Blog Reinaldo Azevedo
Análises políticas em um dos blogs mais acessados do Brasil
Oscar Niemeyer |
Até a madrugada deste sábado, o Bloco dos Sujos da
Subimprensa, a que eventualmente podem aderir subatores e até sub-radialistas,
fazia um escarcéu na rede atribuindo à VEJA o que EU havia escrito sobre
Niemeyer:
“metade gênio e metade idiota”. Só recorri a essa expressão porque
ela vem pronta de Millôr Fernandes ao qualificar um de seus amigos do
“Pasquim”. A metade de Niemeyer que justificava os crimes do stalinismo, das
Farc e de outros bandidos não era propriamente “idiota”.
O termo é muito sereno
para qualificar a sua militância e tem apelo quase poético quando a gente
lembra que ele considerava “um homem fantástico” o segundo maior assassino do
planeta em todos os tempos. Voltemos: os sujos gritavam: “Olhem o que a VEJA
disse; olhem o que VEJA disse…”
A
VEJA.com, o site, fazia a cobertura jornalística correta do evento, registrando
as reações no país, lembrando seu legado à arquitetura, o que se disse mundo
afora a respeito etc.
Tão logo a revista VEJA começou a chegar aos assinantes e às
bancas neste sábado, com a capa dedicada ao arquiteto; uma frase sua que ecoa a
Teoria da Forma, de Platão (“A função da forma é a beleza”); um texto bastante
eloquente de Gabriela Carelli sobre o que significou o seu trabalho para a
arquitetura mundial; fotos realmente espetaculares de suas “esculturas”
monumentais – um trabalho jornalístico de primeira que, em suma, exalta as
virtudes do artista –, aí os mesmos vigaristas que atribuíram à revista VEJA o
que EU havia escrito inverteram a chave: “Olhem lá, nem a VEJA apoia Reinaldo
Azevedo”; “a VEJA elogia Niemeyer; e agora, Reinado Azevedo?”.
Com efeito, a VEJA fez o melhor trabalho jornalístico que se
poderia fazer sobre o que EU, e nunca a revista, chamei a “metade gênio” de
Niemeyer. E o fez sem se descuidar – tema ausente na maioria das coisas que li
sobre o arquiteto – da crítica pertinente que se faz ao desconforto
proporcionado por suas obras de arte; sem ignorar que há uma tensão permanente
nas escolhas de Niemeyer entre a… função e a forma.
É inegável que o conjunto
do que publica a VEJA (10 páginas, incluindo a capa) resulta favorável a
Niemeyer. Há um pecado que o texto de Gabriela Carelli tem o bom gosto
adicional de não cometer: em nenhum momento, como cansei de ler nestes dias, a
ideologia professada pelo arquiteto foi considerada uma outra expressão de sua
generosidade intelectual.
A revisa optou por dar mais relevo, mais forma, mais
volume, mais espaço e mais voo interpretativo para o que eu, e não a revista,
chamei de “metade gênio” de Niemeyer.
E foi a primeira vez?
O site “Comunique-se”, que se ocupa de questões relativas à
imprensa, publicou um texto a respeito do barulho que provocou meu primeiro
post. Fui procurado nesta sexta pelo repórter Anderson Scardoelli. Ele queria
saber como eu via as reações etc. e tal.
Afirmei o óbvio: tratava-se de uma
polêmica artificial, ideologicamente orientada, provocada por aqueles que não
gostam mesmo é das coisas que escrevo sobre política, sobre o mensalão, sobre o
Rosegate (“Rose is a rose ia a rose is a rose”, não é mesmo, Lula?). Até
porque, lembrei ali uma outra vez, eu não havia, em momento nenhum, questionado
a obra de Niemeyer. Critiquei, sim, o fato de ele ter colocado seu gênio a
serviço de teorias homicidas.
Mas lembrei outra coisa na conversa com Sacordoelli, que ele
reproduziu assim (em azul):
A voz da Veja? Não só em relação à “metade idiota”, mas
também em outras ocasiões, uma questão que incomoda Azevedo é ver sua opinião
em determinados temas ser elevada, por parte dos críticos, a posicionamento
oficial da publicação da Editora Abril. “Nesse caso, por exemplo, nem sei o que
a Veja vai escrever sobre o Niemeyer. Se vão dar ou não ênfase ao lado comunista
dele”, diz ao comentar casos em que sua análise se opõe à da revista. “A
legalização do aborto de fetos anencéfalos: fui e sou contra, a Veja mostrou-se
favorável”.
Que coisa, não? Até hoje de manhã, eu seria apenas o verbo
armado da VEJA para dizer coisas horríveis sobre o bem, o belo e o justo. Como
a revista traz uma grande reportagem que destaca as qualidades da obra de
Niemeyer, aí, então, deixo de ser o mero pau-mandado para ser aquele “que ficou
isolado”.
Já há petralhas prevendo a minha demissão porque, dizem, a “alta
direção da revista” considerou que o “Reinaldo foi longe demais”. Ora sou um
estafeta que faz o que mandam; ora sou aquele que foi muito longe por conta
própria.
O que essa gente odeia, mesmo!, e a liberdade e a
pluralidade.
Vamos lá. Eu, de fato, na conversa com o “Comunique-se”,
citei o caso da legalização do aborto de anencéfalos como uma das diferenças
que tenho com a VEJA, que a considerou uma decisão correta. Também divergimos
quando surgiu o debate sobre pesquisa com células-tronco embrionárias.
