domingo, 3 de junho de 2012

"O GRANDE DESAFIO DO BRASIL É A EDUCAÇÃO BÁSICA", DIZ MEMBRO DO TODOS PELA EDUCAÇÃO

Do Diário de Pernambuco
imagem: janeayresouto.com.br

A educação é a chave do crescimento econômico das nações. Com o Brasil não é diferente. Sétima economia do mundo, o país tem que fazer o dever de casa do ensino básico para dar o salto de qualidade na formação de mão de obra. Começa nos anos iniciais do pré-escolar, onde é sedimentada a base do conhecimento. Nesse contexto, o professor é a peça fundamental para fazer a revolução da educação. A mudança passa pela reformulação dos currículos dos cursos de licenciatura, pedagogia e letras. Menos teoria e mais prática de ensino.

Nesta entrevista exclusiva, o professor Mozart Neves Ramos, membro do Conselho Consultivo do movimento Todos pela Educação, aponta os caminhos para o resgate da escola pública através da valorização do magistério, de melhores salários e investimentos públicos na educação. Ele cobra das universidades a participação efetiva dos mestres na formação dos alunos das escolas públicas, que têm nas mãos a responsabilidade de ensinar os futuros professores.

Como a formação do professor interfere na formação do aluno?
A qualidade da aprendizagem está essencialmente vinculada à qualidade de formação do professor. O que a gente observa hoje no Brasil, e os estudos mostram claramente, é que a formação do professor está muito aquém do necessário para que o desempenho do aluno seja alcançado. Ou seja, o rofessor hoje recebe uma formação que não está dentro da realidade da escola pública.

Qual o papel da universidade na formação do professor e na qualidade do ensino?
A educação básica, infelizmente, não está na agenda de prioridades da universidade. Esse distanciamento tem levado a uma formação que não se coaduna com os desafios da escola pública. Consequentemente, a formação não está sendo apropriada. Quando o professor vai para a prática do ensino e para a realidade em sala de aula, existe um grande vazio entre a universidade e a educação básica. Para garantir o bom desempenho do aluno em sala de aula, a gente tem que assegurar uma boa formação dos nossos professores.


Existem exemplos de países que conseguiram formar bem o professor?
Os países hoje no topo da educação básica são: Coreia do Sul, Finlândia e Cingapura. Esses países conseguiram chegar nesse estágio de liderança porque apostaram fortemente na valorização do professor. Nesses países você seleciona os melhores alunos do ensino médio. Os mais bem capacitados e formados no ensino médio é que lutam ardentemente para ingressar na carreira do magistério. No Brasil a gente tem o inverso. Em geral os alunos mais fracos, que tiveram mais dificuldade de aprendizado no ensino médio, é que vão para as licenciaturas.

A boa formação do professor resolve o problema da educação?
Não. Em primeiro lugar tem o salário inicial atraente. O salário dos professores nesses países é comparável ao do médico e do advogado em início de carreira. É um salário competitivo às carreiras mais valorizadas. O segundo ponto é ter uma carreira promissora ao longo da vida para garantir a ermanência do professor em sala de aula, uma carreira pautada pelo mérito do professor. O terceiro ponto é a formação inicial. Na Finlândia, por exemplo, s alunos, além dos anos vinculados à carreira do magistério, passam por uma espécie de residência docente, como se tem na medicina. Eles são preparados previamente antes de irem para sala de aula.

Como sair dessa encruzilhada no Brasil?
Não basta ter diagnóstico. Em primeiro lugar, a gente tem que ter a consciência que não vai poder abdicar dos atuais professores porque eles stão no processo. Foi assim que historicamente o Brasil construiu a sua formação docente. A gente vai ter que fazer duas ações que mais adiante vão e coadunar. Tem que ter um salário inicial atraente para conseguir atrair os melhores. Se a gente está pensando num melhor professor, ele seria recrutado partir dos melhores alunos do ensino médio, com outro salário e outra carreira. Esses novos professores já começariam a fazer parte desse novo sistema onde você certificaria as escolas e o professor com uma boa formação e um salário inicial, e uma carreira promissora. Aí você começa a mudar o pneu.

Como ficam os professores que estão hoje no batente?
A gente deveria criar uma ponte de migração para o novo sistema. Eu acho que a gente poderia certificar os atuais professores que estão com a mão na massa, que se submeteriam a uma prova e, passando, migrariam para a nova carreira. Ao mesmo tempo o estado promoveria cursos para esses professores que não se sentem devidamente preparados para essa certificação.

