Militares em frente ao Ministério do Exército, no Rio, em 2 de abril de 1964/Imagem Arquivo Nacional |
Os protestos de 15 de março,
direcionados principalmente contra o governo federal e a presidente Dilma
Rousseff, indicaram a insatisfação de parte da população com os casos de
corrupção envolvendo partidos políticos, empresas públicas e empresas privadas.
Algumas pessoas, inclusive, chegaram a pedir uma intervenção militar, alegando
que essa seria a solução para o fim da corrupção.
Mas será que nesse período a
corrupção realmente não fazia parte da esfera política? Apesar da blindagem
proporcionada pelas restrições ao Legislativo, Judiciário e imprensa, ainda
assim a ditadura não passou imune a diversas denúncias de corrupção.
O UOL listou dez delas, tendo
como fonte a série de quatro livros de Elio Gaspari sobre o período ("A
Ditadura Envergonhada", "A Ditadura Escancarada", "A
Ditadura Derrotada" e "A Ditadura Encurralada") e reportagens da
época. O primeiro item que envolve Delfim Netto contém uma resposta do
ex-ministro sobre os casos. Veja:
Imagem da Internet |
1 - Contrabando na Polícia do
Exército
A partir de 1970, dentro da 1ª
Companhia do 2º Batalhão da Polícia do Exército, no Rio de Janeiro, sargentos,
capitães e cabos começaram a se relacionar com o contrabando carioca. O capitão
Aílton Guimarães Jorge, que já havia recebido a honra da Medalha do Pacificador
pelo combate à guerrilha, era um dos integrantes da quadrilha que
comercializava ilegalmente caixas de uísques, perfumes e roupas de luxo,
inclusive roubando a carga de outros contrabandistas. Os militares escoltavam e
intermediavam negócios dos contraventores. Foram presos pelo SNI (Serviço
Nacional de Informações) e torturados, mas acabaram inocentados porque os
depoimentos foram colhidos com uso de violência – direito de que os civis não
dispunham em seus processos na época. O capitão Guimarães, posteriormente, deixaria
o Exército para virar um dos principais nomes do jogo do bicho no Rio, ganhando
fama também no meio do samba carioca. Foi patrono da Vila Isabel e presidente
da Liesa (Liga Independente das Escolas de Samba).
Imagem: Folhapress |
2 - A vida dupla do delegado
Fleury (Foto ao Lado: Sérgio Paranhos Fleury)
Um dos nomes mais conhecidos da
repressão, atuando na captura, na tortura e no assassinato de presos políticos,
o delegado paulista Sérgio Fernandes Paranhos Fleury foi acusado pelo
Ministério Público de associação ao tráfico de drogas e extermínios. Apontado
como líder do Esquadrão da Morte, um grupo paramilitar que cometia execuções,
Fleury também era ligado a criminosos comuns, segundo o MP, fornecendo serviço
de proteção ao traficante José Iglesias, o "Juca", na guerra de
quadrilhas paulistanas. No fim de 1968, ele teria metralhado o traficante rival
Domiciano Antunes Filho, o "Luciano",
com outro comparsa, e capturado, na companhia de outros policiais
associados ao crime, uma caderneta que detalhava as propinas pagas a detetives,
comissários e delegados pelos traficantes.
O caso chegou a ser divulgado à
imprensa por um alcaguete, Odilon Marcheronide Queiróz ("Carioca"),
que acabou preso por Fleury e, posteriormente, desmentiu a história a jornais
de São Paulo. Carioca seria morto pelo investigador Adhemar Augusto de
Oliveira, segundo o próprio revelaria a um jornalista, tempos depois.
Os atos do delegado na repressão,
no entanto, lhe renderam uma Medalha do Pacificador e muita blindagem dentro do
Exército, que deixou de investigar as denúncias. Promotores do MP foram
alertados para interromper as investigações contra Fleury. De acordo com o
relato publicado em "A Ditadura Escancarada", o procurador-geral da
Justiça, Oscar Xavier de Freitas, avisou dois promotores em 1973: "Eu não
recebo solicitações, apenas ordens. (…) Esqueçam tudo, não se metam em mais
nada. Existem olheiros em toda parte, nos fiscalizando. Nossos telefones estão
censurados".