Há
outros temas na área de comportamento, costumes, religião etc. que nos
distinguem. E daí? E NUNCA, NUNCA MESMO!, a direção da revista tentou fazer
qualquer gestão para que eu mudasse de ideia. Da mesma sorte, jamais me senti desconfortável
por ler na revista pontos de vista com os quais não concordo. Eu estou
preparado para conviver com os que pensam de modo diferente.
Se o meu trabalho consistisse em apenas reproduzir aquelas
que são as escolhas da revista ou do site, por que a VEJA.com abrigaria o meu
blog? A minha página pessoal está no site, agora sim, porque a revista, o site
e eu e eu partilhamos de valores que são anteriores a essas escolhas: defesa da
liberdade de expressão, defesa dos valores da democracia representativa, defesa
das liberdades individuais, defesa do estado de direito, defesa da liberdade de
mercado.
Nesse particular, de alcance geral, eu e VEJA convergimos, sim, sem
ressalvas. Pode haver alguma diferença no tom, o meu mais contundente, o que é
sempre mais fácil quando se é um só.
Ódio à liberdade
Os que estimularam a campanha do ódio contra mim na Internet
têm mesmo é ódio à liberdade. Com raras exceções, os que se apresentaram para
liderar o linchamento são os mesmos que estão atacando o Supremo Tribunal
Federal, que decidiu mandar José Dirceu dormir uns dias na cadeia — por coisas que ele fez, não por coisas que
ele não fez.
Os líderes dos linchadores são os mesmos que não se conformam com
o fato de eu ter feito com Lula o que a imprensa sempre fez com os que não eram
Lula: chamar amante de “amante”, não de “amiga íntima”.
Essa gente tem é ódio da liberdade. São os mesmos que estão
a pedir o tal “controle social da mídia”. Sonham com um mundo em que um
jornalista jamais diria que “Niemeyer é metade gênio e metade idiota”, mas
estaria igualmente proibido de dizer que José Dirceu foi condenado por liderar
uma quadrilha e por corromper pessoas. Niemeyer, para essa gente, foi só o
pretexto da hora.
A VEJA.com não abriga a minha página para que eu escreva o
que pensa a VEJA.com. Haveria pessoas com mais competência e conhecimento de
causa do que eu para expressar, se fosse o caso, as opiniões oficiais do site,
da revista ou da Editora Abril.
Rastejantes e violentos
É claro que essa gente não está acostumada a esse padrão. No
mundo deles, as coisas se dão de outro modo. O “comando” avisa qual é a causa
do dia, do mês, do ano, da década; decide quem tem de ser fuzilado. E é esse
comando que diz quem deve morrer – seguindo, aliás, o modelo de “Comitê Central”
das antigas organizações comunistas, tão admiradas por Niemeyer.
O dado nada
desprezível dessa organização criminosa é o farto financiamento com dinheiro
público. É o conjunto dos brasileiros que arca com o custo dessa militância.
Porque são, a um só tempo, violentos e servis, imaginam que aqueles que têm por
inimigos agem e reagem da mesma forma.
Voltando à questão central
Endosso pessoalmente a quase totalidade do que vai publicado
na VEJA sobre o que eu (e nunca a revista) havia chamado a “metade gênio” de
Niemeyer. Eu admirava essa metade, adicionalmente, por não ceder a, como
direi?, “modismos naturebas”; havia nele, parece-me, a noção muito clara de que
a arte é mesmo uma segunda natureza. É o que eu penso no particular. Talvez
pudesse dizer: “O mundo faça as árvores, que eu vou plantar alegorias em
concreto armado”.
Para saber o que escreveu “A VEJA”, é preciso ler o que está
na revista. Como sempre. A publicação não tem porta-vozes. Para saber o
Reinaldo escreve sobre Niemeyer, aborto de anencéfalos, pesquisas com
células-tronco embrionárias, Rosegate, lei anti-homofobia, furacões, comida
japonesa, “Bolero” (o de Ravel) ou a Pipoca Corintiana, aí é preciso ler o
blog.
Dele já saíram três livros, todos,
felizmente, muito bem-sucedidos. E está claro lá que os textos são MEUS, não da
revista VEJA.
Eu exaltei, nunca é demais lembrar, já no texto original,
aquele de 2006 (!!!) a “metade gênio” de Niemeyer. E deplorei a metade idiota.
Os que decidiram mover uma campanha contra mim na Internet o fizeram porque não
admitem a hipótese de que o entusiasta de Stálin – um homicida fanático –
pudesse, por isso, ser chamado de “idiota”.
Não é que achem que sua obra o
perdoa, não! É que, na maioria das vezes, também eles acreditam que o normal,
afinal de contas, é matar os inimigos.
Eu existo porque existe a liberdade de imprensa e porque a
ideologia de Niemeyer perdeu. Eles existem porque existem os que querem
destruir a liberdade de imprensa.
Num outro post, que fica para mais tarde, eu
vou explicar o que livrou o nosso maior arquiteto de ser um autor de ruínas. Eu
vou explicar por que a derrota da metade idiota preservou, para o bem da
arquitetura, a metade gênio.
Por Reinaldo Azevedo
Fonte: http://veja.abril.com.br
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