sexta-feira, 20 de junho de 2014

As sete faces de Chico Buarque

Reprodução/Internet
Relembre o legado plural do artista que completa 70 anos nesta quinta

Para qualquer grande fã de futebol, a Copa do Mundo seria a ocasião perfeita para comemorar mais um aniversário. 

No entanto, Chico Buarque não é qualquer um e preferiu completar os 70 anos, feitos nesta quinta (19), em Paris, onde se dedica ao seu novo romance longe da histeria vivida pelo País neste momento. Curiosamente, o período que marcou o auge da produção do compositor, na década de 1970, agora parece ressurgir diante de uma nação dividida entre a empolgação de receber o campeonato e a insatisfação com a atual situação do Brasil. 

Chico, que deu voz à bandeira de tantas causas, chega aos 70 anos de idade, e 50 de carreira, ainda atual. Para homenagear a abrangência do trabalho do carioca, a Folha de Pernambuco selecionou sete faces do compositor para ilustrar a sua relevância para a cultura brasileira.

POLÍTICO - Chico foi o autor mais recorrente na crítica à Ditadura Militar, principalmente por conta da sua habilidade em driblar a censura com letras ambíguas. Muitas composições, como “Apesar de Você”, de 1970, só foram associadas ao Governo depois de aprovadas, de modo que, por um período, todas as músicas do cantor passaram as ser negadas pela censura. Foi quando surgiu o pseudônimo de Julinho de Adelaide, através do qual o músico conseguiu despistar os censores e aprovar títulos como “Jorge Maravilha”, dedicada ao general Geisel. São destaques dessa face: “Cálice”, “Meu Caro Amigo” e “Tanto Mar”, esta última uma homenagem à Revolução dos Cravos, em Portugal.

FEMININO - Quando Chico Buarque compôs a música “Com Açúcar, Com Afeto” a pedido de Nara Leão em 1966, falou que a inclusão da faixa no disco “Chico Buarque Volume II” havia recebido os vocais de uma mulher “por motivos óbvios”. Na época, muitos consideraram a afirmação machista. No entanto, a canção foi apenas o marco inicial da jornada do músico pelo universo feminino, explorado em outras composições como “Teresinha”, “Olhos nos Olhos” e “Tatuagem”. Vale salientar que o próprio Chico passou a interpretar suas mulheres, assumindo os anseios e desejos femininos do seu tempo como poucos homens se arriscaram. Foi regravado por grandes cantoras como Elis Regina, Maria Bethania e Gal Costa.

MALANDRO / OPERÁRIO - Ao contrário do malandro dos anos de 1950, a representação desse personagem nas letras de Chico Buarque não vive apenas de samba e boêmia. A mudança do conceito de malandro nas músicas do autor são um indicativo dos novos tempos, em que essa figura também vive sob a obrigação do trabalho, como em “Vai trabalhar, Vagabundo!”. Vale destacar que o malandro é a outra face do operário de músicas como “Cotidiano”, que mesmo dentro da rotina opressora pode encontrar seus instantes de prazer, assim como o sujeito desempregado vive em constante busca por ocupação.

TORCEDOR - Talvez o único tema que atravessa, discreta ou abertamente, todas as vertentes da obra do autor. Torcedor assumido do Fluminense, Chico nunca negou a sua paixão pelo esporte e não só dedicou músicas inteiras ao assunto, em “O Futebol”, como também soube representar a posição do tema a partir de perspectivas diferentes. 

No ponto de vista da mulher ansiosa, em “Com Açúcar, Com Afeto”, ou na visão do correspondente brasileiro de “Meu Caro Amigo”, lá está o futebol, que atrasa a chegada do marido em casa e que também distrai a nação de uma situação mais dolorosa. Além disso, ainda se pode citar as tantas crônicas dedicadas ao esporte e a criação do time Polytheama, para o qual organiza partidas até hoje.

CRONISTA - Apesar de ter escrito crônicas para O Pasquim, nos anos de 1969 e 1970, quando estava exilado em Roma, o compositor também usava a música para relatar os acontecimentos e refletir sobre o comportamento do brasileiro, de modo que grande parte de suas canções funciona como crônicas do contexto em que foram criadas. 

Muitas composições foram resignificadas, como “Geni e o Zepelim”, cujos dois personagens centrais se tornaram símbolos para a vanguarda e a intolerância, respectivamente. As crônicas mais literais, que possuem formato apenas em texto, podem ser lidas no site oficial do cantor- como “Gritos e Sussurros” e “Com Meus Botões”.

DRAMATURGO - A atuação de Chico Buarque no panorama teatral surge em 1965, quando assina a música de “Morte e Vida Severina”, texto de João Cabral de Melo Neto, na montagem do Teatro da Universidade Católica (TUCA). Sua estreia como dramaturgo ocorreria apenas três anos depois, com a peça “Roda Viva”, cuja direção de José Celso Martinez Corrêa transforma a fábula, sobre a fabricação de um ídolo através dos meios de comunicação de massa, num espetáculo-manifesto. Sua obra teatral mais importante é “Gota d’água”, de 1975, um drama poético que se apropria do mito de Medéia para falar da exploração de uma comunidade humilde pela especulação imobiliária.

ESCRITOR - O trabalho do músico na literatura é marcado por polêmicas. Dois de seus romances, “Budapeste” (2004) e “Leite Derramado” (2009), venceram o Prêmio Jabuti de Livro do Ano sem ter, no entanto, levado o prêmio de Melhor Romance. A própria crítica literária é oscilante ao trabalho ficcionalista de Chico Buarque. 

No entanto, obras como “Estorvo” (1991) e “Benjamin” (1995) foram elogiadas. Em 1974, escreve a novela pecuária “Fazenda Modelo”, uma contundente alegoria sobre o Brasil agrário e cinzento da Ditadura Militar. Atualmente, “Budapeste” é o representante brasileiro da World Cup of Literature, projeto de uma universidade americana para divulgar a produção literária dos países participantes da Copa. A obra de Chico venceu a primeira “partida”, contra a camaronense Leonora Miano, autora de “Dark Heart of the Night”.

Saiba mais

RELANÇAMENTOS - A Universal está relançando a caixa “De Todas as Maneiras”, com 22 discos gravados por Chico entre 1967 e 1986. A gravadora também pôs à venda no iTunes, nesta semana, o acervo digital que tem do autor.

BLU-RAY - Nos próximos meses, serão lançados em Blu-ray “Meu Caro Amigo”, “Anos Dourados”, “À Flor da Pele” e “Saltimbancos”. Também pela Universal, em outubro, sairão o CD e DVD da série “Samba Social Clube” com gravações de Zeca Pagodinho, Alcione e outros sambistas.

Folha de Pernambuco

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