A história de 471 cientistas
perseguidos durante a ditadura militar foi pesquisada e, a partir de hoje (31),
pode ser consultada no site do Projeto Ciência na Ditadura. Esta é a primeira
fase do trabalho feito pelo pesquisador titular da Coordenação de História da
Ciência do Museu de Astronomia e Ciências Afins (Mast) Alfredo Tiomno
Tolmasquim e pelos professores Gilda Olinto e Ricardo Pimenta, do Instituto
Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (Ibict).
“Quando se completou 50 anos do
golpe militar em 2014, nós nos demos conta de que não existia um balanço do
impacto da ditadura militar na ciência brasileira. Existem muitos estudos de
qualidade do que aconteceu em uma ou outra universidade ou no Instituto de
Manguinhos da Fiocruz [Fundação Oswaldo Cruz], mas não havia um panorama
completo. Até para dizer quantos foram atingidos e qual impacto [a ditadura]
causou na atividade acadêmica do Brasil”, disse Tolmasquim à Agência Brasil.
Ele explicou que os cientistas
que foram perseguidos são de diversas áreas, por exemplo, da física, química,
matemática, de ciências políticas e da biologia. Para o pesquisador, o mais
triste é que entre eles há pessoas que tinham atividade política, alguns
professores universitários ligados a partidos políticos, outros ligados ao
governo João Goulart.
Além disso, segundo Tolmasquim,
existem os que não tinham atividades políticas, mas foram perseguidos por
críticas feitas ao regime em comentários a colegas na universidade. Isso, de
acordo com pesquisador, era suficiente para que fossem aposentados ou
prejudicados na vida acadêmica.
“Em 1965, na Universidade de
Brasília, houve um processo forte de demissões. Alguns professores não
concordaram e pediram demissão da UnB, muitos deles foram para outras
universidades, mas, em 1969, foram demitidos compulsoriamente em uma espécie de
revanchismo. Essa era uma característica deste período de repressão. Criar medo
e evitar que as pessoas expressassem as suas ideias”, acrescentou.
Tolmasquim acredita que, agora,
com a divulgação do site do Ciência na Ditadura, vai começar uma outra etapa da
pesquisa com a inclusão de novas informações que podem ampliar tanto o número
de atingidos pelo regime quanto acrescentar dados sobre os já identificados,
que foram presos, torturados, assassinados, exilados, demitidos, aposentados,
submetidos a inquéritos militares ou sofreram boicotes relacionados a trabalhos
científicos e intelectuais. “Tem o site, o e-mail ciencianaditadura@mast.br e a
página no Facebook ciencianaditadura. Eu imaginei que o grande atrativo seria o
site, mas errei. Na verdade, o número de visitas e de participações por meio do
Facebook tem sido muito superior”, disse.
O pesquisador revelou que,
durante o desenvolvimento do projeto, foram identificadas pessoas que sofreram
violações em sua trajetória acadêmica, como as que prestaram concurso ou
concorreram a bolsas de pesquisas e não foram chamadas porque estavam em uma
lista de procurados pelos órgãos de repressão. “A nossa ideia com este site é
recolher esses depoimentos e estas contribuições para que não fiquem
esquecidas”, explicou.
Ele citou o caso da professora do
Instituto de Química da Universidade de São Paulo (USP), Ana Rosa Kucinski
Silva e do marido Wilson Silva, em abril de 1974. Os dois, que integravam a
Ação Libertadora Nacional (ALN), foram dados como desaparecidos. A USP chegou a
afirmar que houve abandono de emprego. Somente no ano passado, com os trabalhos
da Comissão Nacional da Verdade, ficou comprovado que foram mortos por agentes
da repressão. “Foram assassinados e sumiram. São dois casos de pessoas que
foram desaparecidas”.
O projeto apontou ainda a
participação de pessoas de dentro das universidades que se aproveitaram do
momento de repressão para tirar vantagem. “Houve denúncias, e aconteceu na
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), na época Universidade do Brasil,
antiga Faculdade de Filosofia. Tinha um decano que denunciou um grupo de
desafetos como uma célula de comunistas dentro da universidade e, depois, se
provou que não era verdade. Tentou se aproveitar para ter um ganho acadêmico”,
disse.
Na avaliação de Tolmasquim, a
troca de informações é fundamental para a ampliação do trabalho e até para a
correção das informações. Ele citou o fato de um professor da Faculdade de
Medicina da USP, que tinha sido submetido a um inquérito policial militar. “Recebemos
uma mensagem de uma pessoa da faculdade dizendo que, na verdade, ele era
dedo-duro e acusou várias pessoas da faculdade que foram prejudicadas pelo
depoimento dele. Em função disso, retiramos o nome dele. A nossa informação era
parcial. Sabíamos que tinha passado pelo IPM [inquérito policial militar], mas
não sabíamos o que tinha acontecido a partir daí”.
O site foi lançado hoje, no dia
em que se completam 51 anos da instalação da ditadura militar. “Na verdade o
golpe militar foi em 1º de abril, mas terminou ficando na história como 31 de
março, porque começaram a dizer que não era verdade o golpe militar, porque era
1º de abril [conhecido popularmente como o dia da mentira] e, aí, os militares
trouxeram para 31 de março”, disse.
O pesquisador revelou também que,
quando os verbetes relativos a cada cientista estiverem mais consolidados, e
com mais informações, a ideia é publicar um livro. “Acho que é importante. A
nossa ideia é publicar um grande livro de cientistas perseguidos durante o
período da ditadura”.
Agência Brasil
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