Esse sistema de certificação garantirá a qualidade do ensino?
A minha proposta é que nessa ponte entre os dois sistemas, ao invés de ser mais uma especialização, esses professores poderiam entrar numa escola de formação preparatória para fazer a migração. Se ele passar, é o professor que tem as condições básicas para a nova educação, para a educação que a gente espera.

Os recursos investidos hoje em educação no Brasil são satisfatórios?
O que a gente investe hoje por aluno na educação básica é muito pouco:R$ 2.942. Nesses países que me referi, se a gente transforma de dólar para real, eles investem US$ 6 mil (R$ 10 mil). O per capita por aluno é de R$ 10 mil nesses países. O Brasil vai ter que fazer um esforço para pelo menos dobrar o que é investido hoje na educação básica.

Colocar mais dinheiro na educação resolve o problema?
Não é simplesmente dobrar os recursos para fazer calçada na frente da escola, salas ou outras coisas. Esse dinheiro deve estar vinculado à nova formação do docente, e para trazer o jovem da escola de ensino médio para a carreira de magistério. Eu, ministro da Educação, colocaria todo o meu dinheiro para esse sentimento de atração à carreira do magistério. Se não fizer isso, não vai resolver o problema da aprendizagem.

Como estão os currículos dos cursos de licenciatura das universidades?
A minha opinião é que a gente vai ter que pensar e repensar a universidade. O grande desafio brasileiro hoje é formar professores para a educação básica. E as universidades vão ter que reformular os seus currículos com base em estudos que apontam que hoje se fala das questões sociológicas e filosóficas da educação, e não se fala da prática de ensino. Eu promoveria uma grande mudança na formação e no currículo. Temos que resolver algo fundamental nesse país chamado gente. Gente qualificada, gente motivada, gente bem formada.

Como seriam esses novos currículos?
Deve haver uma grande ação suprapartidária para que o novo currículo não tenha viés partidário e conte com a colaboração de grandes especialistas externos. Aí se faria um grande pacto pela educação brasileira, para ter um currículo minimamente nacional e não engessado. Até porque as características e um professor que ensina na Amazônia podem não ser a mesmas de um professor que ensina em Pernambuco ou em São Paulo. E, por fim, tem que ter novo modelo de gestão porque senão na primeira chuva esse dinheiro vira lama.

A realidade da educação no Nordeste é diferente do Sudeste e do Sul do país?
A questão hoje no Brasil é a formação do professor. No nível superior você observa que há uma defasagem de currículos do Iapoque ao Chuí. São currículos totalmente desconectados da realidade da escola pública. Vai ter que trazer para dentro das universidades uma agenda de prioridades para a educação básica. Os professores têm que conhecer a escola pública. Os professores que publicam papers em revistas para receber os apoios financeiros têm que dar uma colaboração para a educação básica. Têm que conhecer a escola pública, participar da formação dos professores.

Como atrair esses professores com mestrado e doutorado para dentro da escola pública?
Eu gostaria muito de ouvir a opinião das universidades. Eu sou professor da graduação e da pós-graduação. Portanto, eu formo aquele que vai ser o meu futuro colega na universidade. Na rede pública tem vários professores com mestrado e com doutorado. Nós deveríamos incorporar um percentual de professores que têm titulação dada pelas universidades para eles atuarem na formação dos futuros professores. Traria para os currículos o sotaque da escola pública. A maioria dos meus colegas de química, por exemplo, nunca entrou numa escola pública, porque foram formados numa escola particular de ensino médio. Eu acho que uma forma de garantir essa integração é assegurar a participação dos professores que estão na rede pública com doutorado e com mestrado, que são considerados bons professores, e poderiam trazer essa colaboração para o curso superior.

Como estão os índices de desempenho da educação em Pernambuco?
O estado vem melhorando, mas entendo que Pernambuco melhora numa velocidade lenta. Onde está melhorando é no ensino fundamental, nas séries iniciais (português e matemática), mas os alunos não conseguem manter o mesmo nível quando chegam à oitava série. Na prática têm uma situação que melhorou, mas as séries finais e ensino médio é muito grave. A gente está estagnado.

Quem está melhor no Nordeste?
Quem dá um salto importante é o Ceará. Na última Prova Brasil foi quem mais avançou. Eles conseguiram construir um alinhamento político mínimo.

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