceito e pela cultura de que é natural a violência. Trata-se da naturalização
da violência praticada contra a mulher e alguns magistrados já vão imbuídos
dessa conduta.
ABr - Como é que o
Executivo pode tratar esse assunto sem que isso caracterize invasão de Poderes
ou atribuições?
Iriny
– Em Alguns casos, é discussão sobre doutrina e é nessa ótica que queremos
tratar e já estamos dialogando com o Judiciário.
ABr – O artigo da lei
que não permite que a queixa seja retirada pela vítima causou discussão no
Congresso [Nacional] e ainda é um ponto que muitos não aceitam. [Alguns
parlamentares] Alegam que, diferentemente de outras leis, a vítima, nesse caso,
a mulher, não pode se arrepender da denúncia. Como superar essa discussão?
Iriny
– Posso falar [disso] com uma certa tranquilidade porque fui relatora da Lei
Maria da Penha quando ela estava sendo apreciada pela Comissão de Constituição
e Justiça da Câmara. O ponto contestado é o Artigo 16, que trata da ação ser ou
não condicionável. A lei é clara. A mulher pode retirar, sim, a queixa, mas
perante a um juiz, em audiência. Então, não há a alegada inconstitucionalidade.
Existem coisas, como esse questionamento, que nos deixam perplexos. Mas a
perplexidade não vai nos tirar a capacidade de ação.
ABr – Não dá para abrir
mão desse ponto para manter as penalidades previstas na lei?
Iriny
– Esse ponto é indispensável. As varas especializadas tanto na Justiça como na
promotoria são importantes. As delegacias, núcleos e casas-abrigo são também
importantes, a qualificação dos profissionais, servidores públicos que vão
receber as mulheres [tudo isso] é também importante. A obrigatoriedade de uma
central de dados é importante, mas o mais importante de tudo, a alma da Lei
Maria da Penha, é que a mulher não seja coagida. Esse artigo a protege para que
ela não seja constrangida a retirar a ação.
ABr – A senhora esperava
esse embate com setores do Judiciário?
Iriny
– Não se trata disso. Há questões que temos que enfrentar de forma decisiva e
estou me esforçando nesse diálogo. Houve uma decisão recente no Superior
Tribunal de Justiça (STJ) que nós, do governo, consideramos muito ruim. A
decisão dá um prazo à mulher para ver se ela vai mesmo manter a ação. O
agressor, ao saber disso, vai agir. A intimidação da vítima, nesse caso, é
líquida e certa.
ABr – A senhora
considera que essa decisão tem um caráter discriminatório?
Iriny
– Sim. Quando se tem uma briga entre dois homens, por um motivo qualquer, um
deles registra queixa e isso evolui para um processo, nunca se pergunta a ele
se ele quer retirar a queixa ou não. Muito menos é dado a ele prazo para
confirmar essa denúncia. Por que essa distinção em relação à mulher? Por que a
Justiça tem que perguntar isso a uma mulher? Ela é vítima de agressão, ela
apresentou denúncia. A denúncia foi objeto de inquérito, que originou uma
denúncia do Ministério Público para, depois, virar um processo. Nesse tempo
todo, se ela tivesse se arrependido, ela poderia ter ido lá e falado:
"Doutor, quero retirar a queixa". Não tem porque o Judiciário
perguntar isso a ela.
ABr – Outro
questionamento é em relação à especificidade da própria lei que protege as
mulheres. Como driblar isso?
Iriny
– Já me perguntaram, ao vivo, em uma entrevista: por que não há, então, uma lei
especial para homens? Eu simplesmente respondi: porque não precisa. Os homens
não são agredidos porque são homens. Eles são agredidos em brigas por ciúme,
por bebida, por qualquer outra coisa, mas não por serem homens. Já a agressão
de gênero ocorre só contra a mulher. É por isso que há a necessidade da lei. A
motivação da agressão por gênero não consegue ser atingida pela legislação
comum.
