sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Artigo: Parto em local não seguro: e agora José?


Da Assessoria de Comunicação do Cremepe.

Caroline Lovell, fotógrafa de 36 anos, moradora de Melbourne, na Austrália, casada com Nick, mãe de Lulu, de três anos, era defensora do parto domiciliar, chegando a pleitear junto ao governo australiano reconhecimento profissional e remuneração oficial às parteiras.

Prestes a dar à luz, queria parir no conforto de seu lar. Logo após o nascimento de sua filha, Zahra, em 23 de janeiro de 2012, parece que teve grande hemorragia, como sugeriu o jornal inglês Daily Mail, que divulgou a triste notícia em 1º de fevereiro. O caso ainda está sob investigação das autoridades australianas. Fato é que, logo após o parto, ela evoluiu com parada cardíaca e foi levada pelos socorristas ao hospital, que atestou sua morte no dia seguinte à internação.

"E agora, José? A festa acabou, a luz apagou, o povo sumiu, a noite esfriou... E agora José?".

Não fosse apenas trágica, a morte de Caroline Lovell durante complicações de seu parto domiciliar, bandeira defendida por ela (até o segundo fatal), reacende as discussões sobre segurança no parto. Bem verdade que, nos últimos cinquenta anos, no mundo em geral, e no Brasil em particular, a incidência de parto não hospitalar reduziu-se vertiginosamente e hoje representa menos de 1% dos nascimentos. Todavia, influências recentes, midiáticas e hollywoodianas, têm apresentado a (falsa) percepção à sociedade da segurança do parto não hospitalar.


A verdade, e a despeito de controvérsias, é que o parto é a mais perigosa viagem empreendida pelo Homem, pontilhada de riscos e surpresas, enquanto o feto percorre o desfiladeiro materno. Os que militam a Obstetrícia bem o sabem, que durante o acompanhamento de uma grávida em trabalho de parto, dito de baixo risco, muitas situações clínicas podem complicar a parturição: sangramento, elevação da pressão arterial materna, sofrimento fetal agudo e prolapso do cordão umbilical. São todas situações que demandam atendimento médico imediato, em local que possa oferecer tratamento adequado ao binômio materno-fetal: o hospital. A verdade é que o conceito de parto de baixo risco é uma falácia, pois a obstetrícia não é ciência de prognóstico, senão a arte de diagnósticos sucessivos.

"E agora, José? Está sem mulher, está sem discurso, está sem carinho... A noite esfriou, o dia não veio, o riso não veio, não veio a utopia, e tudo acabou... E agora, José?

De certo, aqueles que advogam pelo parto não hospitalar, argumentam sobre os elevados índices de mortes maternas que ocorrem com toda a estrutura das maternidades. Certamente muito deve ser feito nesta seara: efetivar a assistência pré-natal - identificando precocemente pacientes que precisam de cuidados, melhorar a qualidade das maternidades - criando espaços de acolhimento e ambiente confortável para parturição, qualificando permanentemente seus profissionais, médicos e enfermeiras para atender com qualidade às parturientes e remunerando-os de forma justa, fortalecer o sistema de referência para os casos graves, garantindo suporte permanente à paciente. Ainda assim, e a despeito das dificuldades pelas quais nossas maternidades passam, elas são mais adequadas para garantir a segurança da grávida. É isso que pensa a Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO) e a Sociedade de Ginecologia e Obstetrícia do Estado do Rio de Janeiro (SGORJ), lideranças permanentes em favor do parto seguro hospitalar. Da mesma forma considera o Conselho Federal de Medicina (CFM) e o Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro (CREMERJ), fundamentais na luta da Causa Médica contra o parto inseguro.

A despeito disso tudo, parto não hospitalar programado continua acontecendo no Brasil. No Rio de Janeiro ele também ocorre de forma indiscriminada, da Zona Sul à Zona Oeste, entre mulheres com posses e outras mais desvalidas. Imaginem o cenário, que rogo Deus nos livre, de uma destas grávidas apresentarem complicações na hora do parto. Imaginem ter que ligar para uma ambulância socorrer a parturiente e aguardar sua chegada... Mesmo se houver uma ambulância parada no local do parto, imaginem o tráfego que ela terá que pegar, mesmo com sirene ligada, para atravessar nossa cidade - pontilhada em obras para a Copa e Olimpíadas - em busca de cuidados. Vale a pena correr este risco?

Estamos de luto! Caroline Lovell, defensora do parto domiciliar, morreu por complicações do parto após dar à luz em sua casa. Deixou marido e duas filhas. É preciso que a sociedade reflita onde é mais seguro para suas mulheres parir.

"E agora José? Se você gritasse, se você gemesse, se você morresse... Mas você não morre, você é duro, José!"

Não temos a autoridade literária de Drummond, nossa Arte é o Ofício de Cuidar, mas, com licença poética, talvez seja hora de perguntar não ao José – que não morre, mas àquelas que são ceifadas no momento mais lindo de suas vidas: a maternidade.

E agora Maria? E agora Maria...

Antonio Braga, professor PhD de Obstetrícia da Universidade Federal Fluminense
Vera Fonseca, presidente da SGORJ e diretora-executiva da FEBRASGO
Márcia Rosa de Araújo, presidente do CREMERJ

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