A implementação da Lei de Cotas
pode mudar “radicalmente” a composição social da escola pública brasileira,
principalmente no ensino médio, e influenciar também na melhoria da qualidade
do ensino na rede pública. Na avaliação do coordenador-geral da Campanha
Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara, “as cotas colocam a escola
pública no centro do debate”.
“Acredito que em dois ou três
anos já veremos um aumento no número de matrículas das elites ricas nas escolas
públicas”, diz.
Pela Lei de Cotas, regulamentada
em outubro pelo Decreto nº 7.824, 50% das vagas em universidades e institutos
federais serão destinadas a alunos que tenham cursado todo o ensino médio em
escolas públicas. As seleções de ingresso já garantem para o próximo ano 12,5%
das vagas aos estudantes da rede pública. A Lei, que tem implementação gradual,
terá validade até 2022 e também considera critérios como renda familiar e raça.
A professora de políticas
públicas em educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Dalila
Oliveira, acredita que ainda é cedo para apontar os impactos que as cotas terão
na configuração da escola pública. Segundo ela, são necessários pelo menos três
anos para verificar a confirmação da tendência de mais matrículas por parte da
população mais rica. Caso isso ocorra, ela avalia que a qualidade do ensino nas
unidades públicas pode dar um salto de qualidade.
“Por enquanto, é apenas
especulação, mas caso a tendência se confirme, será um movimento favorável”,
avalia. “Afinal, pais mais escolarizados, com mais tempo, disposição e
condições materiais para acompanhar o desenvolvimento dos filhos e participar
da gestão escolar podem influenciar positivamente na escola”, completa.
Dados da Síntese de Indicadores
Sociais: Uma Análise das Condições de Vida da População Brasileira 2012,
divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) na
última quarta-feira (28), mostram que 8,6% dos estudantes do ensino médio
matriculados nas escolas da rede pública são de famílias cuja renda per capita
se situa na faixa dos 20% mais ricos do país. Na situação inversa, o índice é
menor: apenas 3,8% dos estudantes de famílias pobres estudam em escolas
particulares. Na rede privada, 53,2% dos estudantes do ensino médio pertencem à
faixa de renda mais rica.
Além do sistema de cotas, Daniel
Cara avalia que a implementação do Plano Nacional da Educação (PNE), que
tramita no Senado Federal, também vai influenciar na mudança do perfil
socioeconômico das matrículas na escola pública. “Em dez anos a gente deve
mudar as características da educação pública e a tendência é expandir a
matrícula nessa rede”, aposta Cara.
O PNE estabelece 20 metas
educacionais que o país deverá atingir no prazo de dez anos. A principal delas
é a que prevê um patamar mínimo de investimento em educação, a aplicação de 10%
do Produto Interno Bruto (PIB). Atualmente, os valores de investimento total em
educação, em relação ao PIB, passaram de 5,8% para 6,1%, de 2010 para 2011. O
investimento direto em educação em relação ao PIB subiu de 5,1% para 5,3% no
mesmo período.
A professora Dalila Oliveira, que
também é presidenta da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em
Educação, avalia que a convivência no ambiente escolar entre crianças e
adolescentes de diferentes classes sociais é enriquecedora, mas destaca a
necessidade de o país continuar avançando na redução das desigualdades sociais.
Professor da Universidade de São
Paulo (USP), o doutor em educação Rubens Barbosa acredita que as famílias não
vão abrir mão do ensino privado, caso tenham condição financeira suficiente.
Para ele, as cotas terão outro desdobramento na escola pública.
“Quem pode pagar, vai continuar
pagando porque [o ensino privado] faz parte de uma opção familiar. Eu acho que
o efeito mais significativo das cotas na escola pública será o estímulo a
estudantes negros que, antes, sem perspectiva de acesso ao ensino superior, nem
concluíam o ensino médio. Agora, muitos vão se esforçar para conseguir chegar
ao fim porque sabem que têm mais chances de entrar na universidade”, avaliou.
Para ele, as cotas garantem, uma
“inclusão inédita, com resgate de déficits culturais e históricos” no país.
Agência Brasil
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