Caroline
Lovell, fotógrafa de 36 anos, moradora de Melbourne, na Austrália, casada com
Nick, mãe de Lulu, de três anos, era defensora do parto domiciliar, chegando a
pleitear junto ao governo australiano reconhecimento profissional e remuneração
oficial às parteiras.
Prestes
a dar à luz, queria parir no conforto de seu lar. Logo após o nascimento de sua
filha, Zahra, em 23 de janeiro de 2012, parece que teve grande hemorragia, como
sugeriu o jornal inglês Daily Mail, que divulgou a triste notícia em 1º de fevereiro.
O caso ainda está sob investigação das autoridades australianas. Fato é que,
logo após o parto, ela evoluiu com parada cardíaca e foi levada pelos
socorristas ao hospital, que atestou sua morte no dia seguinte à internação.
"E
agora, José? A festa acabou, a luz apagou, o povo sumiu, a noite esfriou... E
agora José?".
Não
fosse apenas trágica, a morte de Caroline Lovell durante complicações de seu
parto domiciliar, bandeira defendida por ela (até o segundo fatal), reacende as
discussões sobre segurança no parto. Bem verdade que, nos últimos cinquenta
anos, no mundo em geral, e no Brasil em particular, a incidência de parto não
hospitalar reduziu-se vertiginosamente e hoje representa menos de 1% dos
nascimentos. Todavia, influências recentes, midiáticas e hollywoodianas, têm
apresentado a (falsa) percepção à sociedade da segurança do parto não
hospitalar.
A
verdade, e a despeito de controvérsias, é que o parto é a mais perigosa viagem
empreendida pelo Homem, pontilhada de riscos e surpresas, enquanto o feto
percorre o desfiladeiro materno. Os que militam a Obstetrícia bem o sabem, que
durante o acompanhamento de uma grávida em trabalho de parto, dito de baixo
risco, muitas situações clínicas podem complicar a parturição: sangramento,
elevação da pressão arterial materna, sofrimento fetal agudo e prolapso do
cordão umbilical. São todas situações que demandam atendimento médico imediato,
em local que possa oferecer tratamento adequado ao binômio materno-fetal: o
hospital. A verdade é que o conceito de parto de baixo risco é uma falácia,
pois a obstetrícia não é ciência de prognóstico, senão a arte de diagnósticos
sucessivos.
"E
agora, José? Está sem mulher, está sem discurso, está sem carinho... A noite
esfriou, o dia não veio, o riso não veio, não veio a utopia, e tudo acabou... E
agora, José?
De
certo, aqueles que advogam pelo parto não hospitalar, argumentam sobre os
elevados índices de mortes maternas que ocorrem com toda a estrutura das
maternidades. Certamente muito deve ser feito nesta seara: efetivar a
assistência pré-natal - identificando precocemente pacientes que precisam de
cuidados, melhorar a qualidade das maternidades - criando espaços de
acolhimento e ambiente confortável para parturição, qualificando
permanentemente seus profissionais, médicos e enfermeiras para atender com
qualidade às parturientes e remunerando-os de forma justa, fortalecer o sistema
de referência para os casos graves, garantindo suporte permanente à paciente.
Ainda assim, e a despeito das dificuldades pelas quais nossas maternidades
passam, elas são mais adequadas para garantir a segurança da grávida. É isso
que pensa a Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO) e a
Sociedade de Ginecologia e Obstetrícia do Estado do Rio de Janeiro (SGORJ),
lideranças permanentes em favor do parto seguro hospitalar. Da mesma forma
considera o Conselho Federal de Medicina (CFM) e o Conselho Regional de
Medicina do Estado do Rio de Janeiro (CREMERJ), fundamentais na luta da Causa
Médica contra o parto inseguro.
A
despeito disso tudo, parto não hospitalar programado continua acontecendo no
Brasil. No Rio de Janeiro ele também ocorre de forma indiscriminada, da Zona
Sul à Zona Oeste, entre mulheres com posses e outras mais desvalidas. Imaginem
o cenário, que rogo Deus nos livre, de uma destas grávidas apresentarem
complicações na hora do parto. Imaginem ter que ligar para uma ambulância
socorrer a parturiente e aguardar sua chegada... Mesmo se houver uma ambulância
parada no local do parto, imaginem o tráfego que ela terá que pegar, mesmo com
sirene ligada, para atravessar nossa cidade - pontilhada em obras para a Copa e
Olimpíadas - em busca de cuidados. Vale a pena correr este risco?
Estamos
de luto! Caroline Lovell, defensora do parto domiciliar, morreu por
complicações do parto após dar à luz em sua casa. Deixou marido e duas filhas.
É preciso que a sociedade reflita onde é mais seguro para suas mulheres parir.
"E
agora José? Se você gritasse, se você gemesse, se você morresse... Mas você não
morre, você é duro, José!"
Não
temos a autoridade literária de Drummond, nossa Arte é o Ofício de Cuidar, mas,
com licença poética, talvez seja hora de perguntar não ao José – que não morre,
mas àquelas que são ceifadas no momento mais lindo de suas vidas: a
maternidade.
E
agora Maria? E agora Maria...
Antonio Braga, professor PhD de Obstetrícia
da Universidade Federal Fluminense
Vera Fonseca, presidente da SGORJ e
diretora-executiva da FEBRASGO
Márcia Rosa de Araújo, presidente do
CREMERJ
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