domingo, 20 de maio de 2012

A HISTÓRIA DE ALAÍDE ELIAS DA SILVA COM O PEQUENO RACHID

Do site Cabeleireiros Contra Aids
rachidparasempre.blogspot.com

A história de Alaíde Elias da Silva é uma de constante batalha. Desde os quatro anos, quando foi enviada para um orfanato, ela acredita que a família é a base mais importante na vida. Seu filho mais novo, Rachid, contraiu o vírus da aids durante uma transfusão de sangue quando tinha apenas nove meses e ela o perdeu. Mas isso não fez com que Alaíde desistisse da vida. Pelo contrário! A história que viveu com o pequeno Rachid tornou Alaíde uma mulher completamente engajada na luta contra a aids. Há 18 anos, fundou o Grupo Viva Rachid, em Recife (PE), uma casa de apoio a crianças soropositivas e suas famílias, com uma filosofia bem especial. Conheça a história desta incrível mulher e sua luta por um mundo mais bonito e saudável. Para conhecer mais sobre a Alaíde ou sobre o Grupo Viva Rachid, acesse: http://rachidparasempre.blogspot.com



CCA: Como começou seu envolvimento na luta contra a aids?
Alaíde: Meu envolvimento começou a partir do momento em que descobri a sorologia do meu filho [em 1986, quando pouco ainda se sabia sobre a doença]. Por causa da minha história de vida, eu já tinha muitas insatisfações políticas. Era como se eu fosse uma bomba prestes a explodir e, na verdade, o diagnóstico de Rachid - devido a um erro do sistema público de saúde - e tudo que ele viveu, foi como uma fagulha que pôs fogo em tudo.
 


CCA: Ele tinha quantos anos quando foi diagnosticado com aids?
Alaíde: Três anos e oito meses. Ele contraiu o vírus numa transfusão de sangue devido a uma internação hospitalar por sarampo, doença que ele teve aos nove meses, ou seja, antes do período de vacinação. Nesta data, ele contraiu o HIV, que depois evoluiu para aids. Durante a doença dele, cada coisa que acontecia que não era prevista era uma alerta pra mim. Eu me tornei muito crítica a partir do momento em que comecei a descobrir critérios formados sobre determinada situação que nem sempre faziam sentido. Por que meu filho não podia ser vacinado antes do período determinado? Ele podia contrair a doença mas não podia ser prevenido dela. Por que isso acontece? Quem deveria discutir estes critérios é a sociedade civil, porque somos NÓS que sabemos NOSSOS problemas. Rachid foi vítima da aids numa época em que os recursos eram poucos e não existia o coquetel, mas fomos atrás de todas as formas de tratamento possíveis, inclusive em outros estados, como São Paulo.






CCA: O que te motivou a continuar lutando após a morte do seu filho?
Alaíde: Acredito que tenha sido um apelo para manter ele no meu dia-a-dia. Esse sentimento é uma coisa muito verdadeira pra mim: era uma forma de manter meu filho vivo dentro da minha vida cotidiana. E também por causa da martirização de tudo que ele viveu. Eu não podia aceitar que ele morresse, fosse enterrado e depois tudo fosse esquecido. Ele viraria só mais uma vítima, um número. A luta dele foi referência para muita gente e foi ele que me deu coragem para encarar os jornais, segurando-o em meus braços, e contar a história dele. Foi uma revelação de mais uma falha do Estado, e conseguimos colocar ele como uma figura da vida real dentro desta falha. Afinal, a vítima maior foi ele.

Sem este trabalho, ele sem dúvida teria sido esquecido. Eu mantive a memória dele nesse trabalho para manter a figura dele viva, tanto para mim como mãe, como também para a população brasileira como brasão. Para que o Estado note suas falhas e que os políticos se sensibilizem e procurem melhorar a situação da saúde no País.