ABr – Que
características a senhora enxerga na chamada “violência de gênero”? Como
caracterizar esse tipo de crime?
Iriny
– É uma violência que vem em uma curva crescente. Começa com uma agressão
psicológica, do tipo: 'Você está parecendo uma p... com essa saia', 'Não tinha
uma outra roupa não?', 'Esse batom está escandaloso', 'Nossa, tenho até
vergonha de ficar perto de você'. Depois passa para ameaça. O parceiro diz: 'Se
você for trabalhar com essa roupa, não precisa mais voltar porque você não
entra mais aqui'. Depois passa para uma sacudida, depois um tapa, depois uma
surra, depois o corte de dinheiro. Não passa um recurso no caso de haver um só
provedor, depois cárcere privado, deixa a mulher trancada e diz que só pode
sair com ele. Se sair sem ele, quando voltar, mais surra, até chegar à morte,
que pode acontecer de forma premeditada ou mesmo em consequência das sucessivas
violências. Vai batendo, batendo, até a mulher não resistir. É por isso que
esse tipo de crime tem que ter uma legislação específica que não podemos chamar
nem de especial. Trata-se de uma legislação especializada.
ABr – A senhora
considera que a lei já teve um efeito de diminuir esse tipo de violência?
Iriny
– Nós podemos medir a Lei Maria da Penha e sua importância para as mulheres do
país pelo Disque 180, o nosso disque-denúncia. O número de denúncias ampliou-se
enormemente. Tem muita gente dizendo que a violência aumentou. Eu não acho
isso. O que aumentou foi a confiabilidade das mulheres. Elas sabem que podem
denunciar porque serão protegidas e seus agressores serão exemplarmente
punidos. É isso, as mulheres brasileiras acreditaram que poderão deixar de ser
vítimas de violência porque, agora, têm uma lei que as amparam.
ABr – O que pode acontecer
caso essa lei seja considerada inconstitucional?
Iriny
– Se as mulheres forem frustradas no acesso ao seu direito, sustentado na Lei
Maria da Penha, nós teremos um retrocesso e corremos o risco de ter aumento dos
homicídios, que já não são poucos.
ABr – Como está o
cenário de homicídios de mulheres provocados pela violência doméstica?
Iriny
– Nossos dados estão muito atrasados. Há pouco, foi divulgado o Mapa da
Violência, mas ainda não se têm mecanismos confiáveis para distinguir se as
mortes são originadas pela violência doméstica ou o crime comum. Não dá para
saber a quantidade de mortes que ocorrem motivadas por violência de gênero. Os
dados que as polícias enviam são dados misturados.
ABr – Como resolver essa
carência de dados que poderiam alimentar, inclusive, outras políticas públicas
voltadas para a redução da violência?
Iriny
– Nós vamos trabalhar num novo banco de dados no Brasil. É preciso que se tenha
um formulário diferenciado. Na hora do óbito, a própria polícia tem que poder
registrar que foi uma briga com o marido, com o namorado, com o pai ou com o
irmão. Estamos ainda discutindo como será esse formulário. Ele ainda não
existe, mas a própria Lei Maria da Penha determina a criação de um banco de
dados no país.
ABr – Quando as polícias
poderão contar com esse novo formulário?
Iriny
– Estou falando em formulário porque foi a primeira forma pensada para a
formação desse banco de dados, mas podemos utilizar outro mecanismo. Nesta
semana, eu conversei sobre esse assunto com o ministro da Justiça, José Eduardo
Cardozo, e estamos criando um grupo de trabalho para discutir a forma de
constituir esse banco de dados e alimentá-lo com dados confiáveis. Esse banco
de dados tem que nos dar a informação, por exemplo, do número de homicídios de
mulheres no país, quais mortes estão relacionadas à violência doméstica e à
intolerância de gênero.
Um comentário:
essa ministra è sapatao!
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