No fim daquele ano de 1973, o
delegado chegou a ter a prisão preventiva decretada pelo assassinato de um
traficante, mas o Código Penal foi reescrito para que réus primários com
"bons antecedentes" tivessem direito à liberdade durante a tramitação
dos recursos. Em uma conversa com Heitor Ferreira, secretário do presidente
Ernesto Geisel (1974-1979), o general Golbery do Couto e Silva – então ministro
do Gabinete Civil e um dos principais articuladores da ditadura militar –
classificou assim o delegado Fleury, quando pensava em afastá-lo: "Esse é
um bandido. Agora, prestou serviços e sabe muita coisa". Fleury morreu em
1979, quando ainda estava sob investigação da Justiça.
3 - Governadores biônicos e sob
suspeita
Em 1970, uma avaliação feita pelo
SNI ajudou a determinar quais seriam os governadores do Estado indicados pelo
presidente Médici (1969-1974). No Paraná, Haroldo Leon Peres foi escolhido após
ser elogiado pela postura favorável ao regime; um ano depois, foi pego
extorquindo um empreiteiro em US$ 1 milhão e obrigado a renunciar. Segundo o
general João Baptista Figueiredo, chefe do SNI no governo Geisel, os agentes
teriam descoberto que Peres "era ladrão em Maringá" se o tivessem
investigado adequadamente. Na Bahia, Antônio Carlos Magalhães, em seu primeiro
mandato no Estado, foi acusado em 1972 de beneficiar a Magnesita, da qual seria
acionista, abatendo em 50% as dívidas da empresa.
Paulo Maluf/FotoEstadão Conteúdo |
4 - O caso Lutfalla
Outro governador envolvido em
denúncias foi o paulista Paulo Maluf. Dois anos antes de assumir o Estado, em
1979, ele foi acusado de corrupção no caso conhecido como Lutfalla – empresa
têxtil de sua mulher, Sylvia, que recebeu empréstimos do BNDE (Banco Nacional
de Desenvolvimento) quando estava em processo de falência.
As denúncias
envolviam também o ministro do Planejamento Reis Velloso, que negou as
irregularidades, e terminou sem punições.
5 - As mordomias do regime
Em 1976, as Redações de jornal já
tinham maior liberdade, apesar de ainda estarem sob censura. O jornalista
Ricardo Kotscho publicou no "Estado de São Paulo" reportagens expondo
as mordomias de que ministros e servidores, financiados por dinheiro público, dispunham
em Brasília.
Uma piscina térmica banhava a casa do ministro de Minas e Energia,
enquanto o ministro do Trabalho contava com 28 empregados. Na casa do
governador de Brasília, frascos de laquê e alimentos eram comprados em
quantidades desmedidas – 6.800 pãezinhos teriam sido adquiridos num mesmo dia.
Filmes proibidos pela censura, como o erótico "Emmanuelle", eram
permitidos na casa dos servidores que os requisitavam. Na época, os ministros
não viajavam em voos de carreira, e sim em jatos da Força Aérea.
Antes disso, no governo Médici já
se observavam outras regalias: o ministro do Exército, cuja pasta ficava em
Brasília, tinha uma casa de veraneio na serra fluminense, com direito a
mordomo. Os generais de exército (quatro estrelas) possuíam dois carros, três
empregados e casa decorada; os generais de brigada (duas estrelas) que iam para
Brasília contavam com US$ 27 mil para comprar mobília. Cabos e sargentos
prestavam serviços domésticos às autoridades, e o Planalto também pagou
transporte e hospedagem a aspirantes para um churrasco na capital federal.
Delfim Netto/Leticia Moreira/Folha Imagem |
6 - Delfim e a Camargo Corrêa
Delfim Netto – ministro da
Fazenda durante os governos Costa e Silva (1967-1969) e Médici, embaixador
brasileiro na França no governo Geisel e ministro da Agricultura (depois
Planejamento) no governo Figueiredo – sofreu algumas acusações de corrupção.
Na
primeira delas, em 1974, foi acusado pelo próprio Figueiredo (ainda chefe do
SNI), em conversas reservadas com Geisel e Heitor Ferreira. Delfim teria
beneficiado a Empreiteira Camargo Corrêa a ganhar a concorrência da construção
da hidrelétrica de Água Vermelha (MG).
