Do G1, em São Paulo
Morador de
rua de São Paulo há mais de 30 anos, Raimundo Arruda Sobrinho, 73, reencontrou
a família depois de um perfil criado para ele no Facebook. Em setembro de 2011,
um de seus quatro irmãos, Francisco Tomaz Arruda, que vive em Goiânia (GO),
encontrou por acaso na internet sua página na rede social.
O perfil de
Raimundo no Facebook foi criado por Shalla Monteiro, moradora da região onde
ele vivia há quase 19 anos, no Alto de Pinheiros, zona oeste de São Paulo. Raimundo
não entrava em contato com a família desde a metade da década de 1980. Ele saiu
de casa para estudar em São Paulo no início dos anos 1960.
Sem
informações precisas sobre sua localização, a família de Raimundo sempre buscou
notícias sobre ele na internet. Durante todos esses anos, Raimundo já apareceu
em revistas, jornais, programas de TV e inclusive documentários. “Mas a maioria
do material era antigo e não informava sua localização exata”, conta Josangela
Roberta, mulher de Francisco.
Em setembro de 2011, Roberta buscou na
internet o nome de Raimundo para mostrar uma foto dele para a filha de
Francisco. Ao fazer a pesquisa na web, elas localizaram o perfil de Raimundo no
Facebook, que havia sido criado por Shalla há menos de dois meses.
“Conheci
Raimundo em maio de 2011. Acho que foi amor à primeira vista. O que mais me
chamou a atenção foi a paz e a tranquilidade que ele transmite”, conta Shalla,
que criou a página no Facebook dez dias depois do aniversário de 73 anos de
Raimundo, comemorado em 10 de agosto com bolo e presentes. “Criei o perfil como
uma forma de dar reconhecimento e afeto para uma pessoa com a qual eu estava
muito envolvida”, diz. Antes de criar a página no Facebook, Shalla explicou
para Raimundo o que é internet e mídias sociais, e pediu sua autorização. “Ele
apenas me disse: ‘se você quer perder tempo com um mendigo’”.
Ao
encontrar Raimundo na rede social, Roberta levou um susto. “Mandamos
imediatamente uma mensagem questionando quem havia feito a página, já que
Raimundo era morador de rua”. Shalla logo entrou em contato com a família para
dar todas as informações.
“Eu nunca
imaginei que encontraria a família pelo Facebook, mas eu sabia que haveria
alguma repercussão. Durante o tempo que convivi com ele, notei a grande popularidade
de Raimundo, que sempre era cumprimentado por moradores, policiais e inclusive
crianças”, diz Shalla.
Primeiro encontro
Duas
semanas depois do primeiro contato, Francisco desembarcou em São Paulo para
reencontrar Raimundo pela primeira vez depois de mais de 20 anos. “O Facebook
foi muito útil, pois quem criou o perfil tentou ajudá-lo”, opina Roberta.
Francisco passou dois dias inteiros com Raimundo, que se disponibilizou a
voltar para Goiás.
Poema 'Missão', de Raimundo Arruda
Sobrinho:
Andar pelo
sem fim interior
Catar da geometria todas as tintas que ela
consumiu e esmaeceram
Depois, a matéria de tudo que a natureza
modela
Restam as formas vazias".
No fim de
novembro, Roberta saiu de Goiânia em direção a São Paulo de carro para
buscá-lo. “No momento que cheguei lá, ele disse que não queria voltar para não
dar trabalho, pois já está velho”, relata Roberta. A família já tinha preparado
um quarto para receber Raimundo com toda a estrutura necessária, inclusive com
computador. Segundo Roberta, Raimundo diz escutar vozes que falam que ele ainda
não está preparado para voltar. “Ele me disse que é um ser estragado
socialmente e que não consegue mais conviver em um ambiente familiar”, relata
Shalla.
Dias
depois, Roberta buscou ajuda para tirar Raimundo das ruas no Ministério Público
de São Paulo, que pediu um dossiê com informações sobre a história de Raimundo.
A resposta chegou dois meses depois. Em uma reunião no Centro de Atenção
Psicossocial (Caps) em 30 de março, a remoção foi agendada para 23 de abril.
Nesse dia, Raimundo foi transferido ao Caps do Itaim, onde ele está até hoje.
Na última quarta-feira (23), ele completou um mês fora das ruas.
