sábado, 26 de maio de 2012

A VIDA MERECE TEMPO PARA ELA


http://revistaepoca.globo.com por Walcyr Carrasco
Sempre me espanto com a pressa dos outros. Vivo na ponte aérea Rio-São Paulo. Quando o voo é anunciado, é o estouro da boiada. Os passageiros correm em busca dos primeiros lugares na fila. Quem tem prioridade amontoa-se na frente. Já presenciei uma senhora com um filho pequeno ser expelida para fora da área VIP por um bando de executivos de terno e gravata, certamente preferenciais por milhagem.

Impossível entender tanta pressa no embarque. O lugar está marcado. Todo mundo vai sentar. Até para acomodar a bagagem de mão tenho problemas. Outro dia, uma senhora volumosa recusou-se a esperar enquanto eu botava a maleta lá em cima. E me amassou no corredor estreito. Quase derrubei a mala em sua cabeça.

 Quando o avião aterrissa, é pior que incêndio. Todos querem sair o mais rápido possível. Se estou no corredor, o passageiro do meu lado levanta-se e fica curvado, à espera de que eu abra caminho. A essas alturas, iniciou-se um empurra-empurra no corredor. Pegar minha bagagem é uma façanha. Desembarcar é mais fácil: os que estão atrás me atiram em direção à saída. E depois passam por mim correndo em direção à escada rolante. No avião, o povo já esqueceu a cortesia.

Já aconteceu comigo e outros amigos. O veículo de trás buzina quando a gente para no sinal vermelho! Depois o motorista xinga quando ultrapassa, como se o errado fosse eu! A estrada para o Litoral Norte de São Paulo tem só uma pista de cada lado. A velocidade é bem sinalizada, considerando as curvas, subidas, descidas. Adianta? Se sigo as placas, alguém cola atrás, me atiça para correr. Dá até medo! Diz um sábio, amigo meu:

– Trânsito é igual a capitalismo selvagem. Todo mundo quer passar por cima do outro.


Fui para a Bahia, no lançamento da minha novela Gabriela, inspirada no livro de Jorge Amado. Encontrei com outro escritor no final da tarde. Ele estava lá havia um dia. Relatou:

– Fui ao Pelourinho, à Igreja do Carmo, à dos Negros, à exposição da casa de Benin, à Fundação Casa de Jorge Amado, vi o acervo, olhei a casa da Gal Costa que agora vendeu e vai ser um hotel de charme, a do Caetano, conheci uma mãe de santo que me leu os búzios e disse que terei muito sucesso, almocei uma moqueca num restaurante típico, passeei na praia, conheci o Mercado Modelo, fui no trapiche, comi um acarajé que dizem que é o melhor daqui...
Já viajei assim, que arrependimento! Certa vez fui à Grécia com um grupo de amigos. Chegamos de noite em Santorini. Disparamos para os penhascos de manhã, observamos rapidamente os restos das construções de antigos espartanos, passamos pelas vitrines das lojas de suvenires sem tempo para entrar, voamos até as praias só para ver, sem poder mergulhar por causa da agenda, não almoçamos por falta de tempo e desmaiamos cedo nas camas para acordar às 4 da manhã e pegar um voo para Rodes, com conexão em Atenas. Repetimos a correria ilha após ilha.

 E os executivos? Tenho um amigo que marca dois, três almoços de negócio por dia. Come um pouco em cada um. Está tratando da úlcera. E o que é pior, com tanta pressa, dá para resolver alguma coisa?

 Já vi um sujeito se comportando como um boi furioso simplesmente porque uma senhora andava devagar a sua frente, no corredor do shopping. Esbarrou nela ao ultrapassá-la rapidamente. Gastar uns minutos a mais, que diferença faz?

 Todo mundo parece tão apressado que às vezes também sou compelido a resolver as coisas velozmente. Mas faço um esforço para me acalmar.

 Até hoje me arrependo da pressa na Grécia. Não conheci o povo, não me dei tempo para simplesmente desfrutar a viagem. Melhor seria ter ido para menos lugares. Quando vejo esses roteiros turísticos prometendo a Europa em 20 dias, dá uma preguiça!

 Nada é tão urgente que não possa esperar mais um pouco, penso eu. Ceder passagem a alguém, segurar a porta do elevador... Pequenas gentilezas criam um astral melhor, fazem com que a gente troque sorrisos. O maior beneficiado sou eu mesmo. A vida merece que a gente tenha tempo para ela.

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