Júlio Maria Agência Estado
Nem uma estratégia orquestrada em detalhes poderia ter seus nós tão bem amarrados. De repente, muita gente pensou em Elis Regina, e começou a agir. Em conversas com João Marcello Bôscoli, produtor musical e um dos filhos da cantora, a gravadora Universal já tem acertado para 2012 o relançamento dos 21 álbuns que Elis gravou pela companhia. Eles sairão em CDs individuais remasterizados e em duas caixas de luxo, com mais um CD de raridades cada.
“Já estamos bolando uma série de coisas em conjunto com João Marcello: site exclusivo com toda a discografia, relançamento dos álbuns em grande estilo e tudo mais que algo dessa magnitude mereça”, diz José Eboli, presidente da Universal.
Grande, mas só o começo. Uma ‘operação Elis’, com um documentário de seis horas de duração, exposição, biografia e shows da filha de Elis, Maria Rita, por cinco cidades do País, compõem um projeto maior, chamado Redescobrindo Elis. Uma captação aprovada pelo Ministério da Cultura permite a João Marcello obter até R$ 5,8 milhões com patrocinadores para as investidas, programadas para o segundo semestre de 2012. “Assim que fiz 40 anos resolvi que deveria realizar algo maior pela minha mãe. E no ano que vem serão completados 30 anos da morte de Elis”.
Ambicioso, mas não esgota o assunto. O fotógrafo Paulo Kawall, ‘apadrinhado’ por Elis aos 21 anos e que se tornou uma espécie de retratista oficial da cantora, anda por São Paulo com dois livros pesados em busca de patrocínio. São fotos exclusivas que Paulo tirou da artista, muitas vezes a pedido da própria, entre 1976 e 1982, em formatos gigantes para os padrões de livros assim – 30 cm por 40 cm. Em busca de patrocínio, Kawall não quer ceder às exigências da Lei Rouanet, pelas quais ele teria de mudar o formato e a feitura do livro para barateá-lo.
O mergulho mais profundo de Redescobrindo Elis está nas mãos do paulista Allen Guimarães, 44 anos. Em 2005, o então estudante de cinema em Uberlândia passou a seguir os rastros de quem quer que tivesse algo interessante a dizer sobre Elis Regina. Entrevistou quase 50 pessoas, dentre elas Gal Costa, Gilberto Gil, Marília Pera, André Midani, Milton Nascimento, Nelson Motta e Jair Rodrigues. Uma cena retirada daqui, uma fala a menos ali, e restaram ainda seis horas de imagens, nas quais ele se recusou a mexer. “Chegou a hora em que falei: ‘Vou fazer do jeito que eu quero’”.
O vídeo, batizado Como éramos Elises, seria apenas um trabalho para a faculdade antes de cair nas mãos de João Marcello. “Foi o que me motivou a fazer o projeto maior”, diz João. A princípio, sua exibição será apenas durante a exposição de Elis, em local ainda não definido. Dividido em seis partes de uma hora cada, o documentário não faz buscas na vida particular de Elis, a não ser nos momentos citados pelos próprios entrevistados. Mas uma das ‘Elises’ que ele traz é surpreendente.
A ENGAJADA
Elis Regina ardia bem mais do que pimenta nos olhos dos ‘gorilas’ da ditadura. “Gorilas” foi a forma como ela mesma se referiu aos militares brasileiros daquele 1969, em uma entrevista que lhe custaria caro, concedida a uma revista na Holanda. Dois anos depois, seria convocada a prestar depoimento no Centro de Relações Públicas do Exército (CRPE) para falar do episódio.
As conclusões dos militares sobre Elis constam em um documento reproduzido no livro que Guimarães pretende lançar junto com o documentário. Diz o relatório: “(Elis) é muito afeita a gravar músicas de protesto, inclusive ligadas ao movimento Poder Negro norte-americano, apesar de não demonstrar ligação com o mesmo”. Em outro trecho: “Mostra-se retraída, não participante de grupos, mesmo em festas ou reuniões sociais”. Elis desabafa em 1979 sobre o período a um jornal gaúcho não identificado por Guimarães. “Eu estava atônita que sabiam tudo da minha vida, porra. Dia tal, lugar tal, tal hora, você conversou com fulano... Até os números de cheques que eu mandava pra minha mãe em Porto Alegre, o número da conta...”
Mas Elis, a cantora que teria feito 66 anos na última quinta-feira, é o tema que predomina no documentário. Ivan Lins define: “Eu, Milton Nascimento, Edu Lobo, nós vivíamos compondo para Elis. Mesmo que ela não gravasse, isso fazia com que mantivéssemos o nível de nossas composições”. Nelson Motta explica a divisão de terras que Elis promoveu no canto brasileiro. “Antes de Elis, todos imitavam João Gilberto. Caetano, Chico, Gil, Gal Costa, Edu Lobo, Francis Hime, Dori Caymmi. Todo mundo cantava baixinho. Elis veio mostrar a potência da voz”.
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