Anos depois, como embaixador, foi
acusado pelo francês Jacques de la Broissia de ter prejudicado seu banco, o
Crédit Commercial de France, que teria se recusado a fornecer US$ 60 milhões
para a construção da usina hidrelétrica de Tucuruí, obra também executada pela
Camargo Corrêa.
Em citação reproduzida pela "Folha de S.Paulo" em
2006, Delfim falou sobre as denúncias, que foram publicadas nos livros de Elio
Gaspari: "Ele [Gaspari] retrata o conjunto de intrigas armado dentro do
staff de Geisel pelo temor que o general tinha de que eu fosse eleito
governador de São Paulo", afirmou o ex-ministro.
Outro lado: Em relação às
denúncias que envolvem seu nome nesse texto, o ex-ministro Delfim Netto
respondeu ao UOL: "Trata-se de velhas intrigas que sempre foram
esclarecidas. Nunca tive participação nos eventos relatados".
7 - As comissões da General
Electric
Durante um processo no Cade
(Conselho Administrativo de Defesa Econômica) em 1976, o presidente da General
Electric no Brasil, Gerald Thomas Smilley, admitiu que a empresa pagou comissão
a alguns funcionários no país para vender locomotivas à estatal Rede
Ferroviária Federal, segundo noticiou a "Folha de S.Paulo" na época.
Em 1969, a Junta Militar que sucedeu Costa e Silva e precedeu Médici havia
aprovado um decreto-lei que destinava "fundos especiais" para a
compra de 180 locomotivas da GE. Na época, um dos diretores da empresa no
Brasil na época era Alcio Costa e Silva, irmão do ex-presidente, morto naquele
mesmo ano de 1969. Na investigação de 1976, o Cade apurava a formação de um
cartel de multinacionais no Brasil e o pagamento de subornos e comissões a
autoridades para a obtenção de contratos.
Newton Cruz/Paula Giolito /Folhapress |
8 - Newton Cruz, caso Capemi e o
dossiê Baumgarten
O jornalista Alexandre von
Baumgarten, colaborador do SNI, foi assassinado em 1982, pouco depois de
publicar um dossiê acusando o general Newton Cruz de planejar sua morte –
segundo o ex-delegado do Dops Cláudio Guerra, em declaração de 2012, a ordem
partiu do próprio SNI. A morte do jornalista teria ligação com seu conhecimento
sobre as denúncias envolvendo Cruz e outros agentes do Serviço no escândalo da
Agropecuária Capemi, empresa dirigida por militares, contratada para
comercializar a madeira da região do futuro lago de Tucuruí. Pelo menos US$ 10
milhões teriam sido desviados para beneficiar agentes do SNI no início da
década de 1980. O general foi inocentado pela morte do jornalista.
9 - Caso Coroa-Brastel
Delfim Netto sofreria uma
terceira acusação direta de corrupção, dessa vez como ministro do Planejamento,
ao lado de Ernane Galvêas, ministro da Fazenda, durante o governo Figueiredo. Segundo
a acusação apresentada em 1985 pelo procurador-geral da República José Paulo
Sepúlveda Pertence, os dois teriam desviado irregularmente recursos públicos
por meio de um empréstimo da Caixa Econômica Federal ao empresário Assis Paim,
dono do grupo Coroa-Brastel, em 1981. Galvêas foi absolvido em 1994, e a
acusação contra Delfim – que disse na época que a denúncia era de
"iniciativa política" – não chegou a ser examinada.
10 - Grupo Delfin
Denúncia feita pela "Folha
de S.Paulo" de dezembro de 1982 apontou que o Grupo Delfin, empresa
privada de crédito imobiliário, foi beneficiado pelo governo por meio do Banco
Nacional da Habitação ao obter Cr$ 70 bilhões para abater parte dos Cr$ 82
bilhões devidos ao banco. Segundo a reportagem, o valor total dos terrenos
usados para a quitação era de apenas Cr$ 9 bilhões. Assustados com a notícia,
clientes do grupo retiraram seus fundos, o que levou a empresa à falência pouco
depois. A denúncia envolveu os nomes dos ministros Mário Andreazza (Interior),
Delfim Netto (Planejamento) e Ernane Galvêas (Fazenda), que chegaram a ser
acusados judicialmente por causa do acordo.
Marcelo Freire/Do UOL
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