Do Correio Braziliense
imagem: bahiaquiali.blogspot.com |
Entidades
médicas e órgãos regionais, liderados pelo Conselho Federal de Medicina (CFM),
protocolaram nessa segunda-feira uma carta na Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (Anvisa) protestando contra a decisão tomada pela agência reguladora
de adiar a votação da resolução que proíbe a adição de açúcares e
flavorizantes, como o mentol, na produção de cigarros. A sessão para definir a
questão está marcada para a próxima terça-feira.
No
documento, eles afirmam “perplexidade” e “inquietação” com o posicionamento do
órgão federal e revelaram preocupação com as futuras deliberações conduzidas
pela agência. “Não é admissível que uma agência do porte da Anvisa — que possui
corpo técnico altamente qualificado — possa dispensar as sólidas evidências
científicas e basear sua decisão na contramão dos interesses da saúde da
população”, diz trecho do manifesto, assinado pela Associação Médica Brasileira
(AMB), Federação Nacional dos Médicos (Fenam), Academia Nacional de Medicina
(ANM), Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT), Sociedade
Brasileira de Cardiologia (SBC), Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica
(Sboc), Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e Associação Brasileira de
Estudos do Álcool e outras Drogas (Abead).
A
Anvisa tem sofrido pressão de todos os lados. Em entrevista ao Correio, o
diretor da agência José Agenor Álvares da Silva revelou que a indústria de
cigarro, por meio da articulação de parlamentares, tem intensificado o lobby no
governo desde o início das consultas públicas, em novembro de 2010. Segundo
ele, na ocasião, a Anvisa foi chamada para uma série de reuniões na Casa Civil.
“O governo, que ratificou o acordo internacional da Convenção Quadro de
Controle ao Tabaco, não pode aceitar qualquer tipo de interferência desse setor
nas decisões e tampouco nas negociações. Já enfatizamos que era papel da Anvisa
regulamentar os produtos derivados de tabaco. Isso é lei”, relata o diretor.
Apesar
do posicionamento de Agenor, parlamentares da bancada sulista estão dispostos a
vencer o embate. Para isso, eles tentam se aproximar cada vez mais do
presidente da Anvisa, Dirceu Barbano. O deputado federal Luis Carlos Heinze
(PP-RS), inclusive, chegou a convidá-lo para conhecer as plantações de fumo e
as fábricas de cigarro na Região Sul do país. O presidente do órgão aceitou,
mas ainda não tem data para viajar. Nas últimas semanas, Heinze fez vários
apelos para que o presidente da agência reguladora concedesse mais tempo para a
discussão. “Pedi para o Barbano nos ouvir. Eles não conhecem o processo, falam
só de bibliografia. Como vai julgar sem conhecer o processo? É uma insanidade”,
critica.
Além
de Heinze, Barbano se reuniu com um grupo de parlamentares horas antes da
votação da Anvisa, realizada em 14 de fevereiro. No gabinete da senadora Ana
Amélia (PP-RS), ele ouviu os argumentos dos deputados federais Alceu Moreira
(PMDB-RS), Jerônimo Goergen (PP-RS) e Rogério Peninha Mendonça (PMDB-SC). Ao
votar pelo protelamento da decisão, Barbano afirmou que o documento da Anvisa
precisava de esclarecimentos. Porém, segundo José Agenor, esse debate está na
agenda regulatória da agência desde 2009. “Passamos todo 2010 trabalhando essa
legislação e tivemos um ano inteiro de consultas públicas”, ponderou o diretor.
No
discurso padrão dos parlamentares, eles afirmam não ter qualquer relacionamento
com as empresas de cigarro. Segundo eles, o compromisso é com as famílias de
pequenos agricultores que dependem inteiramente da renda obtida em contratos
com a indústria. “Há uma mobilização e um engajamento forte dos parlamentares
para que o governo se sensibilize com a situação dessas pessoas”, afirma o
deputado Peninha.
Na opinião do deputado Heinze, o governo precisa ter uma
posição mais firme, principalmente diante da crise mundial de empregos. “Essa
questão hoje não tem alternativa. A pobreza rural já afeta mais de 3,7 milhões
e o governo não consegue ajudar. Imagina se outras 300 mil famílias que plantam
fumo ficam sem renda?”, argumenta. A indústria tabagista movimenta, segundo a
Associação dos Fumicultores do Brasil, cerca de R$ 16 bilhões ao ano no país.
IMPASSE
No
último dia 14, a Diretoria Colegiada da Anvisa se reuniu para votar a resolução
que proíbe o uso de aditivos no tabaco. A direção chegou ao consenso de que os
aromáticos deveriam ser vetados, mas a questão da adição de açúcar gerou o
impasse que adiou a decisão. O carboidrato é utilizado em um tipo específico de
fumo produzido por mais de 50 mil famílias brasileiras. A resolução permite o
ingrediente por um prazo de 12 meses após a aprovação do texto, tempo para as
famílias se adequarem e para a agência decidir a proibição definitiva.
Três perguntas para
Anderson Silvestrini, presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia, confira:
O adiamento da decisão
da Anvisa de vetar os aditivos no tabaco surpreendeu as entidades médicas?
Sim,
a notícia causou apreensão porque, para a sociedade e as entidades de classe,
era uma decisão óbvia. Não se estava avaliando o que era melhor, os diretores
estavam apenas votando sabidamente que todo jovem e adolescente é atraído pelos
aditivos do cigarro, que mascaram o gosto ruim. A gente esperava um voto que
beneficiasse a sociedade.
Como o senhor vê o
combate ao tabagismo no país?
Está
claro que o Brasil tem dificuldades. O lobby é muito forte. A lei da extinção
dos fumódromos, por exemplo, é de 2008, e só agora foi aprovada. É curioso
porque o mundo inteiro tem clareza com relação aos malefícios do cigarro e a
indústria do tabaco tenta distorcer a informação. Antigamente, eles diziam que
a nicotina não causava dependência e agora tentam conseguir mais tempo para
fidelizar novos dependentes.
Alguns diretores da
Anvisa alegam que não está claro que o açúcar faz mais jovens fumarem. Qual a
sua opinião?
Não
há dúvidas de que aditivos e açúcar atraem mais os jovens e os adolescentes. O
aroma e o paladar são importantíssimos. Faço uma analogia com bebidas à base de
vodka com limão que são consumidas principalmente por esse público, porque têm
sabor melhor.
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