Oi gente, tudo bem com vocês? Além de pesquisar informações para nos
mantermos atualizados, sempre procuro mensagens reflexivas ou histórias que nos
façam fugir um pouco da nossa vida atribulada, das desonestidades e da
violência que, infelizmente, insiste em ser uma realidade cada vez mais próxima
de todos nós. Pois bem, me deparei com esta história linda, de muitas provações,
força, coragem, perseverança, fé e determinação. Esta é a história de Eliana
Zagui, uma mulher forte e de muita personalidade. Irei apresentá-la em dois
capítulos: no primeiro, sua vida e no segundo, trechos de seu livro. Uma
história real que muito me emocionou e me fez repensar algumas prioridades em
minha vida. Espero que vocês gostem, reflitam e se emocionem, assim como eu. Um
abraço! Walkíria Araújo.
Da Revista Época – por Eliane Brum
imagem: revistaepoca.globo.com |
Aos 38 anos, Eliana Zagui, vítima de paralisia infantil, lança um livro
contando como foi crescer e tornar-se mulher na UTI do maior hospital do Brasil.
Eliana Zagui tinha 1 ano e 9 meses quando entrou no Hospital das Clínicas de
São Paulo. Vinha no colo dos pais, quase morta, vítima do último grande surto
de poliomielite que o Brasil enfrentou nos anos 70. Era 10 de janeiro de 1976.
Eliana viveu. Mas nunca mais deixou o hospital. Em 23 de março, ela completou
38 anos – mais de 36 deles passados entre as paredes de uma UTI do Instituto de
Ortopedia e Traumatologia (IOT) do HC.
Deitada numa cama, sem movimentos do pescoço para baixo, mas com todas
as sensações, Eliana reconheceu-se ali, viu o melhor e o pior do ser humano
ali. Respirando com a ajuda de equipamentos, com o orifício aberto no pescoço e
a cânula da traqueostomia, Eliana formou-se no ensino médio, aprendeu inglês e
também italiano, fez curso de História da Arte e tornou-se pintora. Em seu
mundo horizontal, conheceu o amor e também o desespero, tentou o suicídio e
testemunhou a morte daqueles que amava. É essa vida que Eliana nos conta no
livro que será lançado nesta terça-feira, 10 de abril, pela Belaletra Editora: “Pulmão de Aço – uma vida no maior hospital
do Brasil”. Eliana escreveu a maior parte do livro com a boca, agarrando
com os dentes uma espátula de garganta na qual é amarrada uma caneta. “Fiz
do meu caderno algo como um saco de soco de lutadores de boxe. Escrever no
papel é algo muito íntimo. Pude chorar, gritar, berrar, xingar, rir e gargalhar
das coisas ridículas e saudosas.”
O desejo de agarrar suas memórias a alcançou na forma de uma voz do
passado. A voz da enfermeira Fininha. Josefina Aparecida Saccani já tinha
encerrado seu turno naquela tarde do verão de 1976. Mesmo assim, continuava no
corredor do hospital de Jaboticabal, cidade próxima a Guariba, de onde o casal
tinha vindo em busca de socorro para a filha. Inconformada, Fininha tentava encontrar
uma carona para a menina que morreria naquela noite se não conseguisse chegar
ao Hospital das Clínicas, na capital. A enfermeira esbarrou com seu vizinho
Tercílio, que havia levado um funcionário ao hospital para suturar a mão.
Implorou por uma carona. Em setembro de 2002, quase três décadas depois, Eliana
atendeu ao telefone e escutou a voz de Fininha. A enfermeira nunca soube o nome
da menina cuja vida salvou. Mas jamais foi capaz de esquecer a garotinha loira
de olhos tristes. A voz de Fininha devolveu o passado à mulher que Eliana havia
se tornado.
Assim começou o livro: “Pulmão de
Aço”. Pulmão de Aço é uma máquina grande, parecida com um forno, onde
pessoas com insuficiência respiratória eram colocadas, ficando só com a cabeça
de fora. Eliana teve de fazer a traqueostomia e ligar-se para sempre a um
respirador artificial. “Minha capacidade de sobrevivência fora do
aparelho de respiração é bem limitada. No máximo três ou quatro horas. Aprendi
já crescida a respirar com o que me resta dos pulmões – e isso exigiu grande
esforço”, conta no livro. Devagar, porém, foi descobrindo que em seu
corpo frágil e insuficiente morava mesmo um pulmão – e uma vontade – de aço. O
pulmão resistia aos pedaços – à vontade, por inteiro.
“Estagnei por uns três ou quatro anos, pois o assunto que estava
escrevendo era sobre a Eliana mulher, a Eliana desejo, a Eliana apaixonada e a
Eliana sexo. Embora o sexo esteja um pouco mais liberal, ainda é um tabu para
as mulheres e homens que têm alguma deficiência física. Muitos ainda nos veem
como seres assexuados e intocáveis para uma relação amorosa. Não queria que
ficasse uma coisa besta e boba de uma mulher apaixonada que só vive no mundo da
lua e que espera um príncipe, num cavalo preto ou branco, que jamais existirá e
chegará ao quintal do HC.”
imagem: revistaepoca.globo.com |
Eliana só pode contar com a boca, por isso, quando a escrita de suas
memórias começou a causar muitas dores nos dentes e no maxilar, o dentista foi
peremptório: ela precisava continuar a escrever no computador. Ainda que seja
com a boca, com a ajuda da espátula e da caneta, a pressão sobre os dentes e o
maxilar é menor ao apertar as teclas do notebook que ao forjar letras no papel.
