sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Cachaça, uma dose de brasilidade


Da Folha PE

“A cachaça vem dos mais velhos dias do Brasil. Vem dos primeiros alambiques de engenhos de cana-de-açúcar. E o engenho de açúcar madrugou no Brasil Colônia”, escreveu Gilberto Freyre no texto “Cachaça”, de 1977. Mais de 500 anos do nosso recente País, aproximadamente a mesma idade do destilado mais antigo das Américas. Segundo os pesquisadores, não há dúvidas de que a cachaça tenha nascido intencionalmente em algum engenho da costa brasileira, mas não se sabe ao certo o local. As diferentes vertentes conduzem a três locais: Pernambuco, Bahia e São Paulo, entre os anos de 1516 e 1532 e, desde 2001, o líquido carrega outro importante selo, o de Indicação Geográfica*, atestando que ele é produto nacional.

Ainda buscando o reconhecimento, a cachaça já foi símbolo da brasilidade como resistência ao domínio português na época da Inconfidência Mineira, em 1789. Dizem até que o último pedido de Tiradentes teria sido “molhem a minha goela com cachaça da terra”. O gastrônomo e mestrando em História, Frederico Toscano, ainda destaca o episódio no qual a cachaça fez história, quando o padre João Ribeiro que, durante o período da Revolução Pernambucana de 1817, trocou o vinho português pela “água que passarinho não bebe” nos rituais das missas.

Depois da metade do século 19, com a economia cafeeira, abolição da escravatura e início da República, um largo preconceito se criou frente a tudo que fosse brasileiro, prevalecendo a valorização da cultura europeia: a cachaça estava em baixa. Na sequência, a bebida teve que batalhar o seu espaço para que os brasileiros não a olhassem como líquido inferior e de má qualidade. “Existia esse preconceito, mas acho que as coisas já estão mudando há algum tempo. Hoje, já é possível encontrar pessoas que apreciam de verdade, até mesmo com o reconhecimento internacional”, avalia o proprietário e mestre alambiqueiro da Cachaçaria Orgânica Sanhaçu, Oto Barreto Silva, que fica em Chã Grande. Hoje, de acordo com o grupo Salinas de cachaças artesanais, ela é considerada o terceiro destilado mais consumido do mundo e, em países como Alemanha, a caipirinha, drinque com limão à base de cachaça, é muito mais consumida que o uísque, por exemplo.


Segundo dados do Instituto Brasileiro da Cachaça (Ibrac), o Brasil tem capacidade instalada de produção de aproximadamente 1,2 bilhão de litros e, atualmente, são escoados por mais de 40 mil produtores. As microempresas correspondem a 99% do total de produtores, destacando-se os estados de São Paulo, Pernambuco, Ceará, Minas Gerais e Paraíba. Desses, Minas Gerais é o campeão em produção da bebida artesanal, em seus quase dez mil alambiques. Enquanto, em Pernambuco, só existem sete fábricas. “Minas foi o primeiro local a atentar para o valor da cachaça, correr atrás de tecnologia e formação”, aponta o cachacista Jairo Martins da Silva.

Mesmo com todo esse potencial, menos de 1% da cachaça produzida anualmente é exportada. Ainda de acordo com o Ibrac, atualmente, cerca de 60 países importam, anualmente, um total de 9,8 milhões de litros, gerando uma receita de US$ 17,28 milhões. Dentre os principais mercados de destino estão Alemanha, Portugal, Estados Unidos e França. Pitú é a cachaça mais exportada do Brasil e a mais consumida na Alemanha, principal mercado consumidor no exterior. Sua comercialização no mercado internacional teve início em 1970 e, atualmente, está em mais de 50 países e em mais de 40 lojas free shop espalhadas por todo o mundo. Por isso, nos índices de exportação, Pernambuco está sempre à frente, mesmo com um número inferior de alambiques em relação a Minas Gerais.

“Só quem exporta são as grandes indústrias. Fica difícil para o produtor artesanal porque fabricamos em quantidade bem menor. Mas, em 2013, será o nosso foco junto à Associação Pernambuca dos Produtores de Aguardente de Cana e Rapadura para viabilizar o envio dos produtos para o exterior. A demanda existe, agora só falta essa articulação”, comenta Oto.

Entendendo as diferenças

O que é o quê?

Aguardente - É o nome dado a qualquer bebida obtida a partir da fermentação de vegetais doces

Cachaça - Nome dado à aguardente extraída da cana-de-açúcar apenas. Para o Ministério da Agricultura, a denominação é típica e exclusiva da aguardente de cana produzida no Brasil com graduação alcoólica de 38% a 48%, a 20º C. Pela lei brasileira, há diferenças entre cachaça e aguardente de cana, que podem ter entre 38% e 54% de graduação alcoólica. Assim, toda cachaça é uma aguardente, mas nem toda aguardente é cachaça.


Etapas da produção artesanal

A cana - Tudo começa na plantação da cana-de-açúcar, que é a matéria-prima para a fabricação da cachaça. “A cana usada na produção do destilado artesanal é colhida manualmente e não é queimada, prática que precipita sua deterioração”, explica Oto.

Moagem - Depois de cortada, a cana madura deve ser moída no mesmo dia, o prazo máximo dado entre o corte e a moagem é de 36 horas. As moendas separam o caldo do bagaço, que será usado para aquecer as fornalhas do alambique, fazendo o reaproveitamento do mesmo.

Fermentação - Como cada tipo de cana apresenta teor de açúcar variado, é preciso padronizar o caldo com a adição de água para depois fermentá-lo pela ação das leveduras (agentes fermentadores naturais que estão no ar).

Destilação - O vinho de cana produzido pela levedura durante a fermentação é rico em componentes nocivos à saúde, como aldeídos, ácidos, bagaços e bactérias, mas possui baixa concentração alcoólica. Como a concentração fixada por lei é de 38 a 54 GL, é preciso destilar o vinho para elevar o teor de álcool. O processo é fazer ferver o vinho dentro de um alambique de cobre, produzindo vapores que são condensados por resfriamento e apresentam, assim, grande quantidade de álcool etílico. “Os primeiros 10% de líquido que saem da bica do alambique (cabeça) e os últimos 10% (cauda) devem ser separados, eliminados ou reciclados, por causa das toxinas”, lembra o mestre alambiqueiro.

Envelhecimento - O envelhecimento é a etapa final, quando o líquido é estocado em barris de madeira, onde ainda acontecem reações químicas. As madeiras podem variar, o carvalho e a amburana (também chamada umburana), por exemplo, conferem ao destilado um tom amarelado e mudam seu aroma.

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