O escritor-mirim inventou título, deu nome aos personagens e ainda idealizou a ilustração da capa e do resto das páginas. Foto: Blenda Souto Maior/DP/D.A Press. |
Sentado em uma poltrona no canto
da sala de estar, Arthur Basílio Pereira assiste concentrado a um documentário
no canal pago Discovery Chanel no apartamento onde mora, na Madalena, no
Recife. O menino de apenas 11 anos mantém uma rotina de hábitos e comportamento
incomuns para uma criança. Admirador de carros antigos, fã dos Beatles e músico
(leia-se: toca bateria, teclado, guitarra, baixo…), ainda encontra tempo (e
habilidade) para escrever. É autor de uma história inusitada que virou um bloco
de papel de 255 páginas publicado pela Editora Livrinho de Papel Finissímo na
Bienal de Pernambuco deste ano, O credo Lane. O escritor-mirim inventou título,
deu nome aos personagens e ainda idealizou a ilustração da capa e do resto das
páginas.
A queda pela escrita surgiu bem
antes. Filho dos bancários Lucivânia e Valdir Pereira, Arthur assustou a mãe
quando, aos 8 anos, apareceu com uma redação de seis páginas que havia feito
para uma tarefa do colégio. “Nunca havia procurado um psicólogo, mas, desta
vez, eu fui mostrar o texto para uma amiga que trabalha na área e ela ficou
impressionada. Sempre observei os talentos de Arthur. Desde cedo, ele se mostrava
apto a aprender rápido e começou a ler muito”, declarou a mãe.
A redação motivou a criança a
escrever a primeira história sozinho. Sentado na cadeira amarela de rodinhas do
quarto, o garoto conversa como gente grande. “Não mostrei o livro a ninguém
porque eu não queria que ficassem dando ‘pitaco’. ‘Ah, faça isso, faça aquilo.’
Mesmo que a ideia fosse boa, queria escrever sozinho”, confessa Arthur. De
acordo com ele, a ideia para o enredo da história foi inspirado em O vendedor
de sonhos, do psiquiatra e escritor de livros mais ligados à auto-ajuda Augusto
Cury. “O meu livro preferido dele é O colecionador de lágrimas, que não está
aqui”, diz, ao tirar da cabeceira da cama o exemplar de um dos livros do
escritor.
Ao contrário do que possa ser
típico para uma criança escrever, a obra de Arthur passa longe de ser uma
reunião de contos ou de histórias com temáticas infantis. A trajetória do
protagonista Tom Marcel envolve conflitos políticos, debates de temas como
humildade, respeito e caminhada em busca de justiça. Os termos e as construções
textuais usados pelo garoto flertam com uma narrativa madura. Há frases
complexas e recheadas de ensinamentos intelectuais e interpretativas.
Do alto da janela do seu quarto,
no 20º andar, se mostra antenado com temas sociais. E utiliza frases de Nelson
Rodrigues para comentar os protestos na cidade. “Eu não queria ir para os
protestos, porque, como disse Nelson Rodrigues, o brasileiro adora reclamar,
mas, na hora de melhorar, bom, quem nunca furou um sinal vermelho?”.
Arthur coleciona miniaturas de
carrinhos clássicos (especial o modelo amarelo do Ford Crown Victoria que
adquiriu em Nova York), já se apresentou em vários teatros do Recife e ainda
tem tempo para jogar no Xbox de vez em quando. Nas prateleiras, expõe um altar
com imagens de santos, um boneco do mestre Yoda, de Stars Wars, e uma foto onde
aparece ao lado do avô falecido recentemente. A cabeceira da sua cama é repleta
de gibis e brinquedos, já não usados. Sina de uma vida dividida entre a
infância e os primeiros passos na literatura.
Depoimentos
"O livro de Arthur chegou à
editora através do projeto Publique-se, na Bienal. Editar a história dele foi
um desafio porque buscamos preservar a narrativa original. Respeitamos o modo
como escreveu. Queríamos vê-lo mesmo como criança. No mundo da tecnologia, é
incomum ver uma criança lendo um livro, quem dera escrevendo. No Recife, só
conheço Arthur e uma criança autista (Diogo Calife), que escreveu e desenhou o
próprio livro.”
Leta Vasconcelos - editora da
Livrinho de Papel Finíssimo
"Com certeza, é um talento
precoce, pessoa privilegiada. Mais crianças devem se sentir aptas a escrever
diante de exemplos como esse. A partir do momento em que o pai ou a mãe mostram
a criança a importância da leitura, ela se sentirá disponível a escrever mais.
Não conheço o caso de Arthur pessoalmente, mas tenho certeza de que ele teve
esse estímulo.”
Fátima Quintas, presidente da
Academia Pernambucana de Letras
Leia um trecho do livro:
“Admito que não é uma besteira
ser um intelectual pensador. Muitos dizem que é perda de tempo, enquanto muitos
dominam empresas, cidades, estabelecimentos, e até um viaduto, enquanto um fica
pensando, explicando, com o punho apoiando a parte inferior do seu queixo.
Desde que nasci, ou melhor, de
que aprendi a viver com fé, assisti meu pai fazendo ações de um intelectual,
rezar, pensar, meditar, contemplar. Isso é ser um mestre. É velejar no universo
de ternura e calma e entrar em contato com o Transcendente. Ser intelectual é
viver uma vocação de honra que fica na mente por toda a sua vida. Ser
intelectual é apreciar a vida de uma forma exótica. Ser intelectual é saber
viver sem tabu, viver na paz para sempre. Ser intelectual é aceitar o seu
destino e segui-lo. Ser intelectual é procurar ser o que a pessoa é.”
Diario de Pernambuco
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