Após um 2014 de quedas acentuadas
nas vendas, produção e exportações, o setor automotivo brasileiro ainda deve
amargar alguns efeitos da crise durante 2015, mas poderá começar a ensaiar uma
recuperação. Apesar de terem graus de otimismo diferentes sobre quando essa
retomada de fato vai se firmar, tanto dirigentes de montadoras quanto de
associações representativas do setor contam com a nova legislação que facilita
a retomada do bem como principal aliada nesse processo. O amparo legal, na
visão do setor, deverá ajudar a aquecer as vendas no mercado interno,
compensando perdas de um ajuste fiscal prometido pelo governo, como o fim da
redução da alíquota do Imposto sobre Produtos Indústria (IPI).
Pelo lado das vendas externas, o
setor pretende ampliar acordos comerciais para minorar prejuízos da crise na
Argentina, principal destino das exportações brasileiras de automóveis.
"Em 2015, não ocorrerão fatores de restrição que tivemos em 2014, como os
feriados no primeiro semestre, o clima negativo de confiança na economia e a
Copa do Mundo, que acabou desviando a atenção do comércio e das vendas",
afirma o presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos
Automotores (Anfavea), Luiz Moan, ao justificar o otimismo na previsão de uma
retomada do setor já em 2015, diferente da maioria dos presidentes de
montadoras, que acreditam em uma recuperação somente a partir de 2016.
Moan defende que, se o ritmo do
segundo semestre deste ano for mantido, "fecharemos 2015 com números
bastante positivos contra 2014". Até novembro, contudo, produção, vendas e
exportações acumulam quedas de 15,5%, 8,4% e 29,9%, respectivamente.
Para Moan, a nova lei que poderá
diminuir de um ano para até dois meses o processo de retomada de bens com
atraso em financiamento será o "grande trunfo" para o setor
automotivo, principalmente a partir de 2015. A legislação entrou em vigor em
novembro. O presidente da Federação Nacional de Distribuição de Veículos
Automotores (Fenabrave), Flavio Meneghetti, prevê com isso que os bancos
aumentem o apetite por riscos novamente e baixem o nível de restrições atuais
para a oferta de financiamento de veículos. A expectativa dele é de que o
volume de aprovação de contratos deverá aumentar até 20%, o que poderá
representar aproximadamente 30 mil veículos financiados por mês.
O possível aumento da concessão
de crédito deverá compensar a volta da alíquota cheia do IPI para automóveis a
partir de 1º de janeiro de 2015. Embora nos bastidores especule-se que o
imposto poderá ser recomposto de forma gradual, o presidente da Anfavea diz que
o governo tem reafirmado que vai subir a alíquota mínima para carros motor 1.0
dos atuais 3% para 7%, o que levará a um reajuste de até 4,5% no preço de
carros populares. Com as dificuldades do mercado, o setor tem cobrado a volta
do IPI zerado, apesar de reconhecer que isso é difícil diante do ajuste fiscal
prometido pelo governo para 2015. "Espero que continue o IPI, mas estamos
nos organizando para o aumento da alíquota a partir do próximo ano", diz o
vice-presidente da Ford América do Sul, Rogelio Golfarb.
Apesar de negar que a volta da
alíquota cheia do IPI será compensada por outro benefício, o presidente da
Anfavea pondera que o setor deverá continuar sendo ajudado pelo governo, mesmo
com o discurso de ajuste fiscal. Segundo ele, independentemente do comandante
da equipe econômica, o peso específico do setor facilitaria o diálogo.
"Somos quase um quarto do PIB do País", disse Moan, comentando que a
associação aguarda resposta de um pedido de encontro com os novos ministros da
Fazenda, Joaquim Levy, e do Planejamento, Nelson Barbosa. "É aquela coisa:
você vai matar a galinha dos ovos de ouro ou pegar os ovos?", brinca.
Acordos comerciais
A assinatura de novos acordos
comerciais também é outra aposta do setor para engatilhar uma recuperação.
Hoje, a Anfavea negocia acordos de livre comércio com a Colômbia e com o
México. Durante 2014, a associação participou de vários encontros com entidades
do setor desses países. De acordo com Moan, o objetivo é apresentar propostas
concretas para o governo brasileiro até o fim de 2015, para que os acordos
sejam fechados com os outros governos, e, com isso, diminuir a dependência em
relação à Argentina, destino de quatro em cada cinco carros exportados pelo
Brasil. Ainda no próximo ano, a Anfavea deve começar a negociar também com o
Uruguai.
Com o estímulo às vendas, o setor
tenta limpar os altos estoques e, com isso, retomar um ritmo maior nas
fábricas. Mesmo com a produção em queda durante o ano, em novembro ainda havia
414,3 mil unidades encalhadas nas fábricas e concessionárias do Brasil o
equivalente a 42 dias de espera. Por conta disso, nunca tantas montadoras
recorreram a lay-offs (suspensão temporária de contratos de trabalho), férias
coletivas e programas de demissão voluntária que, neste ano, foram adotados em
quase todos os meses, em uma espécie de rodízio entre a maioria das empresas
para driblar a ociosidade das fábricas. Com isso, até novembro, o número de
empregos no setor acumula queda de 7,9% ante mesmo período do ano passado, segundo
a Anfavea.
Com a possibilidade de retomada
do setor somente a partir de 2016, a associação está apoiando a negociação
entre centrais sindicais e o governo para aumentar os períodos de lay-off, dos
atuais cinco meses para até dois anos. Já as montadoras estão trocando os
habituais aumentos salariais acima da inflação por abonos (benefícios não
incorporados aos salários). Em alguns casos, empresas estão colocando em
votação proposta de redução da jornada de trabalhado acompanhada da redução de
salários, medida não adotada no setor há anos. Em São Bernardo do Campo, onde
atua o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, considerado um dos mais combatentes
do país, por exemplo, foi fechado um acordo na Mercedes-Benz que prevê quatro
anos seguidos sem aumento real.
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