No início, Raimundo precisou tomar vitaminas,
pois estava muito magro. Agora, ele vai cortar o cabelo e trocar a capa de
plástico que veste até hoje. “Raimundo nunca quis usar roupa porque ele não
tinha onde tomar banho. Ele fala que roupa traz fungos e bactérias, e o
plástico não, principalmente o preto, que ainda o mantém aquecido”, conta
Roberta.
História
Antes de ir para São Paulo, na década de 1960,
Raimundo morou na casa de amigos de seus pais em Carolina (MA). Ele sempre quis
estudar, e a cidade onde nasceu, Piacá (TO), era muito rural e sem estrutura.
Depois de alguns anos, Raimundo resolveu ir para a capital paulista dar
continuidade aos estudos no Ensino Médio.
Segundo Francisco, Raimundo foi morar na casa
de amigos da família. Depois de alguns anos, esse casal mudou de cidade e
Raimundo ficou sozinho. Conforme o irmão, foi a partir daí que ele deixou de
mandar notícias. “Ele escrevia muitas cartas amorosas para os meus pais, uma
vez por mês. Ele chegou a mandar presentes para a minha mãe. O último foi uma
máquina de costura. Depois, ele sumiu”.
Em São
Paulo, Raimundo foi vendedor de livros e jardineiro. “Na página do Facebook tem
pessoas que lembram quando ele foi jardineiro da família”, conta Shalla. Os
irmãos ainda não descobriram como Raimundo foi parar nas ruas. Conforme Shalla,
Raimundo pagava 1,6 mil cruzeiros de aluguel para morar em um quartinho. “Mas
chegou um momento em que a renda era menor que o aluguel. Quando Raimundo se
deu conta disso, foi morar na rua”.
Na década
de 1980, Raimundo participou de um programa de TV e foi reconhecido por um
amigo da família, que pagou uma passagem de avião para que Raimundo fosse até
Goiânia, onde Francisco viu o irmão pela primeira vez. “Ele ficou na cidade
quase 20 dias, mas não gostou e pediu para voltar para São Paulo”, conta
Francisco. Um dos irmãos de Raimundo, então, comprou uma passagem de ônibus
para que ele retornasse à capital paulista. Desde então, a família perdeu
contato com Raimundo novamente.
“Antes do
reencontro em 2011, quando você questionava Raimundo se ele tinha família, ele
respondia que era uma pessoa só. Depois, quando Shalla mostrou uma foto dos
irmãos e colocou na mão dele, Raimundo reconheceu na hora, mesmo após anos sem
vê-los, principalmente Francisco e sua irmã gêmea, que eram bebês quando ele
saiu de casa”, conta Roberta.
Poemas
Raimundo sempre escreveu poemas, mas nunca se
autodenominou um poeta, segundo Shalla. “Eu o considero um poeta da vida. Ele
inclusive tem um estilo literário nas minipáginas em que escreve. Raimundo
sempre assina do mesmo jeito e todos os poemas são datados”, conta.
Conforme Shalla, o sonho de Raimundo sempre
foi publicar um livro. “Ele escreve o mesmo poema em diversas minipáginas e
coloca um número de série atrás”. Shalla diz que essa pode ser a forma que ele
encontrou para “publicar” um livro, já que entrega o mesmo poema para diversas
pessoas.
Outra curiosidade é que Raimundo sempre coloca
em seus poemas a data 1999 mais o número que, somado, chega ao ano atual
(1999+13=2012). Shalla explica que esse é o jeito que Raimundo gosta de
registrar o ano de seus poemas.
Um dos objetivos de Shalla ao criar o Facebook
era mostrar o trabalho de Raimundo. “Eu queria usar a tecnologia das redes
sociais para aproximar esses mundos diversos, para que as pessoas observem os
moradores de rua com outros olhos, para que elas prestem atenção que é possível
encontrar outros talentos como Raimundo”, diz.
Raimundo nunca escondeu que seu grande sonho
sempre foi publicar um livro. “Ele conta que chegou a ir a várias editoras, que
não lhe deram atenção”, diz Shalla. Depois de voltar a conviver com a família,
o próximo passo será concretizar o sonho de Raimundo, segundo Roberta. “Já
estamos preparando tudo para que ele volte e vamos lutar para publicar um livro
dele”.
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