CCA: Sua história de vida é marcada pela superação de dificuldades. Desde muito jovem, quando foi viver num orfanato, você pode ver como é prejudicial a divisão de famílias em seus momentos de necessidade. Como esta filosofia – de manter a família unida – contribui para o tratamento da aids? Por que é importante os pais manterem-se presentes durante todas as etapas do tratamento?
Alaíde: Nós vemos o Viva Rachid como um apoio à casa, e não uma Casa de Apoio. Durante todo percurso dessa luta, 18 anos de Grupo Viva Rachid e 26 anos de luta contra a aids, o que eu notei, e o que se tornou a minha ideia e vontade maior, foi que crianças que perdem seus pais biológicos para a aids ou qualquer outra doença, devem ser acolhidos por familiares. Mesmo quando não há morte, há apenas uma impossibilidade dos pais cuidarem de seus filhos, os familiares devem acatar estas crianças para que permaneçam no vínculo familiar. Este é um grande ponto! Tentamos evitar o desmembramento da família. A criança deve ir para um lar adotivo apenas quando for esgotada a última instância de encontrar um parente para agregá-la. Isso faz com que a criança resgate sua fé, sua história, suas raízes, os precedentes de doenças crônicas, as tendências, a cor do olho, a sintonia, enfim, a referência como um todo. Estas referências não podem faltar para uma criança, pois são elas que dão força emocional e psicológica durante o tratamento da aids.




CCA: Como é feito o trabalho na Viva Rachid? A que tipo de acompanhamento e atividades os pais e filhos têm acesso?
Alaíde: O Viva Rachid opera como um programa de assistência. Nossas atividades são possibilitadas através de projetos de financiamento e doação de fundos, principalmente de editais para ONGs. Também recebemos apoio de empresas e doadores individuais e tudo isto nos ajuda a manter as portas abertas, pois não temos verba para nos auto-sustentarmos.

As famílias não ficam hospedadas aqui, pois não temos espaço para abrigar tantas pessoas e não acreditamos que seja benéfico separar as crianças de suas famílias. Os atendidos passam por aqui para receber algum tipo de apoio. Além de atendimento psicológico, terapia ocupacional e acompanhamento de assistentes sociais, as famílias recebem ajuda de leite, fralda, alimentos e outras necessidades básicas que venham a precisar em casa. Além disso, distribuímos camisinha a quem precisar. Também fornecemos atividades de lazer e cultura para as famílias, tanto dentro da ONG quanto fora dela. Já fizemos visitas ao Projeto Peixe-Boi, a museus em Pernambuco, a parques. São todas atividades que enriquecem a vida destas crianças.

A doação de leite tem um aspecto especial: o governo só proporciona leite em pó durante os primeiros 6 meses de vida da criança. Crianças com mães soropositivas não devem mamar diretamente do peito, pois aumenta o risco de transmissão do HIV através do leite materno. A partir deste 6º mês do bebê, nós passamos a suprir o leite em pó para as mães que não podem comprá-lo (grande parte das atendidas).


O número de pessoas atendidas varia muito. Recebemos pessoas novas diariamente, encaminhadas dos vários hospitais e centros de tratamento aqui em Pernambuco. Algumas passam por aqui pra pegar latas de leite, outras se envolvem durante mais tempo e participam das atividades. No momento, há cerca de 60 crianças soropositivas + seus pais. Como não abrigamos as famílias, temos uma abertura maior para receber novatos. Qualquer pessoa que chegar é bem vinda.




CCA: Que mensagem você deixaria para pais que estão lidando com o HIV em suas famílias?
Alaíde: Acho que a mensagem é a seguinte: como pai e mãe, temos a responsabilidade de defender nossos filhos e lutar pelos direitos deles, como também pelo direito coletivo – a partir da disponibilidade de cada um e da consciência política que cada um tem. Acho que a resolução de um problema social começa no pessoal de cada um de nós e que o compromisso que temos com o outro deve ser igual ao compromisso que temos com os nossos filhos. Devemos lutar pelo coletivo. E sempre lembrem-se que vocês não estão sozinhos.


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