Da Revista Veja
O
procedimento, que ocorre ainda na sala de parto, pode ser feito de duas formas:
por meio de uma empresa privada, para uso exclusivo do bebê, ou através de um
banco público. Neste caso, o material fica disponível para qualquer paciente
que dele necessite. Apesar de alguns bancos privados argumentarem que aquele
punhado de células funcionará como um seguro-saúde caso o recém-nascido venha a
sofrer, no futuro, de doenças como diabetes ou Alzheimer, sua utilização ainda
é bem restrita. "Por enquanto, o único uso clínico comprovado é o
transplante de medula óssea", explica a geneticista Mayana Zatz,
pesquisadora da Universidade de São Paulo. Para esclarecer dúvidas sobre o congelamento
das células do cordão, VEJA ouviu cinco especialistas no assunto.
Em que estágio estão
as pesquisas com células-tronco de cordão?
A eficácia das células do cordão umbilical do
próprio paciente vem sendo testada para tratar doenças como paralisia cerebral,
diabetes do tipo I e autismo. As pesquisas, no entanto, ainda não saíram do
campo experimental. "A terapia com células-tronco originárias de tecidos
diversos, não só do cordão, é estudada há quase quinze anos. Mas, nesse período,
não houve nenhum grande avanço. Ela é, sim, preconizada em algumas situações,
como na regeneração de tecidos — mas a partir de células colhidas da medula do
paciente adulto, e não do sangue do cordão", explica Bouzas.
Toda amostra de sangue
de cordão coletada é viável para uso?
Não. De
acordo com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a amostra deve
ter, no mínimo, 500 milhões de células-tronco viáveis e estar livre de
contaminações. Nos bancos públicos, 60% do material coletado é dispensado após
uma minuciosa triagem — se os testes revelarem propensão genética a algum tipo
de doença, por exemplo, aquela amostra não será útil para ninguém. Já nos
bancos privados, o descarte é de apenas 2% (caso em que se reembolsa o
cliente). Embora as regras para bancos públicos sejam mesmo mais rígidas, os
especialistas consideram essa discrepância demasiado grande. "A própria
análise do material congelado pode danificá-lo. Portanto, só saberemos de fato
de sua viabilidade quando houver necessidade de uso", diz o biólogo Daniel
Coradi, da Anvisa
Quais são as
diferenças entre os bancos públicos e os privados?
Coordenados pelo Instituto Nacional de Câncer
(Inca), os bancos públicos coletam e armazenam células de cordão em
maternidades conveniadas, sejam elas ligadas ao Sistema Único de Saúde (SUS),
como é o caso do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul,
sejam elas privadas, a exemplo do Hospital Albert Einstein, em São Paulo. O
serviço é gratuito e o material fica disponível para doação. Ao contrário dos
bancos públicos, os privados cobram, em média, 3 000 reais pela coleta e 600 reais de anuidade
pelo armazenamento das células. Nesse caso, elas são de uso exclusivo da
criança
Em que tipos de
tratamento o sangue do cordão é utilizado?
Por
enquanto, apenas no transplante de medula óssea. Isso porque esse material é,
sim, riquíssimo em células-tronco, mas apenas em um tipo delas: as
hematopoiéticas — capazes, pelo que se sabe até o momento, de formar única e
exclusivamente células sanguíneas. "Cerca de 0,1% das células presentes no
sangue de cordão pertence ao grupo das mesenquimais — essas, sim, com potencial
de originar músculos, ossos, cartilagem e gordura", explica o
hematologista Luís Fernando Bouzas, diretor do Centro de Transplante de Medula
Óssea do Inca. Em um estudo publicado em 2008, porém, a geneticista Mayana Zatz
demonstrou que, em cada dez amostras de sangue de cordão, apenas uma continha
células mesenquimais."Acho bobagem congelar o sangue de um bebê para uso
privado. Primeiro, porque temos células-tronco em diversos tecidos, inclusive
na polpa dentária. Segundo, porque o risco de ele desenvolver anemia grave ou
leucemia é muito baixo. E, se isso vier a acontecer, não se recomenda o uso do
cordão do próprio paciente", diz a geneticista
Quais são as chances
de uma criança vir a utilizar as células do próprio cordão?
De acordo com a Sociedade Americana de
Transplante de Sangue e Medula Óssea, as chances são de 0,04% nos primeiros
vinte anos de vida. "Menos de 15% das crianças que desenvolvem leucemia
linfoblástica aguda — doença sanguínea mais comum nessa fase — precisam de um
transplante. E, quando isso ocorre, o sangue do cordão do próprio paciente é
contraindicado", diz o médico Carmino Antonio de Souza, presidente da Associação
Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular. Mais um porém: uma
amostra de sangue de cordão é suficiente apenas para o tratamento de uma pessoa
com até 50 quilos. No caso dos bancos públicos, quando não se encontra um
doador adulto compatível, opta-se pelo uso de mais de uma unidade de cordão.
Outra situação em que o congelamento é recomendado é quando o recém-nascido tem
um irmão que pode ser salvo caso haja compatibilidade genética. "Mas,
nessas situações, os próprios bancos públicos fazem a coleta", explica a
hematologista Andrea Kondo, do Hospital Albert Einstein
Quantas unidades de
sangue de cordão já foram usadas no Brasil para tratar doenças?
Nos bancos públicos, 135 das 12.000 unidades armazenadas foram doadas para
transplante de medula. Nos privados,
apenas oito entre mais de 45.600 unidades tiveram utilidade: cinco delas para
uso em parentes (mediante autorização da Anvisa) e apenas três para uso da
própria criança. Em um desses casos, o paciente apresentava leucemia e não resistiu
ao tratamento. Nos
outros dois, de paralisia cerebral, os resultados não foram divulgados.

Nenhum comentário:
Postar um comentário