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Relembre o legado plural do
artista que completa 70 anos nesta quinta
Para qualquer grande fã de
futebol, a Copa do Mundo seria a ocasião perfeita para comemorar mais um
aniversário.
No entanto, Chico Buarque não é qualquer um e preferiu completar
os 70 anos, feitos nesta quinta (19), em Paris, onde se dedica ao seu novo
romance longe da histeria vivida pelo País neste momento. Curiosamente, o
período que marcou o auge da produção do compositor, na década de 1970, agora
parece ressurgir diante de uma nação dividida entre a empolgação de receber o
campeonato e a insatisfação com a atual situação do Brasil.
Chico, que deu voz à
bandeira de tantas causas, chega aos 70 anos de idade, e 50 de carreira, ainda
atual. Para homenagear a abrangência do trabalho do carioca, a Folha de
Pernambuco selecionou sete faces do compositor para ilustrar a sua relevância
para a cultura brasileira.
POLÍTICO - Chico foi o autor mais recorrente na crítica à Ditadura
Militar, principalmente por conta da sua habilidade em driblar a censura com
letras ambíguas. Muitas composições, como “Apesar de Você”, de 1970, só foram
associadas ao Governo depois de aprovadas, de modo que, por um período, todas
as músicas do cantor passaram as ser negadas pela censura. Foi quando surgiu o
pseudônimo de Julinho de Adelaide, através do qual o músico conseguiu despistar
os censores e aprovar títulos como “Jorge Maravilha”, dedicada ao general
Geisel. São destaques dessa face: “Cálice”, “Meu Caro Amigo” e “Tanto Mar”,
esta última uma homenagem à Revolução dos Cravos, em Portugal.
FEMININO - Quando Chico Buarque compôs a música “Com Açúcar, Com
Afeto” a pedido de Nara Leão em 1966, falou que a inclusão da faixa no disco
“Chico Buarque Volume II” havia recebido os vocais de uma mulher “por motivos
óbvios”. Na época, muitos consideraram a afirmação machista. No entanto, a
canção foi apenas o marco inicial da jornada do músico pelo universo feminino,
explorado em outras composições como “Teresinha”, “Olhos nos Olhos” e
“Tatuagem”. Vale salientar que o próprio Chico passou a interpretar suas
mulheres, assumindo os anseios e desejos femininos do seu tempo como poucos
homens se arriscaram. Foi regravado por grandes cantoras como Elis Regina,
Maria Bethania e Gal Costa.
MALANDRO / OPERÁRIO - Ao contrário do malandro dos anos de 1950, a
representação desse personagem nas letras de Chico Buarque não vive apenas de
samba e boêmia. A mudança do conceito de malandro nas músicas do autor são um
indicativo dos novos tempos, em que essa figura também vive sob a obrigação do
trabalho, como em “Vai trabalhar, Vagabundo!”. Vale destacar que o malandro é a
outra face do operário de músicas como “Cotidiano”, que mesmo dentro da rotina
opressora pode encontrar seus instantes de prazer, assim como o sujeito
desempregado vive em constante busca por ocupação.
TORCEDOR - Talvez o único tema que atravessa, discreta ou
abertamente, todas as vertentes da obra do autor. Torcedor assumido do
Fluminense, Chico nunca negou a sua paixão pelo esporte e não só dedicou
músicas inteiras ao assunto, em “O Futebol”, como também soube representar a
posição do tema a partir de perspectivas diferentes.
No ponto de vista da
mulher ansiosa, em “Com Açúcar, Com Afeto”, ou na visão do correspondente
brasileiro de “Meu Caro Amigo”, lá está o futebol, que atrasa a chegada do
marido em casa e que também distrai a nação de uma situação mais dolorosa. Além
disso, ainda se pode citar as tantas crônicas dedicadas ao esporte e a criação
do time Polytheama, para o qual organiza partidas até hoje.
CRONISTA - Apesar de ter escrito crônicas para O Pasquim, nos anos
de 1969 e 1970, quando estava exilado em Roma, o compositor também usava a
música para relatar os acontecimentos e refletir sobre o comportamento do
brasileiro, de modo que grande parte de suas canções funciona como crônicas do
contexto em que foram criadas.
Muitas composições foram resignificadas, como “Geni
e o Zepelim”, cujos dois personagens centrais se tornaram símbolos para a
vanguarda e a intolerância, respectivamente. As crônicas mais literais, que
possuem formato apenas em texto, podem ser lidas no site oficial do cantor-
como “Gritos e Sussurros” e “Com Meus Botões”.
DRAMATURGO - A atuação de Chico Buarque no panorama teatral surge
em 1965, quando assina a música de “Morte e Vida Severina”, texto de João
Cabral de Melo Neto, na montagem do Teatro da Universidade Católica (TUCA). Sua
estreia como dramaturgo ocorreria apenas três anos depois, com a peça “Roda
Viva”, cuja direção de José Celso Martinez Corrêa transforma a fábula, sobre a
fabricação de um ídolo através dos meios de comunicação de massa, num
espetáculo-manifesto. Sua obra teatral mais importante é “Gota d’água”, de
1975, um drama poético que se apropria do mito de Medéia para falar da
exploração de uma comunidade humilde pela especulação imobiliária.
ESCRITOR - O trabalho do músico na literatura é marcado por
polêmicas. Dois de seus romances, “Budapeste” (2004) e “Leite Derramado”
(2009), venceram o Prêmio Jabuti de Livro do Ano sem ter, no entanto, levado o
prêmio de Melhor Romance. A própria crítica literária é oscilante ao trabalho
ficcionalista de Chico Buarque.
No entanto, obras como “Estorvo” (1991) e
“Benjamin” (1995) foram elogiadas. Em 1974, escreve a novela pecuária “Fazenda
Modelo”, uma contundente alegoria sobre o Brasil agrário e cinzento da Ditadura
Militar. Atualmente, “Budapeste” é o representante brasileiro da World Cup of
Literature, projeto de uma universidade americana para divulgar a produção
literária dos países participantes da Copa. A obra de Chico venceu a primeira
“partida”, contra a camaronense Leonora Miano, autora de “Dark Heart of the
Night”.
Saiba mais
RELANÇAMENTOS - A Universal está relançando a caixa “De Todas as
Maneiras”, com 22 discos gravados por Chico entre 1967 e 1986. A gravadora
também pôs à venda no iTunes, nesta semana, o acervo digital que tem do autor.
BLU-RAY - Nos próximos meses, serão lançados em Blu-ray “Meu Caro
Amigo”, “Anos Dourados”, “À Flor da Pele” e “Saltimbancos”. Também pela
Universal, em outubro, sairão o CD e DVD da série “Samba Social Clube” com
gravações de Zeca Pagodinho, Alcione e outros sambistas.
Folha de Pernambuco
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