domingo, 12 de outubro de 2014

De volta às brincadeiras e brinquedos tradicionais

Carolina Leão, da Folha de Pernambuco

Antes de nascer, Camila Dias, de 6 anos, já tinha uma minibiblioteca. “Fez parte do enxoval”, contou a mãe, Regina Dias. Antes de dormir, ela e a irmã, a pequena Manuela, de 1 ano, ouvem histórias contadas por Regina. Os passeios incluem livrarias, espetáculos teatrais e contação de história. Na casa desta família, tablets não são protagonistas. Salvos em ocasiões especiais, a mãe deixa Camila utilizar o equipamento. No tempo livre, as duas brincam juntas, com atividades manuais e desenhos. “Estamos fazendo uma festa de Halloween, ela participa de tudo. Quando vamos a um aniversário, fazemos cartões. Hoje, ela diz que eles são mais importantes do que os presentes, pois foram feitos por ela”, disse Regina.

Camila faz parte da Geração Touch screen, aquela que já cresce baixando aplicativos e brincando com os aparelhos eletrônicos portáteis. No entanto, a própria Geração touch screen tem provocado uma volta de brincadeiras e brinquedos populares, que estimulam de forma lúdica e criativa a imaginação e a sociabilidade. Os livros com pop up, isto é, recursos interativos, também integram uma linha comercial na qual os reflexos e os recursos cognitivos se relacionam à descoberta do fantástico universo da criança e seu próprio corpo explorando sensações, sons e texturas.

Escritor, ilustrador, ator e palhaço, Luciano Pontes, do grupo Doutores da Alegria, diz que sempre teve dificuldade com brinquedos “solitários”, como os automotivos, em que a interação é substituída pela observação, muitas vezes passiva, da criança. “Como artista, vejo nas brincadeiras populares uma interação maior entre a criança e o brinquedo. Ele conta, por exemplo, a experiência do Doutores da Alegria com menores hospitalizados. “Em todos os jogos em que há uma interação com o movimento, elas se divertem muito mais. Quando há essa interação física, o envolvimento no jogo é muito maior, mesmo que a criança tenha dificuldade por conta de problemas de mobilidade ou equipamentos que a impeça de andar. Dessa forma, o jogo tende a ganhar muito mais. Elas riem com facilidade, pois estabelecem uma relação coma ação, a música e a coreografia”, descreveu.

Atriz, poeta e contadora de história, Mariane Bigio trabalha com brincadeiras populares e cantigas, em seu espetáculo, e destaca que esse dinamismo provoca diversos tipos de aprendizados, como a reflexão, a imaginação, o compartilhamento e o respeito ao outro. “A brincadeira é a matéria-prima da infância. A gente aprende a usar a cabeça, a imaginação. Cria cenários, obstáculos e soluções de maneira intuitiva”, acredita Mariane.

Já o arquiteto Silvano Santana virou empreendedor depois do primeiro filho quando percebeu as poucas opções de jogos interativos e educativos para crianças. Há 4 anos, criou a Zeppelin, onde comercializa jogos e brinquedos, com destaque para os confeccionados em madeiras. “Os brinquedos de madeiras estimulam o desenvolvimento e participação da criança no jogo. É uma forma da criança se expressar, seja sua personalidade ou seus sentimentos”, colocou.

Novos hábitos, grandes desafios

Crianças aprendem imitando os pais. Nada mais natural para elas do que procurar diversão nos aparelhos eletrônicos, assim como fazem os adultos, hoje, dependentes das mídias digitais. A tecnologia desponta como uma nova fase de um novo momento dos jogos como aprendizado e lazer. Mas o jogo e a brincadeira são, antes de tudo, movimento do corpo, estímulo à sociabilidade e à imaginação recriada a partir da influência da cultura popular. Livros, cantigas, brincadeira e brinquedos que estimulam a criatividade de forma simples podem ser aliados dos pais no processo de amadurecimento da criança.

A psicopedagoga Fátima Lucas, do Colégio Construindo, esclarece que o aumento do número de crianças que adotam o hábito dos eletrônicos como lazer vem como consequência de uma nova adaptação da família ao pouco tempo que lhe resta para as brincadeiras coletivas. “Eles usam o que podem por conta da correria do cotidiano. Mas, se por um outro lado, os aparelhos eletrônicos, como tablets e smartphones, estimulam o raciocínio lógico, por outro, têm criado uma resistência das crianças em lidar com a brincadeira pura e simples”, explicou. Para ela, o desafio está no controle do tempo empregado da criança em brincadeiras eletrônicas, que podem provocar sedentarismo e dificuldade em vivenciar a sociabilidade de forma mais plena. A psicopedagoga indica o compartilhamento dos jogos simples como peças de montar ou mesmo um passeio num parque como uma forma da família se aproximar também afetivamente.


O que aconteceu com o cotidiano da professora universitária Adriana Santana, mãe de Maria Nina, de 10 anos, Maria Helena, 8, e Pedro, de 8 meses. Ela precisou adaptar as primogênitas a uma nova realidade: a mudança da família para um condomínio afastado do centro urbano. “No começo, elas tiveram muita resistência. Mas quando perceberam a liberdade que podiam ter elas se transformaram”, contou Adriana.

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