Do Blog do Magno
Nunca um artigo repercutiu tanto no Estado quanto o
do secretário da Casa Civil, Tadeu Alencar, publicado no Jornal do Commercio,
na edição de domingo passado.
Com o título "Elogio à inocência, ele mergulha
profundo numa amizade de infância em Juazeiro (CE). Confira abaixo o texto que
está provocando o maior titii nas rodas políticas e fazendo o maior sucesso nas
redes sociais:
"Caríssimo Glauco,
não sei exatamente em que ano nos conhecemos.
Talvez em 1973. Você era o menino bonito da turma. Pele clara, olhos fugazmente
esverdeados, traços afilados, inteligente, fleugmático, conhecido.
Tanto assim era que fui seduzido por seu charme e
ficamos amigos.
Minha infância está marcada pelo seu quarto, pelos
seus brinquedos. Ontem ao falar-lhe senti o desfile de 30 anos de fantasmas.
Quanta importância aquelas batalhas de bonecos, os
soldados americanos, garbosos em seus uniformes e cavalos brancos. Lembro dos
primeiros livros – “Éramos muito menos e muito mais que seis” – que nos abriram
o fantástico mundo da literatura.
Lembro do seu “kichute”, do seu andar diferente,
nas romarias na Av. Dr. Floro, dos óculos escuros de aviador que até hoje
protegem meus olhos. Nessa época eu nem imaginava a importância de Floro na
história de Juazeiro.
Tampouco poderia avaliar que Juazeiro era um lugar
tão marcadamente especial. Por que não tínhamos aulas sobre milagres, beatos,
cangaceiros, santos, revoluções, fanáticos e levitas?
Possa lembrar da coroação da virgem em que a escola
se postava em adoração e em que, ingênuo, apanhava as pétalas de rosa do chão
para jogar novamente sobre a imagem de “Maria”, quando alguém me repreendeu: -
Não se joga à Virgem pétalas apanhadas do chão!
Foi aí que vi que o mundo era diferente. Nada de
ser espontâneo, simples, direto. Mas você era diferente: a sua sofisticação era
atraente, sedutora. Lembro de quando fomos ficando adolescentes: a acne, os
pelos, a música. Os melhores dias de férias eram os em sua casa.
A casa nova e pelas estantes o Capitão América
(azul), Thor (amarelo), Namor (verde), Hulk (verde), homem-aranha (azul e
vermelho ). Hoje estão misturados com o cinza desfocado da distância.
As cartas, as fotos, as namoradas, as pessoas, os
amigos. Ah, os amigos! Viagem ao centro da terra foi a minha entronização no
mundo dos adultos. Rick Wakeman, o primeiro profeta. Kraftwerk já nos falava de
máquinas e de computadores. Tão longe, tão perto.
Depois disso, acho que nos vimos menos do que merecíamos.
Senti sua falta no meu casamento.
Você foi o único que enxergou a minha mais
entranhada vocação.
Cativa-me a vida asceta, o silêncio das clausuras,
a formação humanista dos seminários, o recolhimento dos conventos, a pregação
de um Deus que se apiede de nossos aviltantes pecados.
Outra parte são as ruas, as tabernas, os bordéis, a
poesia, o Carnaval... Tudo em mim, num pobre corpo, no mais exauriente dos
duelos, na mais intestina das antíteses. O Asceta e o toureiro. Meu bom e velho
amigo, como é bom ouvir a sua voz, participar de sua inquietude, da sua
mansidão, do seu comportado desespero.
A vida – às vezes – é insípida como comida de
hospital, como se nos alimentássemos de um bife estranho, no curso de uma
moléstia incurável. Mas existe a arte. E ela nos salvará.
A arte e os amigos lançarão raios de sol no
estômago da alma e nos sentiremos aquecidos, quase saciados, com os olhos
brilhantes e os lábios entreabertos diante da beleza das estrelas e de um sol
que caminha sobre a terra, só para os que, como nós, vivemos escavando o solo
que outros julgaram esgotado.
Saiba que em Pernambuco, mais precisamente no
Recife, nos Engenhos de Santana, onde ainda há pássaros, sapos e corujas,
haverá sempre um conhaque forte e um velho tinto à sua espera.
Se tiver vontade de matar alguém venha matar a sede
que cometeremos o homicídio em massa de todas as tristezas.
Tadeu Alencar é procurador da Fazenda Nacional e Secretário da Casa
Civil

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