“Escrever
no computador é algo muito frio e mecânico demais, mas, infelizmente, não tive
outra opção. Continuar a escrever o livro no computador foi uma droga, no
início. Eu não continuei de onde parei no caderno, eu digitei tudo o que já
tinha escrito e continuar daí é que foi horrível.” Eliana continuou.
Ao continuar, recuperou mais do que o seu passado. Devolveu uma alma ao
que tinha sobrado apenas como estatística. Entre 1955 e o final da década de
70, houve 5.789 internações por pólio no Hospital das Clínicas. De todas as
crianças atingidas com severidade, sete restaram na UTI do Instituto de
Ortopedia e Traumatologia. Restaram porque não melhoraram o suficiente para
voltar para casa, restaram porque não pioraram o suficiente para morrer.
Paralisados de quase tudo, em camas lado a lado, estes sete cresceram e
adolesceram entre as paredes do hospital: Pedro, Anderson, Tânia, Luciana,
Cláudia, Paulo e Eliana. E foram morrendo, não apenas porque o corpo se tornava
cada vez mais devastado pela paralisia, pela insuficiência respiratória e pelas
infecções, mas porque era brutal se tornar adolescente numa cama.
Tanto Eliana (38), quanto Paulo (44), poderiam viver em casa, com o
apoio do hospital, se tivessem uma família para onde ir. Essa possibilidade
nunca chegou perto de virar realidade. As visitas dos familiares são raras – e
sem abraços. “Pulmão de aço” é o livro de Eliana, mas também é de Paulo. Com
sonhos de cinema, Paulo tornou-se designer gráfico e hoje começa a trabalhar
com animação digital. Juntos, eles desafiam as estatísticas da medicina, a
textura de graveto dos ossos, seus pulmões exaustos, o abandono, a falta, as
ausências. Eliana e Paulo vivem porque desejam. O ar lhes falta, mas a vida
eles engolem às golfadas.
É por isso que este não é um livro de pena. Perguntei a Eliana que
repercussão ela esperava de “Pulmão de Aço” e me deparei com uma personalidade
forte e um olhar agudo: “O que fica muito latente, em todo ser dito
‘normal’, é o vício de linguagem, ao dizer: ‘Você é um exemplo de vida’. Penso
que todo ser humano, além de ser exemplo de vida ao seu modo, tem que viver na
prática o exemplo que é. Mas não só para se beneficiar do outro porque se
livrou de uma depressão, de uma tentativa de suicídio, das desgraceiras que
poderia ter feito caso não tivesse ouvido uma história como a minha e a de
Paulo, ou a de qualquer outro deficiente. Não somos bengalas e nem amuletos da
sorte”.
Este não é um livro de pena porque Eliana não permite que seja. Ela diz:
“O
tamanho de minha ansiedade não é possível numerar em grau, pois oscila
bruscamente tanto para 0,00000% como para 3.000,000000001%. É uma contagem
louca e muitas vezes sem nexo, como tenho brincado nesses últimos tempos.
Lançar meu primeiro livro e ainda ser no próprio hospital em que vivo há
(quase) 37 anos é uma cesariana megaprogramada. Embora estarei rodeada de
médicos, das mais variadas especialidades – enfermeiras, técnicos de
enfermagem, todas as especialidades que há dentro desse Instituto de Ortopedia
e Traumatologia – o parto será só meu. Como o Paulo disse, outra pessoa não
poderia escrever essa história, pois só eu vivi, chorei, gritei, aprendi e
cresci junto com ele e com os outros que também foram nossa família, mas Deus
levou”.
Eliana e Paulo, sempre às voltas com o comprimento da vida, tornaram-se
capazes de dar largura à sua existência. Na apresentação do livro, em letra
cursiva, Eliana diz: “Se fisicamente não posso andar, em minha
mente sou capaz de voar sem limites”. E ela, assim como Paulo, voa. Acredito
que a escrita, se tem uma função, não é a de apaziguar o leitor. A escrita tem
de perturbar, cutucar, às vezes até ferir para lembrar que somos vivos, que
sangramos e que nossa história está sempre em curso. Acho que o livro escrito
por Eliana Zagui faz isso. Arranca-nos do lugar e nos leva para um universo
que, sem a narrativa, jamais alcançaríamos. É por isso que é um bom livro.
Porque Eliana Zagui tem uma história (e que história!) para contar. E a contou
com verdade.
Os leitores desta coluna terão um pequeno grande privilégio, o de
conhecer alguns trechos do livro com exclusividade. Quem quiser conhecer o
livro inteiro, pode encomendar pelo site da editora: www.belaletra.com.br. E, a partir do dia 10/4, também poderá
comprar nas principais livrarias do país e, pela internet, nos sites de venda
de livros. Escrito na primeira pessoa, com uma tiragem inicial de 5.500
exemplares, o livro deverá ter ainda um segundo lançamento, desta vez numa
livraria. Eliana sonha com dar autógrafos entre prateleiras de livros – fora do
hospital e além das quatro paredes.
Um comentário:
Valzinha só mesmo vc uma mulher de rara sensibilidade e amor ao próximo para nos presentear com esta história emocionante e linda. Um bjão amiga Vânia
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