Carolina Leão, da Folha de
Pernambuco
Antes de nascer, Camila Dias, de
6 anos, já tinha uma minibiblioteca. “Fez parte do enxoval”, contou a mãe,
Regina Dias. Antes de dormir, ela e a irmã, a pequena Manuela, de 1 ano, ouvem
histórias contadas por Regina. Os passeios incluem livrarias, espetáculos
teatrais e contação de história. Na casa desta família, tablets não são
protagonistas. Salvos em ocasiões especiais, a mãe deixa Camila utilizar o
equipamento. No tempo livre, as duas brincam juntas, com atividades manuais e
desenhos. “Estamos fazendo uma festa de Halloween, ela participa de tudo.
Quando vamos a um aniversário, fazemos cartões. Hoje, ela diz que eles são mais
importantes do que os presentes, pois foram feitos por ela”, disse Regina.
Camila faz parte da Geração Touch
screen, aquela que já cresce baixando aplicativos e brincando com os aparelhos
eletrônicos portáteis. No entanto, a própria Geração touch screen tem provocado
uma volta de brincadeiras e brinquedos populares, que estimulam de forma lúdica
e criativa a imaginação e a sociabilidade. Os livros com pop up, isto é,
recursos interativos, também integram uma linha comercial na qual os reflexos e
os recursos cognitivos se relacionam à descoberta do fantástico universo da
criança e seu próprio corpo explorando sensações, sons e texturas.
Escritor, ilustrador, ator e
palhaço, Luciano Pontes, do grupo Doutores da Alegria, diz que sempre teve
dificuldade com brinquedos “solitários”, como os automotivos, em que a
interação é substituída pela observação, muitas vezes passiva, da criança.
“Como artista, vejo nas brincadeiras populares uma interação maior entre a
criança e o brinquedo. Ele conta, por exemplo, a experiência do Doutores da
Alegria com menores hospitalizados. “Em todos os jogos em que há uma interação
com o movimento, elas se divertem muito mais. Quando há essa interação física,
o envolvimento no jogo é muito maior, mesmo que a criança tenha dificuldade por
conta de problemas de mobilidade ou equipamentos que a impeça de andar. Dessa
forma, o jogo tende a ganhar muito mais. Elas riem com facilidade, pois
estabelecem uma relação coma ação, a música e a coreografia”, descreveu.
Atriz, poeta e contadora de
história, Mariane Bigio trabalha com brincadeiras populares e cantigas, em seu
espetáculo, e destaca que esse dinamismo provoca diversos tipos de
aprendizados, como a reflexão, a imaginação, o compartilhamento e o respeito ao
outro. “A brincadeira é a matéria-prima da infância. A gente aprende a usar a
cabeça, a imaginação. Cria cenários, obstáculos e soluções de maneira
intuitiva”, acredita Mariane.
Já o arquiteto Silvano Santana
virou empreendedor depois do primeiro filho quando percebeu as poucas opções de
jogos interativos e educativos para crianças. Há 4 anos, criou a Zeppelin, onde
comercializa jogos e brinquedos, com destaque para os confeccionados em
madeiras. “Os brinquedos de madeiras estimulam o desenvolvimento e participação
da criança no jogo. É uma forma da criança se expressar, seja sua personalidade
ou seus sentimentos”, colocou.
Novos hábitos, grandes desafios
Crianças aprendem imitando os
pais. Nada mais natural para elas do que procurar diversão nos aparelhos eletrônicos,
assim como fazem os adultos, hoje, dependentes das mídias digitais. A
tecnologia desponta como uma nova fase de um novo momento dos jogos como
aprendizado e lazer. Mas o jogo e a brincadeira são, antes de tudo, movimento
do corpo, estímulo à sociabilidade e à imaginação recriada a partir da
influência da cultura popular. Livros, cantigas, brincadeira e brinquedos que
estimulam a criatividade de forma simples podem ser aliados dos pais no
processo de amadurecimento da criança.
A psicopedagoga Fátima Lucas, do
Colégio Construindo, esclarece que o aumento do número de crianças que adotam o
hábito dos eletrônicos como lazer vem como consequência de uma nova adaptação
da família ao pouco tempo que lhe resta para as brincadeiras coletivas. “Eles
usam o que podem por conta da correria do cotidiano. Mas, se por um outro lado,
os aparelhos eletrônicos, como tablets e smartphones, estimulam o raciocínio
lógico, por outro, têm criado uma resistência das crianças em lidar com a
brincadeira pura e simples”, explicou. Para ela, o desafio está no controle do
tempo empregado da criança em brincadeiras eletrônicas, que podem provocar
sedentarismo e dificuldade em vivenciar a sociabilidade de forma mais plena. A
psicopedagoga indica o compartilhamento dos jogos simples como peças de montar
ou mesmo um passeio num parque como uma forma da família se aproximar também
afetivamente.
O que aconteceu com o cotidiano
da professora universitária Adriana Santana, mãe de Maria Nina, de 10 anos,
Maria Helena, 8, e Pedro, de 8 meses. Ela precisou adaptar as primogênitas a
uma nova realidade: a mudança da família para um condomínio afastado do centro
urbano. “No começo, elas tiveram muita resistência. Mas quando perceberam a
liberdade que podiam ter elas se transformaram”, contou Adriana.
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