Foto: Festival de
Montreaux/Divulgação
|
“Ela ficou chorando o tempo todo.
Talvez tenha antevisto a importância que teria essa música, coisa que não
percebi”. É o que conta Henfil sobre a primeira vez que ouviu a fita cassete
com O bêbado e a equilibrista, a convite de Elis Regina. Pouco tempo depois, a
canção de João Bosco e Aldir Blanc se tornaria o maior sucesso do disco Essa
mulher, de 1979, e ganharia o apelido de “Hino da Anistia”.
Depois de pronta, Elis chamou
novamente o cartunista para lhe mostrar o resultado. “Quando acabou a música,
percebi que a anistia ia sair”, revelou em depoimento registrado na biografia
da cantora. A canção que pedia “a volta do irmão do Henfil” (o sociólogo e
ativista Hebert José de Sousa, o Betinho, a essa altura exilado no México)
começava a mobilizar mais gente para a causa. Os comícios que reuniam 500
pessoas, segundo Henfil, passaram a contar com 5 mil.
- Liguei para Betinho e disse:
agora temos um hino, e quem tem um hino faz uma revolução.
O bêbado e a equilibrista foi a
faixa de maior sucesso do disco Essa mulher, de 1979
Em entrevista sobre o lançamento
do disco Essa mulher à Rádio Nacional do Rio de Janeiro no mesmo ano, Elis
Regina comentou a escolha:
- De repente pode ser um
empurrãozinho a mais na questão. A gente não pode perder as chances, as brechas
tem de ser ocupadas.
Além de classificar a composição
como o casamento perfeito da dupla João e Aldir, Elis acreditava que a canção
era o retrato do Brasil de então.“Grande parcela da população anseia encontrar
um Carlitos desses e sonha não ver mais nem Marias nem Clarices chorando”,
defendia ao citar versos do samba que podem fazer referência a Clarisse Herzog,
mulher do jornalista Vladimir Herzog, morto por maus-tratos nas dependências do
DOI-Codi em 1975.
Ouça os comentários da cantora
sobre a gravação de O bêbado e a equilibrista
A volta do irmão do Henfil -
Betinho voltou ao Brasil em setembro de 79, após oito anos de exílio. O
ativista deixou o país em 71 e permaneceu dois anos no Chile, onde atuou como
assessor do então presidente Salvador Allende. Com o golpe militar que levou o
general Augusto Pinochet ao poder, Betinho procurou asilo no Panamá e,
posteriormente, no Canadá e no México. No seu retorno, havia ainda dúvidas se
Betinho seria preso ou não. Henfil descreve a chegada:
- Todas as pessoas levaram um
gravador com a fita da música. Era uma tocação de “O bêbado e a equilibrista.
Até os policiais ficaram tocados. No mesmo dia levei meu irmão ao Anhembi para
o show da Elis.
Homenagem a Chaplin – Embora
tenha se tornado um marco do momento político brasileiro, O bêbado e a
equilibrista nasceu para homenagear Charles Chaplin, que havia morrido dois
anos antes do lançamento, em 1977. Em entrevista à Associação Brasileira de
Imprensa concedida em 2007, o letrista Aldir Blanc relembrou a história:
- Quando o Chaplin morreu, o João
me chamou na casa dele e disse que havia feito um samba, cuja harmonia tinha
passagens melódicas parecidas com “Smile” (do filme “Tempos modernos”),
propositalmente construídas para que homenageássemos o cineasta. Só que,
casualmente, encontrei o Henfil e o Chico Mário, que só falavam do mano que
estava no exílio. O papo me deu um estalo. Cheguei em casa, liguei para o João
e sugeri que criássemos um personagem chapliniano, que, no fundo, deplorasse a
condição dos exilados. Não era a idéia original, mas ele não criou caso e
disse: “Manda bala, o problema é seu.”
Agência Brasil * Com informações da biografia Furacão Elis,
de Regina Echeverria (Editora Globo, 1998)
Nenhum comentário:
Postar um comentário